REAL HORTO

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
Revisão de 17h59min de 10 de agosto de 2023 por Ana.guedes (discussão | contribs) (Criando um novo verbete.)
(dif) ← Edição anterior | Revisão atual (dif) | Versão posterior → (dif)
Ir para navegação Ir para pesquisar

Denominações: Real Horto (1808); Real Jardim Botânico (1818); Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas (1825); Jardim Botânico (1833); Jardim Botânico do Rio de Janeiro; Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1998)

Resumo: A origem do Real Horto é relacionada por vários autores, ao Alvará de 13 de maio de 1808 que determinou o estabelecimento de uma fábrica de pólvora nas terras do antigo engenho de cana-de-açúcar que pertencia à família Rodrigo de Freitas, na cidade do Rio de Janeiro, onde atualmente encontra-se o Jardim Botânico. Em 13 de junho de 1808, estas terras foram incorporadas à Coroa e foram destinados recursos para a referida fábrica. Em 1811, o decreto que criou a Real Junta de Fazenda dos Arsenais, Fábricas e Fundição, referia-se ao estabelecimento de um jardim botânico nestas terras. Os vice-diretores da Fábrica de Pólvora foram diretores do Jardim Botânico até 1824, quando Frei Leandro do Sacramento assumiu a direção, e o Jardim deixou de ser um simples jardim de aclimatação de plantas para ser uma instituição voltada para a causa científica. Em 1998 adotou a denominação Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Histórico

Em fins do século XVIII configurou-se, na Europa, um amplo movimento de caráter reformista, fundamentado no racionalismo e no cientificismo, que pretendia modernizar a vida político-econômica da sociedade. O pragmatismo desse movimento foi transplantado de Portugal para o Brasil, especialmente durante a administração do Marquês de Pombal, quando a Coroa Portuguesa deu início à sua política de incentivo às produções naturais da colônia e ao estudo das ciências naturais, sobretudo a botânica. Foram adotadas inúmeras iniciativas para aumentar a produtividade da colônia, estimulando estudos e experiências com a aclimatação de espécimes novas. Nessa política de fomento e recuperação da economia portuguesa, que não mais detinha o monopólio do comércio de especiarias, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Ministro dos Negócios do Ultramar, incentivou o intercâmbio de plantas de diversas espécies entre os domínios portugueses, engrandecendo os cultivos já existentes e aclimatando os produtos oriundos de outros países.

Sob as ordens de D. Maria I, foi criado, em 1798, o primeiro jardim botânico no Brasil, o Jardim Botânico do Grão-Pará, devido à proximidade com a Amazônia, que vinha sendo alvo de inúmeras incursões para o estudo da botânica. De acordo com Segawa (1996), a Carta Régia de 4 de novembro de 1796, dirigida ao governador do Pará, concedia o pioneirismo na criação de um jardim botânico e “inaugurava oficialmente a política de implantação na colônia de uma série de estabelecimentos botânicos voltados para o intercâmbio de plantas úteis à economia portuguesa” (p.113). O Aviso Régio de 19 de novembro de 1798, remetido aos capitães-generais das capitanias de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e São Paulo, ressaltava a importância da criação de estabelecimentos congêneres ao horto de Belém.

Após a instalação da Família Real no Rio de Janeiro, em 1808, a preocupação com a defesa também vigorava na pauta dos assuntos políticos da Corte, fazendo com que o Príncipe Regente D. João ordenasse, por meio de um decreto s/nº, de 13 de maio de 1808, a fundação de uma fábrica de pólvora no Rio de Janeiro, sob a administração da Junta de Fazenda dos Arsenaes, Fabricas e Fundições do Reino. O local escolhido foi a área do antigo engenho de cana-de-açúcar que pertencia à família Rodrigo de Freitas, e assim foi determinado que fossem desapropriadas as terras desse engenho, mediante o pagamento a seus herdeiros, como estabeleceu o decreto de 13 de junho de 1808:

