ESCOLA SUPLEMENTAR DE MEDICINA E INSTITUTO HOMEOPÁTICO DE SAÍ

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
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Denominações: Escola Suplementar de Medicina e Instituto Homeopático de Saí (1842)

Resumo: A Escola Suplementar de Medicina e Instituto Homeopático de Saí, instalados em novembro de 1842, na região do Saí, no Estado de Santa Catarina, foram as primeiras instituições de homeopatia a serem implantadas no Brasil pelo francês Benoit Jules Mure. Parte integrante de um projeto de colonização de orientação socialista francesa, essa Escola e Instituto tiveram curta duração, tendo encerrado suas atividades em 1843, quando Mure se transferiu para o Rio de Janeiro.

Histórico

Em 1841, o médico francês Benoit Jules Mure (1809-1858), conhecido como Bento Mure, tentou implantar, na província de Santa Catarina, um projeto de colonização, conhecido como Colônia Industrial do Sahy ou Falanstério do Sahy. Este projeto, de orientação socialista francesa, seguia os princípios do socialista francês François Marie Charles Fourier (1772-1837), autor de “Théorie des quatre mouvements et des destinées générales” (1808), e que “propôs a criação de unidades de produção e consumo - as falanges ou falanstérios - baseadas em uma forma de cooperativismo integral e auto-suficiente, assim como na livre perseguição do que chamava paixões individuais e seu desenvolvimento, o que constituiria um estado que chamava harmonia” (CHARLES, 2020).

Como representante da Union Industrielle de Paris, o projeto de sua autoria consistia na formação de uma colônia industrial a partir de “cem famílias francesas e católicas” que fabricariam máquinas a vapor, associando-se entre si e garantindo-se “contra o incêndio, riscos do mar, faltas de trabalho e despesas de educação dos filhos” (GALHARDO, 1928). A região escolhida para a implantação da colônia foi uma península formada pelo rio São Francisco do Sul e o rio Saí, que fazia limite com a província do Paraná. Por isso, o nome Colônia de Saí, ou Colonia do Sahy na época. Obtendo autorização e apoio do Governo Imperial, Bento Mure conseguiu aquelas terras e pelo decreto de 11 de dezembro de 1841 foi aprovado o contrato que fizera com o Império do Brasil. 

Bento Mure, segundo Galhardo (1928), ficara conhecido na Europa por sua propaganda a favor da doutrina homeopática, principalmente em Palermo, na Itália, e Paris, onde fundou dispensários homeopáticos. No entanto, quando chegou ao Brasil não tomou nenhuma iniciativa mais efetiva voltada para a divulgação da homeopatia. Somente após conseguir instalar a colônia, é que foi proposta a criação de uma Escola Suplementar de Medicina e o Instituto Homeopático de Saí, em 15 de novembro de 1842. Estas teriam sido as primeiras instituições de homeopatia no Brasil. 

A origem do princípio da homeopatia deu-se a partir da teoria do médico alemão Samuel Christian Friedrich Hahnemann (1755-1843), autor do livro “Organon da arte de curar” (Dresden, 1810), que deu origem ao princípio da homeopatia. Esta obra propunha um método terapêutico baseado na “lei dos similares”, na qual “semelhantes curam-se pelos semelhantes”, opondo-se aos princípios da medicina hipocrática. Segundo o princípio homeopático, os medicamentos a serem empregados deveriam ser capazes de provocar no indivíduo são a sintomatologia apresentada pelo indivíduo doente. Havia assim, uma individualização do paciente e do medicamento a ser adotado.

