VASCONCELLOS, ERMELINDA LOPES DE

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
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Outros nomes e/ou títulos: Vasconcelos, Ermelinda Lopes de; Vasconcelos, Ermelinda de; Vasconcellos, Ermelinda; Sá, Ermelinda de Vasconcellos e; Sá, Ermelinda de

Resumo: Ermelinda Lopes de Vasconcellos nasceu na cidade de Porto Alegre, então capital da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, em 23 de setembro de 1866. Ingressou, em 25 de abril de 1884, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tendo se doutorado no final 1888, com a tese “Fórmas clinicas das meningites na criança: diagnostico differencial”. Exerceu seu ofício, realizando cirurgias, partos e tratando de doenças de mulheres e crianças, em consultórios, ou em sua residência, no Rio de Janeiro. Participou da Associação Médico-Cirúrgica de Nictheroy, criada em 2 de junho de 1921, e da criação, em 1922, da sucursal da Federação das Ligas para o Progresso Feminino, em Niterói.  Faleceu em 9 de março de 1952, na cidade de Niterói.

Dados pessoais

Ermelinda Lopes de Vasconcellos nasceu na rua da Varzinha, na cidade de Porto Alegre, capital da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, em 23 de setembro de 1866, e era filha de Joaquim Lopes de Vasconcellos e de Firmiana dos Santos. Seu pai foi negociante, chefe de contabilidade de banco luso-brasileiro, e guardador de livros na Companhia de Navegação Fluvial, na cidade do Rio de Janeiro.

Ermelinda casou-se, em 19 de janeiro de 1889, na matriz de Santo Antônio, com o clínico, ginecologista e parteiro, Alberto de Sá, que era filho do jornalista Gustavo Xavier de Sá, e que havia sido seu colega na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Após o casamento passou a assinar Ermelinda de Sá. Ermelinda e Alberto tiveram uma única filha, Esmeralda de Vasconcellos e Sá, que foi catedrática do Liceu Nilo Peçanha (Niterói, Rio de Janeiro), e se casou com Augusto Souto, funcionário do Loyde Brasileiro.

Faleceu em 9 de março de 1952, em sua residência na Rua Presidente Domiciano nº186, na cidade de Niterói, devido a um colapso súbito. Em seu enterro, realizado no Cemitério de Jurujuba (Niterói), discursou Luiz Palmier, médico e farmacêutico, e Stephans Vannier, engenheiro colaborador do periódico O Fluminense, publicado em Niterói.

Trajetória profissional

Em 16 de outubro de 1874, Ermelinda Lopes de Vasconcellos, embarcou, com sua família, no vapor “Arinos”, rumo ao Rio de Janeiro, onde Ermelinda concluiria, com excelente aprovação, o curso primário em uma escola pública no Largo do Machado. Em 1880, já residindo na cidade de Niterói, matriculou-se na Escola Normal de Niterói, que havia sido fundada em 1835, e nesta concluiu, no ano seguinte, o curso para formação de professores (ESCOLA, 1881, p.2).

Para habilitar-se a ingressar no ensino superior, prestou os exames preparatórios no Imperial Collegio de Pedro II, tendo sido aprovada com distinção em várias disciplinas, como português, latim, geometria e geografia. Para sua banca examinadora de filosofia, presidida por Sylvio Romero, foi indicado o ponto referente ao tema do direito do cidadão para com o Estado, tendo, então, Ermelinda tratado das conquistas e direitos da mulher. Embora em sua apresentação tenha sido refutada pelo presidente da banca, Ermelinda foi aprovada, o que possibilitou que ingressasse no ensino superior (Apud ROHDEN, 2001, p.98).

Ermelinda pretendia estudar medicina, mas inicialmente deparou-se com a resistência de seu pai, mas posteriormente, após interferência do médico e político José Lopes da Silva Trovão, amigo de seu pai, conseguiu a permissão paterna para cursar medicina (ERMELINDA, 2000). Ingressou, em 25 de abril de 1884, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e, foi colega de Antonieta Cesar Dias, que cursava o 4º ano, e de Maria Amélia Cavalcanti de Alburquerque, no 3º ano do curso (PROVINCIAS, 1887).