“o engenho e terras denominadas da Lagôa de Rodrigo de Freitas, seja o logar mais próprio para estes grandes estabelecimentos; sou servido ordenar que pelo Conselho da Fazenda se proceda logo a incorporar nos proprios da minha Real Corôa e a escrever nos livros delles o sobredito engenho e terras da Lagôa de Rodrigo de Freitas, procedendo- se primeiro á competente avaliação, cujo valor com o augmento estabelecido pelas minhas Leis que mando sempre dar áquelles cujos bens se tomam para o serviço publico” (BRASIL. Decreto de 13 de junho de 1808)

A origem do Real Horto é relacionada por vários autores, como João Barbosa Rodrigues (1908), que seria diretor da instituição em várias ocasiões, Lavôr (1983) e Segawa (1996), a este documento de estabelecimento da fábrica de pólvora em terras da Lagoa Rodrigo de Freitas (onde atualmente encontra-se o Jardim Botânico), embora este não explicitasse em seus termos a instalação de um jardim de aclimação naquele local (BRASIL. Decreto de 13 de maio de 1808). Uma referência mais explícita ao jardim de aclamação na Lagoa Rodrigo de Freitas só vai aparecer no alvará de 1º de março de 1811, que criou a Real Junta de Fazenda dos Arsenais, Fábricas e Fundição da Capitania do Rio de Janeiro, ao se referir às atribuições do presidente desta Junta:

“O Presidente que será sempre, como fica dito, o Tenente General de Artilharia, Inspector geral dos Arsenaes e fabricas, deverá ter a suprema inspecção e direção de todos os trabalhos dos arsenais e das fabricas de pólvora, (..........) que eu for servido crear; como serão na Lagôa de Freitas as olarias, caeiras, córtes de madeiras e sua extracção,(.....); dirigindo também um estabelecimento de um jardim botânico da cultura em grande de plantas exóticas que mando se haja formar na dita fazenda da Lagôa e de que será encarregado, (.....), promovendo a cultura das moscadeiras, alcanforeiras, cravos da India, canella, pimenta, e os cactos com a cochonilha; fazendo-se as necessárias experiencias, para vir a conhecer-se o melhor meio de as cultivar e propagar, e de levar ao maior gráo de perfeição possível a plantação dos bosques artificiaes de madeiras de lei, (....).” (BRASIL, Alvará de 1] de março de 1811)

A história do Real Horto vem sendo apresentada diretamente vinculada à história da fábrica de pólvora, considerando-se seu primeiro diretor, o italiano Carlos Antonio Napion, que era inspetor de artilharia e das fundições, como o primeiro diretor do Real Horto. De acordo com João Barbosa Rodrigues, Napion foi nomeado inspetor da fábrica de pólvora, e João Gomes da Silveira Mendonça vice-inspetor (RODRIGUES, 1895).  Outros autores, como Max Fleiuss (1922), afirmam que o primeiro diretor da Fábrica de Pólvora foi João Gomes da Silveira Mendonça (futuro Marquês de Sabará), e que este anexou um pequeno horto à fábrica, dando origem ao Real Horto. A instalação de um jardim de aclimação junto a uma fábrica de pólvora tem suscitado indagações por parte dos estudiosos. Begonha Bediaga ressalta a questão da influência do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Guerra:

“A esse respeito, devemos levar em conta a influência do ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Rodrigo de Sousa Coutinho, sob cujo comando estava a Fábrica de Pólvora. Lembremos que ele fora figura de relevância na transferência da corte, tornou-se um dos mais prestigiados ministros de d. João e havia sido personagem de destaque na criação dos jardins botânicos em Portugal e em Belém do Pará. Como a Fábrica de Pólvora estava sob seu comando, teria ele possivelmente ordenado o desenvolvimento de experiências com plantas exóticas trazidas, ao que tudo indica, dos Jardins Botânicos de Grãoe de Caiena. O fato é que uma situação sui generis e talvez única no mundo acabou ocorrendo no Brasil: ao mesmo tempo e no mesmo local em que foi instalada uma fábrica de pólvora, foram iniciadas as atividades de um jardim botânico sob o significativo comando do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Guerra.”  (BEDIAGA, 2007, p.1140)

Outro aspecto importante a ser considerado com relação à localização do jardim de aclamação, lembra ainda Bediaga, era o valor das plantas na época do monopólio das especiarias, e portanto alvos da pirataria, o que poderia ter levado o Jardim Botânico do Rio de Janeiro a ter “iniciado suas atividades de forma ´sigilosa`, como uma estratégia para não revelar seus propósitos” (BEDIAGA, 2007, p.1141).