A autoria da introdução da homeopatia no Brasil foi bastante polêmica, havendo disputas nesse sentido entre Bento Mure, Émíle Germon (1799- ?) e Domingos de Azevedo Coutinho Duque-Estrada, entre outros. Desde 1818, se tinha notícia da publicação de artigos de Antônio Ferreira França, professor da então Academia Médico-Cirúrgica da Bahia, contra a terapêutica homeopática. No entanto, somente nos anos de 1840 é que surgiram as primeiras instituições que adotaram a doutrina homeopática no Brasil. Vários homeopatas estrangeiros haviam se estabelecido aqui, antes da chegada de Bento Mure, como Frederico Emilio Jahn, que, em 1836, apresentou à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a tese intitulada “Exposição da doutrina homeopática”; Thomaz Cochrane, médico escocês formado pela Universidade de Londres, que chegou ao Rio em 1829; e o francês Émile Germon, autor do “Manual Homeopático”, editado em 1843.

Bento Mure, em documento datado de 15 de novembro de 1842, e publicado na edição de 23 de janeiro de 1843 do Jornal do Commercio, assim apresentou a criação da Escola Suplementar de Medicina e Instituto Homeopático de Saí:

“Uma descoberta descoberta imensa assignalou ultimamente a historia da medicina. (....), Hahnemann achou a lei curativa, em vão procurada desde o tempo de Hippocrates, e mudou completamente a therapeutica, firmando-a sobre suas verdadeiras bases. Dahi procede para o medico de agora a necessidade de entregar-se a novos e sérios estudo, se quiser ficar ao nível dos conhecimentos da sua época e preencher conscienciosamente a alta missão de que foi incumbido, a de tratar da saúde de seus semelhantes. (....). Nestas circunstancias, pareceu conveniente mettermos o Brazil ao nível das nações que o precederão na carreira, e estabelecermos uma escola suplementar de medicina, onde os jovens médicos possão adquirir os conhecimentos que o antigo ensino das faculdades não póde ministrar. A escola suplementar terá também por fim generalizar e popularizar a homeopathia, defender a pureza da doutrina de Hahnemann, fornecer ás pharmacias secundarias medicamentos preparados convenientemente, e facilitar por todos os meios a transformação da antiga medicina; e para consegui-los, compôr-se-há das instituições seguintes: A – De um centro de ensino. B – De uma comissão de correspondência e redacção. C- De uma pharmacia central”. (MURE, 1843, p.3)  

Ainda neste documento, Bento Mure indicou que o ensino, naquela instituição, seria teórico e prático, sendo a parte teórica composta pela história da homeopatia e os cursos de terapêutica, de posologia e de farmacologia. O ensino prático se basearia em experiências com o homem são, na prática com os doentes e na preparação de medicamentos. O Instituto oferecia aos alunos da Escola além de cursos, as obras de Hahnemann e de seus discípulos. A instituição previa, ainda, o atendimento gratuito aos pobres e a instalação de um hospital. 

Já a comissão de correspondência e redação tinha os objetivos de estabelecer a comunicação entre os homeopatas espalhados pelo país; criar um jornal informativo sobre os progressos da homeopatia no Brasil e na Europa; organizar as experiências positivas de cura feitas pelos alunos; e responder às críticas dirigidas à homeopatia, além de promoverem publicações sobre o assunto, tanto traduções das obras já existentes, quanto originais.

A farmácia central, inspecionada por uma comissão de médicos, tinha por fim o preparo de tinturas e diluições pelos farmacêuticos para posterior distribuição aos farmacêuticos do Império. 

A instituição seria estabelecida na colônia do Saí, nas margens do rio São Francisco do Sul. Segundo Bento Mure este local apresentava várias vantagens, como sua temperatura amena, a salubridade de seu clima, e o fato de que a convivência com uma população de origem  francesa permitiria aos jovens médicos seu aperfeiçoamento na língua, além de promover o estabelecimento de relações que poderiam contribuir para a reforma industrial e científica almejada (MURE, 1843).