O desempenho de Ermelinda Lopes de Vasconcellos no curso médico foi destacado em matéria, assinada com o pseudônimo “Amarante”, publicada em O Album:

“Matriculando-se ali em 1884, fez saliente figura em todos os cursos, quer theoricos, quer práticos, merecendo sempre as mais honrosas e significativas demonstrações do subido apreço em que eram tidas por seus mestres a robutez de sua inteligência, a constância de sua efficaz applicação a árduos estudos (...). Treze distincções nos exames de todas as series lectivas, de clinicas e de these, justificaram sobejamente o seu arrojado e não comum intento de ser, como em tudo o conseguio, a primeira, entre as do seu sexo, que alcançasse uma carta de doutora em medicina pela mais importante Faculdade do nosso paiz.” (AMARANTE, 1895, p.113)

Outros jornais também noticiaram sobre o desempenho de Ermelinda Lopes de Vasconcellos, como a edição de 17 de julho de 1886 do Jornal do Commercio, informando sua aprovação plena nas matérias de fisiologia, patologia geral, anatomias e fisiologia patológicas (FACULDADE, 1886, p.3).

Completou o curso em cinco anos corridos, tendo sido aprovada em 19 de dezembro de 1888, após defender a tese “Fórmas clinicas das meningites na criança: diagnostico differencial”. No exame final foi arguida por João Carlos Teixeira Brandão, Cypriano de Souza Freitas, Domingos de Almeida Martins Costa, João Damasceno Peçanha da Silva e João Joaquim Pizarro.

Em 26 de dezembro de 1888, Ermelinda de Vasconcellos recebeu o diploma em cerimônia, amplamente noticiada em jornais, como A União, edição de 11 de dezembro de 1888, e The Rio News, de 24 de dezembro de 1888. Estas matérias informaram que o Imperador D. Pedro II teria comparecido à cerimônia (DEFENDEU, 1889). Ermelinda foi bastante cumprimentada por sua formatura, tendo havido, inclusive, uma passeata que lhe acompanhou do local da formatura pelas ruas do centro, passando pela Rua Santa Luzia, Rua do Ouvidor, e Largo do São Francisco de Paula, durante a qual teria sido saudada por populares e também pelo jurista e escritor Ruy Barbosa de Oliveira, e pelos jornalistas José Ferreira de Souza Araujo, editor da Gazeta de Noticias, José Carlos do Patrocínio, farmacêutico e proprietário do jornal Cidade do Rio, e Quintino Antonio Ferreira de Sousa Bocaiuva, político  e diretor do Diario do Rio de Janeiro (ERMELINA, 2000, p.205).

A titulação e colação de grau de Ermelinda Lopes de Vasconcellos, como médica, foi objeto de comentários, elogiosos ou questionadores, em vários jornais, como o The Rio News (LOCAL, 1888), Treze de maio: revista litteraria, scientifica e artística (PARABENS, 1888), e O Brazil-Medico. Revista Semanal de Medicina e Cirurgia, em sua edição de janeiro de 1889. Neste último, na seção Folhetim, em uma matéria assinada por “J. M.”, que talvez poderia ser Julio de Moura, foi comentada a cerimônia da colação de grau de doutor em medicina de 60 alunos da Faculdade Medicina do Rio de Janeiro, que teve como paraninfo o professor Domingos José Freire Junior, destacando-se o fato de que havia uma mulher entre os formandos:

“A soleminidade não diferio da dos anos anteriores, e, só o facto da presença de uma mulher, no meio d´aquelles jovens missionários da sciencia, a primeira graduada no Rio de Janeiro, deu uma nota original ao acto, (...).” (J.M. 1889, p.10).