Em 13 de junho de 1808, D. João, por meio de uma série de decretos, incorporou à Coroa o engenho e terras da Lagoa de Rodrigo de Freitas, tomava posse daquela área e destinava recursos para a fábrica de pólvora (BRASIL, decreto de 13 de junho de 1808).

Segundo João Conrado N. de Lavôr (1983), o referido jardim de aclimação, na Lagoa Rodrigo de Freitas, passou a ser denominado Real Horto em 11 de outubro de 1808. De acordo com Segawa (1996), existem também referências de que este espaço recebera também o nome de Real Quinta e Jardim da Lagoa Rodrigo de Freitas. Tais menções podem ser encontradas nos escritos de Luís Gonçalves dos Santos (1825-1826), um importante cronista do cotidiano colonial.

O decreto de 12 de outubro de 1808 criou o lugar de feitor na Fazenda da Lagoa Rodrigo de Freitas, nomeando para este posto Domingos Pinto de Miranda, e definiu que cabia a esse feitor “conservar no melhor amanho todas as terras que não estão arrendadas, empregando-as naquela espécie de cultura que for de maior interesse e beneficio da Real fazenda, ou em qualquer outra plantação que lhe fôr determinada por ordem superior” (BRASIL, decreto de 12 de outubro de 1808, p.147).

As primeiras espécies de plantas exóticas foram introduzidas no recém-criado horto por iniciativa de Luiz de Abreu Vieira e Silva, capitão da fragata portuguesa "Princeza do Brazil", naufragada em Goa, na Índia, em 1809. Os oficiais da tripulação, e demais sobreviventes do naufrágio, embarcaram no brigue “Conceição”, navegando para o Cabo da Boa Esperança, com destino às terras brasileiras. Ao longo desta travessia foram aprisionados pelos franceses e enviados para a Ilha de França (atualmente Ilhas Maurício), onde havia um jardim botânico, o “Gabrielle”, repleto de plantas de estimado valor econômico. Tendo fugido de volta para o Brasil, Luiz de Abreu trouxe consigo mudas e sementes de abacateiros, moscadeiras, frutas-pão, cajazeiras, sagueiros e da Palma Mater, da qual descendem todas as palmeiras-imperiais do Brasil, e que foram presenteadas a D. João e imediatamente aclimatadas no Real Horto. Em 1812, Raphael Bottado de Almeida, senador da colônia portuguesa de Macau, e que também fora refém dos franceses, enviou as primeiras sementes de chá, logo cultivadas por colonos chineses que aqui desembarcaram para ensinar a preparação do produto. A produção teve tanto êxito que se chegou a empreender o cultivo para exportação, porém a investida não obteve sucesso, ficando a produção de chá destinada somente para consumo interno. A variedade de culturas do Real Horto foi ainda enriquecida por João Severiano Maciel da Costa (Marquês de Queluz), que trouxe de Caiena, capital da Guiana Francesa, mudas de cana-caiena, mais conhecida no Brasil por cana-caiana.

Foi contratado, pelo decreto de 25 de maio de 1810, o botânico Kancke para dirigir as culturas das plantas exóticas dos jardins e quintas reais Quintas (BRASIL, 1810), O governo português estimulava a cultura de plantas úteis à economia com premiações àqueles que obtivessem sucesso na aclimatação de especiarias da Índia e de regiões indígenas do Brasil, além de promessas de isenção de tarifas alfandegárias às fazendas que se dispusessem a importar instrumental agrícola para desenvolver tal atividade.

Em 1811, foram desapropriadas as benfeitorias da Lagoa de Rodrigo de Freitas, então pertencentes à Fábrica de Pólvora, deixando o Real Horto de ser um simples canteiro de aclimatação e apêndice da Fábrica.