Em correspondência enviada da colônia do Saí, e datada de 5 de dezembro de 1842, ou seja, no mês seguinte à criação da Escola e do Instituto Homeopático, Bento Mure comentou a respeito dos progressos que a homeopatia vinha apresentando no Rio de Janeiro, capital do Império, e lamentou o fato de não estar naquela cidade para poder participar da luta em defesa da homeopatia. Ao final da correspondência ainda comentou sobre o significado de seu projeto na colônia do Saí: 

“Já é a colônia do Sahy um vasto campo aberto aos experimentadores. (....). De toda a parte medicos e doentes vêm aqui procurar conhecimentos e soccorros. Lancei em proveito dos estudantes e medicos que querem completar os seus estudos as bases de um ensino serio e proficuo, do qual as províncias de Santa Catharina e São Paulo começão a colher os fructos. Alguns morpheticos que estão se curando aqui neste momento já experimentarão os efeitos felizes da medicação homeopathica”. (DR. MURE, 1843).

Entretanto, os questionamentos em relação ao projeto de Bento Mure e à homeopatia eram recorrentes, como bem expressou o discurso do Dr. Costa na Sessão Geral da Academia Imperial de Medicina, em 10 de junho de 1846, publicado nos Annaes de Medicina Brasiliense

“Sr. Presidente, esse sonho de um velho louco Allemão, riscado para todo o sempre na Europa inteira, veio debaixo da forma phalensteriana colonorisadora implantar-se nas margens do Sahy, onde logrou como sabemos algumas centenas de pobres colonos; depois transplantou-se para a Rua de S.José, donde tem com a maior audácia insultado quotidianamente a classe medica Brasileira, e proclamado suas curas tão milagrosas como tão impostores seus curandeiros”. (DISCURSO, 1846) 

De acordo com Tarciano Filho (2016), os projetos da Escola Suplementar de Medicina e Instituto Homeopático de Saí “não saíram do papel, apesar de anunciadas pelo Jornal do Commercio se concretizaram” (TARCIANO FILHO, 2016). 

Entre os anúncios sobre a instituição em Saí, veiculados no Jornal do Commercio, é curioso o anúncio que foi publicado na edição de 1º de fevereiro e 1843, sob o título “Escola Supplementar de Medicina e Instituto Homeopathico no Sahy”:

“Muitas cartas dirigidas ao Dr. Mure a respeito da homeopathia tendo-se extraviado, ou chegando á colônia do Sahy (....), ele roga ás pessoas que lh´as dirigirão o desculpem desta demora involuntária, e as convida a que pelo futuro dirijão suas cartas (francas) ao Illmo. Sr. João Machado Cardoso, negociante, rua do Rosario n.106, sendo esta a via mais certa e rápida para corresponderem com ele” (ESCOLA, 1843, p.4) 

Fracassado o projeto da Colônia do Saí, em agosto de 1843 Bento Mure transferiu-se para o Rio de Janeiro, fundando então o Instituto Homeopático do Brasil, do qual foi presidente até 1848, quando regressou à Europa.

No discurso do médico Antônio da Costa, na Sessão Geral de 10 de junho de 1846 da Academia Imperial de Medicina, ficou evidenciada a crítica ao de Bento Mure no Saí:

“Prescindamos de considerar o homem moral que, das margens do Sahy, e como que por influencia electrica, acolheu o primeiro brado da especulação homeopathica, soltado no Rio de Janeiro; desse homem cuja ambição monetária, que não de gloria, já o não podia deixar ver nas margens do rio de S. Francisco do Sul, os motivos queo levavam á fundação de uma escola homeopathica no Sahy, e da qual ele e somente ele, guardando o inviolável segredo, sendo o único claviculário de seus verdadeiros fins, e mudando-a para a corte, tiraria a mais excelente posição sobre todos os grandes do império! (...). E não foi do meio disto que pôde surgir essa chusma de peregrinos ou vadios, trajando a capa homeopathica que os vae levando á posteridade, e contra o decóro e brio, senão nacional, ao menos de uma numerosa classe de cidadãos, em todos os tempos respeitada por seu saber, por suas notabilidades, por suas virtudes e moralidade? Que outros títulos prresidiram ou puderam presidir á fundação da escola suplementar de medicina e instituto homeopático do Sahy? Por que suspendendo ali as suas operações, se póde ella achar entronizada na corte do império, metamorfoseada em escola e instituto central homeopathico do Brasil, cujos filiaes, ainda com a casca de consultórios, bem depressa tomarão suas gallas, se a autoridade publica não quiser atender ao alcance dos projetos do seu tão perigoso fundador?”. (DISCURSO, 1846, p.2)