O autor deste Folhetim afirmou que havia estranhado o fato de que o doutorando que fez o discurso de despedida, não ter feito referência a “sua corajosa colega dos 6 longos anos de labores acadêmicos” (J.M. 1889, p.10). Entretanto, o mesmo autor comentou, ao longo do folhetim, que tinha suas dúvidas quanto à ideia de que o aperfeiçoamento da inteligência feminina devesse se realizar pelo estudo de disciplinas então vinculadas às aptidões dos homens (J.M. 1889, p.10). Em outros veículos da imprensa do Rio de Janeiro, da época, encontramos, igualmente, referências ao que representava Ermelinda Lopes de Vasconcellos ter-se formado como médica. Uma matéria publicada no jornal Treze de maio: revista litteraria, scientifica e artística, parabenizando a nova médica, destacou esta representatividade:

“Por longos anos vedaram á mulher as pesquisas da sciencia, privaram-na de inúmeros direitos, amesquinharam-lhe a existência, reduziram-na, hypocritamente, á dolorosa e amarga escravidão; tanto mais despótica, quanto mais elevada é a sociedade. D. Ermelinda de Vasconcellos, vencendo os preconceitos da nossa sociedade, vai dedicar-se ao sacerdócio da medicina, e, fal-o-há, estou certo, comvantagens, sem esquecer o seu coração feminil. O sublime sentimento do amor, quando excede a orbita traçada pela manifestação inconsciente dos instinctos sympathicos, acrysola-se, cresce, aumenta e aproxima indefinidamente do supremo ideal. Quem mas apta para levar o conforto ao enfermo ou dirigir a infância, que a mulher?” (PARABENS, 1888, p.235-236)

O escritor e jornalista Arthur de Azevedo publicou no jornal A Estação, em sua edição de 31 de dezembro de 1888, as “Croniquetas”, sob o pseudônimo de Eloy o Herói, nas quais tratou de vários assuntos, como a situação da mulher na sociedade, e especialmente a trajetória de Ermelinda Lopes de Vasconcellos:

“O fato a que aluído é o doutoramento da primeira brasileira que se formou em medicina, a Exma. Sra. D. Ermelinda Lopes de Vasconcellos. A doutora foi aprovada com distincção na defesa da tese, e o mesmo grão de approvação obteve em todos os annos e clinicas. Bravo! É caso para dar parabéns ás senhoras fluminenses, e enxergar n´esse facto, extraordinário em nosso paiz, um passo dado para a emancipação do sexo que dizem fraco e é inquestionavelmente o mais forte. Muito hei de estimar que o exemplo desta senhora notável seja seguido por outras, e dentro em alguns annos vejamos a nossa classe médica enrequecida por algumas doutoras, tão necessarias ao tratamento das pessoas do seu sexo. Não se comprehende que, havendo na sociedade tantas senhoras intelligentes, que se podem applicar ao estudo da vasta sciencia do Hypocrates, sejam as doentes obrigadas a vencer os últimos escrúpulos para confiar a marmanjos os mysterios mais indizíveis do seu corpo. O famoso “segredo profissional”, tão discutido e tão respeitado, não basta muitas vezes para que se vençam esses escrupulos, e muitas senhoras tem sucumbido á falta de médicas, a quem se possam mostrar confiadamente sem offender o melindre do seu pudor. A Exma. Sra. D. Ermelinda deve a princípio soffrer os effeitos do nosso espírito rotineiro e d´essa estupida crença de que as mulheres se inventaram exclusivamente para os trabalhos domesticos; mas dia virá em que a nossa illustre patricia será gloriosamente reconhecida o chefe de uma legião sagrada. No Rio de Janeiro, onde se fazem manifestações a propósito de tudo, as senhoras brasileiras deviam manifestar á nova doutora a sua adhesão e o seu reconhecimento.” (ELOY, 1888, p.92)

Em 1888, o jornal A Mãi de Família: jornal litterario scientifico publicou uma matéria comemorando a formatura de Ermelinda Lopes de Vasconcellos, na qual também transcreveu parte do trabalho de Ernest Naville (1816-1909), autor de “La condition sociale des femmes: étude de sociologie”, publicado em 1891 (A NOVA, 1888).