O Real Horto, segundo João Lavôr (1983), passou a ser denominado Real Jardim Botânico em 1818, após a coroação de D. João como Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O decreto s/nº, de 11 de maio de 1819, determinou o aumento do jardim para plantas exóticas estabelecido na Lagoa Rodrigo de Freitas e anexou-o ao Museu Real, o qual arcaria com as despesas. Alguns anos depois, o estabelecimento foi desvinculado do Museu, e em 22 de fevereiro de 1822 passou a subordinar-se à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino.

Até 1824, os vice-diretores da Fábrica de Pólvora eram consequentemente os diretores do Jardim Botânico. Naquele ano, assumiu a direção da entidade Frei Leandro do Sacramento, o primeiro diretor nomeado, e o Jardim Botânico deixou de ser um simples jardim de aclimatação de plantas para ser uma instituição voltada para a causa científica. Doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Coimbra e professor de botânica da Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, Frei Leandro imprimiu uma nova dimensão ao Real Jardim Botânico, realizando pesquisas, experimentações, catalogação, classificação e introdução de novas espécies como mangueiras, nogueiras, pitombeiras, e especialmente o incentivo á cultura do chá. Frei Leandro apresentou os objetivos de usa gestão, e demonstrou seu interesse pela cultura do chá na “Memoria economica sobre a plantação, cultura e preparação do chá”, cuja primeira edição foi em 1825:

“No mez de Março do anno de 1824, em que tomei conta do Jardim Botanico da Lagoa Rodrigo de Freitas, havia naquele Jardim huma plantação considerável de chá em três massiços muito desiguaes em extensão; o menor destes três massiços se achava em hum estado de cultura sofrível, os outros dois existiam em estado de completo abandono, já quase sufocados pelas plantas silvestres, que me muitos lugares mal deixavam veras plantas de chá, que entre ellas elangucião; foi meu primeiro cuidado o salvar aquella plantação, empregando nisto todos os recursos, que estavão ao meu alcance: pretendia  publicar uma memoria sobre a cultura da planta do chá e da preparação de suas folhas; pois estava persuadido de que a falta de noções sobre este objeto era a causa principal, tanto do mao estado daquella plantação, como de não se ter estendido a cultura desta preciosa planta (....). (............). No mez de Janeiro do corrente anno recebo a Imperial Portaria de 7 de Janeiro do mesmo anno, pela qual S. M. I. me Manda, que haja eu de aprontar collecções de sementes de chá, cravo & c., para serem remetidas para as diferentes Porvincias do Imperio, devendo aquellas collecções serem acompanhadas de huma memoria que eu deveria escrever sobre a cultura, e fabricação delas & c.” (SACRAMENTO, 1908, p.7-8)

Contudo, após seu falecimento em 1829, o Jardim Botânico perdeu seu potencial científico e permaneceu como jardim de passeio durante trinta anos, quando então assumiu a direção Frei Custódio Alves Serrão, que retomou as atividades empreendidas por seu antecessor. Os períodos de 1823-1829 e 1859-1861, referentes à administração de ambos, são tidos como marcos na história da pesquisa científica do Jardim Botânico.

A Lei de 24 de outubro de 1832, que orçou a receita e despesa do Império para o período 1833-1834, destinou recursos para o Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas, assim referido, incluindo a despesa com seus escravos, e determinou que ficassem incorporados a este os edifícios e terrenos pertencentes à fábrica de pólvora. A fábrica de pólvora funcionou até 1826 naquele local e foi posteriormente transferida para a Vila Inhomirim, na Serra de Petrópolis (LAVÔR, 1983). O Relatório do Ministro e Secretário do Estado dos Negócios do Império, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, em 1833, sugeria o estabelecimento de uma escola prática de agricultura naquele estabelecimento, aproveitando-se destes terrenos arrendados, a qual ainda em 1853 era objeto de reivindicação (OLIVEIRA, 1853).