Segundo Oswaldo Rodrigues Cabral, somente anos mais tarde (1860) foi instalado o primeiro consultório homeopático na cidade do Desterro, atual Florianópolis, por Vicente José Lisboa que, junto com Bento Mure, teria fundado o referido Instituto na cidade do Rio de Janeiro, ocupando o cargo de secretário. 

Fontes

- A HOMEOPATIA e seus apóstolos! O Anti-Charlatão, Rio de Janeiro, n.5, p.2-3, 9 de julho de 1846.  In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 20 jul. 2020. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/700908/18
- CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Medicina, médicos e charlatães do passado. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado, 1942.               (BCOC)
- CHARLES Fourier. In: Wikipedia. Capturado em 20 jul. 2020. Online. Disponível na Internet: https://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Fourier
- [DISCURSO do Sr. Dr. Costa na Sessão Geral de 10 de junho de 1846]. Annaes de Medicina Brasiliense, Rio de Janeiro, 2º anno, vol.2º, n.11, p.245-248, abril 1847. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 20 jul. 2020. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/442500/757
- DR. MURE. Correspondencias. Homeopathia.Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, anno XVIII, n.29, p.3, 30 de janeiro de 1843. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 20 jul. 2020. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_03/4267
- ESCOLA Supplementar de Medicina e Instituto Homeopathico no Sahy. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, anno XVIII, n.31, p.4, 1º de fevereiro de 1843. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 20 jul. 2020. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_03/4276
- GALHARDO, José Emygdio Rodrigues. História da homeopatia no Brasil. In: Livro do 1° Congresso Brasileiro de Homeopatia. Rio de Janeiro, 1928. p.271-1016.                   (BN)
- LOBO, Francisco Bruno. O ensino da medicina no Rio de Janeiro: homeopatia. Rio de Janeiro, 1968.  v.3.                     (ANM)
- LUZ, Madel Therezinha. A arte de curar e a ciência das doenças: história social da homeopatia no Brasil. Tese (Concurso de Professor Titular) - Instituto de Medicina Social, UERJ, s.d.              (BCOC)
- MURE, Dr. Escola Supplementar de Medicina e Instituto Homeophatico do Sahy. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, anno XVIII, n.22, p.3, 23 de janeiro de 1843. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 20 jul. 2020. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_03/4231
- SANTOS FILHO, Lycurgo de Castro. História geral da medicina brasileira. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1991, v.2.           (BCCBB)
- TARCIANO FILHO, Conrado Mariano; WISSE, Silvia. Novas evidências documentais para a história da homeopatia na América Latina: um estudo e caso sobre os vínculos entre Rio de Janeiro e Buenos Aires. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.23, n.3, p.779-798, jul.-set.2016. Capturado em 20 jul. 2020. Online. Disponível na Internet:
https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v23n3/0104-5970-hcsm-S0104-59702016005000017.pdf

Ficha técnica

Pesquisa - Verônica Pimenta Velloso.
Redação - Verônica Pimenta Velloso.
Revisão - Francisco José Chagas Madureira.
Consultoria – Ângela de Araújo Porto.
Atualização – Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.

Forma de citação

ESCOLA SUPLEMENTAR DE MEDICINA E INSTITUTO HOMEOPÁTICO DE SAÍ. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 19 mai.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario


Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)