Em 1837, o Ministro Antônio Paulino Limpo de Abrêo, em seu Relatório, recomendou ao diretor do Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas a cultura das principais plantas de uso medicinal, enfatizando sua importância para o ensino da botânica médica, presente nas faculdades de medicina da época. Enfatizava, ainda, que a botânica médica dependia tanto do ensino teórico quanto do prático, o qual se adquiria pela observação e pelo exame dos exemplares nos próprios lugares em que vegetam, sendo então importante a reunião do maior número possível de plantas em um mesmo lugar, de modo a favorecer o ensino (RELATÓRIO, 1837). Em 1842, o Governo, objetivando aperfeiçoar o empreendimento, nomeou uma comissão de pessoas “mui inteligentes” (RELATÓRIO, 1847), presidida pelo naturalista Custódio Alves Serrão, que emitiu parecer no sentido de que deveriam ser feitos alguns melhoramentos naquela instituição:

- um maior desenvolvimento da cultura das plantas florestais;

- cultura das árvores frutíferas, das plantas alimentícias e medicinais;

- introdução dos prados artificiais com o destino especial da ceifa;

- criação do gado lanígero, do sirgo e de abelhas;

- melhoramento das carvoarias, da confecção da potassa e da experimentação das nitreiras artificiais;

- anexação à administração do Jardim das florestas e terrenos nacionais vizinhos.

Entretanto, tais melhoramentos não foram implementados por terem sido considerados incompatíveis com o estado das finanças da instituição (RELATÓRIO, 1848).

Na gestão de Cândido Baptista de Oliveira, de 1851 a 1859, houve algumas tentativas para incrementar o funcionamento da instituição, como a Fábrica de Chapéus de Chile ou imitação de Chile, que teve duração efêmera, sendo retomada em 1867 com a participação do contramestre peruano José Assuncion Rengifo (FLEIUSS, 1922). Estes chapéus eram confeccionados com a palha de uma palmeira do Peru, chamada Bomobonassa ou Bombonaji. Na gestão de Baptista de Oliveira foi contratado o peruano Gregório Padilha para implantar a fábrica de chapéus, trazendo a palha de boa qualidade, já preparada, e raízes da planta para serem cultivadas. No Relatório do Ministério do Império, publicado em 1856, afirmava-se que o referido peruano estava ensinando o ofício a dez escravos menores, e que tão logo a plantação daquelas raízes fornecesse palha suficiente, poder-se-ia instalar uma fábrica permanente. No entanto, o Relatório de 1858 informou que a palha produzida ainda não estava sendo totalmente utilizada no preparo dos chapéus em decorrência do despreparo do mestre, fazendo com que fosse mandado contratar um homem para tal fim no Amazonas.

Cândido Baptista de Oliveira defendeu, em 1853, a necessidade de se fornecer, além do sustento e vestimenta, uma pequena remuneração pecuniária aos escravos (67) que lá prestavam serviços. Assim descreveu Baptista de Oliveira o pessoal empregado no Jardim Botânico:

“além de um escriturário, do cirurgião e do feitor, acham-se empregados no serviço permanente deste estabelecimento os escravos da Nação, e africanos livres: a saber, 67 escravos de ambos os sexos, e de todas as idades, e 7 africanos livres, dos quais deduzindo os menores de 14 anos e os inválidos, ficam somente para o trabalho ativo e pesado, 18 escravos e 4 africanos livres, ao todo 22 trabalhadores, entre homens e mulheres” ([TENHO a honra de levar ao conhecimento], 1856).  

Custódio Alves Serrão, diretor do Jardim entre 1859 e 1861, procurou implementar medidas que reorganizassem aquela instituição, retomando a classificação dos vegetais lá cultivados e promovendo a plantação de árvores que fornecessem madeiras de lei.

Em 1860, Frederico Leopoldo Cezar Burlamaque, então diretor do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, criado pelo decreto nº2.607 de 30 de junho de 1860, apresentou a esta entidade uma moção reivindicando a administração do Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas. Em 17 de agosto de 1861, foi assinado um contrato entre o Governo Imperial e o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura, determinando que a administração daquele Jardim Botânico passasse para o referido Instituto Fluminense de Agricultura (CONTRACTO, 1862).

A direção desse instituto tinha o interesse em fundar ali um estabelecimento agrícola propício, que sirva de escola prática e de modelo às fazendas de cultura, que seria denominado Asilo Agrícola da Fazenda Normal, no qual seriam ensaiados os processos de agricultura mais aperfeiçoados (CONTRACTO, 1862). A direção do Jardim Botânico da Lagoa Rodrigo de Freitas, a partir deste contrato, coube a Frederico Leopoldo Cezar Burlamaque, e a direção das culturas foi confiada a Hermann Herbster.

Este contrato firmado entre o Governo Imperial e o Instituto Fluminense de Agricultura recebeu críticas, como as do botânico Joaquim Monteiro Caminhoá e de João Barbosa Rodrigues, especialmente por entender que com o contrato de 1861 o Jardim Botânico estava comprometendo sua vocação científica, como uma instituição destinada à aclimatação de plantas para cultura de especiarias, e ao desenvolvimento de estudos sobre a flora do país (FURTADO, 2013, p.148; 152).

Segundo João Barbosa Rodrigues (1908), em 18 de outubro de 1863 foi contratado Karl Glasl, professor de agronomia em Viena, para dirigir a escola prática, que acabou assumindo a direção do Jardim Botânico. A escola foi inaugurada em 21 de junho de 1869, sendo seu diretor Antônio Francisco Laczynski, e tinha como compromisso instruir órfãos encaminhados pela Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e iniciá-los nos trabalhos agrícolas. A associação entre o Jardim Botânico e o Imperial Instituto significou também a extinção da mão-de-obra escrava utilizada nos cultivos, que foi substituída por trabalhadores livres.

Não foram poucos os descontentes com a subordinação do Jardim Botânico ao Imperial Instituto Fluminense de Agricultura. Custódio Alves Serrão, diretor na ocasião, ao tomar conhecimento do fato demitiu-se do cargo. Além disso, foram inúmeras as dificuldades de levar adiante o empreendimento, e a própria direção do Imperial Instituto alegava que a manutenção da escola consumia todo o capital disponível. Vencendo as dificuldades impostas pelos escassos recursos, o Asilo Agrícola da Fazenda Normal, lá estabelecido, teve considerável desenvolvimento. Por volta de 1874, abrigava um laboratório para análises químicas agrícolas, viveiros de plantas, cultura de bicho-da-seda, oficinas de serralheria e carpintaria e fábrica de chapéus de palha, conhecidos na época por chapéu-chile. O laboratório de química, abandonado por um período e retomado naquele ano, realizava análises de canas, terras e algumas plantas, tendo em sua direção Daniel Henninger, que foi substituído, em 1880, por Otto Linger. Também fabricavam ferramentas nas oficinas, como o arado de aiveca móvel ou de volta-orelhas para lavrar terrenos montanhosos, criado por Karl Glasl (LAVÔR, Historiografia, 1983, p.86).

Finalmente, em 25 de março de 1890, pela Decisão nº 61, a união entre o Jardim Botânico e o Imperial Instituto Fluminense de Agricultura foi desfeita. Naquele mesmo ano o Jardim Botânico passou por uma reorganização que possibilitou a retomada de suas características de instituição científica. Neste processo, o naturalista João Barbosa Rodrigues, que já havia fundado e administrado o Museu Botânico do Amazonas, assumiu o cargo de diretor e, valendo-se de sua comprovada experiência nos assuntos concernentes à gerência de um estabelecimento voltado ao estudo da botânica, promoveu o desenvolvimento da área de pesquisas. Em sua gestão, ficava estabelecido que o Jardim Botânico (decreto nº 518, de 23/06/1890), deixaria de ter como único objetivo o lazer, passando a se dedicar fundamentalmente ao estudo da botânica. As coleções de plantas vivas foram aumentadas, novos terrenos foram aterrados e ajardinados, e foram criados o herbário, o museu e a biblioteca. As plantas foram classificadas e etiquetadas, e a flora brasileira ocupou espaço preponderante no Jardim Botânico. Após o falecimento de Barbosa Rodrigues, seu filho, João Barbosa Rodrigues Júnior, assumiu interinamente a direção até 1910.

As pesquisas científicas continuaram sendo importantes para a direção da instituição, tendo destaque no Relatório do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio de 1926:

“As explorações e pesquisas científicas da nossa flora, com objetivos principalmente econômicos e especulativos, continuam a preocupar a direção do Jardim Botânico, de acordo com a sua missão. Para tanto, percorrem seus naturalistas as regiões florísticas do país, que oferecem maior interesse à botânica aplicada, investigando in loco, coletando material, não só para estudo sistemático, mas ainda, para ensaios de aclimação, seleção e apuro de produtos de valia agrícola e industrial” (RELATÓRIO, 1928)

Entretanto, o mesmo Relatório destacou a carência de profissionais e de áreas para o arboretum, e a insuficiência das acomodações dos laboratórios, dos herbários, do museu e da biblioteca. Os estudos de fisiologia, morfologia, genética e botânica econômica, em decorrência das deficiências citadas, não conseguiam corresponder às exigências dos institutos de botânica da época, ou seja, funcionar como os mais importantes centros para a exploração econômica da riqueza natural.

Em 1927, o serviço de expedição de publicações do Jardim Botânico para o interior e o exterior do país expandiu-se, enviando mais de mil exemplares entre os quais: os periódicos Archivos do Jardim Botanico do Rio de Janeiro, e O Cambuci, e os livros “Relação das Plantas Expostas em 1908” e o “Manual das Famílias Naturais Fanerogamas”. Naquele mesmo ano, na seção Estudos de Laboratório, funcionou um curso de botânica para os alunos da 1ª série do curso de Farmácia da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, durante três meses, dirigido pelo naturalista viajante interino Luiz Gurgel de Souza Gomes. Além disso, na seção de Botânica e Fisiologia Vegetal destacou-se a excursão de seu chefe, o zoólogo e botânico Adolpho Ducke, pela região amazônica para coleta de exemplares botânicos (RELATÓRIO, 1929). Em contrapartida, ainda no ano de 1927, o Jardim Botânico perdeu parte de sua área para o Jockey Club, contrariando a vontade de seu diretor Antônio Pacheco Leão.

A Estação Biológica de Itatiaia, uma dependência do Jardim Botânico, a cargo de Paulo de Campos Porto, apresentou “considerável desenvolvimento” em 1927, iniciando uma coleção entomológica e uma biblioteca especializada. O Dr. J. Holt permaneceu oito meses nesta Estação, realizando um estudo da fauna regional, e publicou nos Estados Unidos, em 1928, o trabalho “An ornithological survey of Serra do Itatiaya, Brazil” (RELATÓRIO, 1929).

Após um período “em que o Jardim Botânico passou por fase instável de desenvolvimento” (LAVÔR, 1983, p.16), as direções seguintes, de Antônio Pacheco Leão (1915-1931) e de Achiles Lisboa (1931-1934), ocuparam-se sobretudo da parte científica, da publicação de trabalhos e do parque.

         

Diretores:

Carlos Antonio Napion (1808); João Gomes da Silveira Mendonça (Marquês de Sabará, 1808-1819); João Severiano Maciel da Costa (1819-1824); Frei Leandro do Sacramento (1824-1829); Bernardo José de Serpa Brandão (1829-1851); Cândido Baptista de Oliveira (1851-1859); Frei Custódio Alves Serrão (1859-1861); Frederico Leopoldo Cezar Burlamaque (1861-1862); Joaquim de Souza Lisboa (1862-1863); Karl Glasl (1863-1883); Nicolau Joaquim Moreira (1883-1887); Pedro Dias Gordilho Paes Leme (1887-1890); Joaquim Campos Porto (1890); João Barbosa Rodrigues (1890-1892); João Ribeiro de Almeida (1893-1897); João Barbosa Rodrigues (1898-1902); João Joaquim Pizarro (1902-1903); Guilherme Schüch de Capanema (Barão de Capanema, 1903); João Barbosa Rodrigues (1903-1909); João Barbosa Rodrigues Júnior (1909-1910); José Félix da Cunha Menezes (1910-1911); João Barbosa Rodrigues Júnior (1911); Graciano dos Santos Neves (1912); John Christopher Willis (1912-1915); Antônio Pacheco Leão (1915-1931); Achiles Lisboa (1931-1934).

Estrutura e funcionamento

<Insira o texto aqui>

Publicações oficiais

<Insira o texto aqui>

Fontes

<Insira o texto aqui>

Ficha técnica

<Insira o texto aqui> 

Forma de citação

REAL HORTO. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 18 out.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario

 


Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)