A noticia de sua formatura foi além fronteiras, sendo comentada em Portugal, na publicação A Comedia Portuguesa em 1889:

“D. Ermelinda Lopes de Vasconcellos, é segundo rezam as tubas da fama, a primeira douctorada em medicina pela Escola do Rio de Janeiro. O Brazil desbanca-nos, porque nós só lá para julho do corrente anno, poderemos fornecer à pathologia nacional um Galeno de chapelinho de palha d´Italia e «tournure»”. (D. ERMELINDA, 1889)

Já formada, Ermelinda Lopes de Vasconcellos exerceu seu ofício, realizando cirurgias, partos e tratando de doenças de mulheres e crianças. Uma nota publicada no periódico Cidade do Rio, em 1889, agradeceu a oferta de sua Tese de doutoramento, e informou que a recém doutora havia aberto um consultório na Rua dos Ourives nº 92, para “a especialidade a que se dedica no exercício da profissão: moléstias das senhoras e das crianças”, no qual também oferecia consultas seu esposo, Alberto de Sá (AGRADECEMOS, 1889).

Em 1891, um anúncio em O Paiz, apresentava seu nome junto com seu esposo, Alberto de Sá, em atendimentos de moléstias de senhoras e crianças, partos e massoterapia, realizados na Rua da Quitanda nº 41 (das 12hs às 16hs), no centro do Rio de Janeiro (MEMORIAL, 1891). Foram veiculados, posteriormente, outros anúncios do consultório de Ermelinda Lopes de Vasconcellos, na cidade do Rio de Janeiro, alguns indicando seu primeiro endereço, na Rua do Ouvidor nº 54, e outros sua mudança para Rua Mariz e Barros nº 77 (ESPECIALIDADES, 1900, p.554). Em 1908 o jornal Correio da Manhã anunciou:

“Parteira. Ermelinda Vasconcellos, previne ás suas clientes que se acha entregue aos misteres de sua profissão, podendo ser procurada na rua Visconde de Santa Isabel n.15.” (PARTEIRA, 1908).

O anúncio publicado, em 1932, em O Fluminense, apresentou mais detalhes, informando também o endereço de sua residência (Rua Coronel Moreira Cesar nº426, Niterói) e os de seus consultórios (Rua Visconde do Rio Branco nº335, Niterói; Avenida Rio Branco nº133, sala 10, Rio de Janeiro). A médica prestava atendimentos de “partos sem dôr, doenças das senhoras e das creanças e cirurgia em geral”, em dias alternados em Niterói e na cidade do Rio de Janeiro

(DRA.ERMELINDA, 1932, p.2).  

Ermelinda Lopes de Vasconcellos, também, integrou, juntamente com Arthur Fernandes Campos da Paz, Olavo Bilac, Maria Amelia Cavalcanti de Alburquerque e outros, o elenco de colaboradores do jornal A Fanfarra. Orgão Academico, lançado em 24 de março de 1886, no Rio de Janeiro, com o objetivo de ser uma revista científica e literária (A FANFARRA, 1886, p.1).

Ermelinda Lopes de Vasconcellos participou da comissão de elaboração dos estatutos da Associação Médico-Cirúrgica de Nictheroy, criada em 2 de junho de 1921 (ASSOCIAÇÃO Medica Cirurgica de Nictheroy, 1921). O jornal O Fluminense, publicado em Niterói, registrou as sessões da associação, incluindo os autores dos trabalhos e os respectivos títulos. Ermelinda Lopes de Vasconcellos apresentou, em 30 de setembro do mesmo ano, a comunicação intitulada “Dos preparados opotherápicos em geral e da pitultrina como oxytóxico”, na qual tratou do uso da piltutrina, e afirmou que nunca presenciou qualquer acidente devido ao seu uso para as pacientes, questionando as críticas que haviam sido feitas por Alcides de Figueiredo, diretor do Hospital São João Baptista (Niterói), às parteiras, em seu trabalho intitulado “Do papel das aparadeiras nos casos de Obstetrícia”:

“A dra. Ermelinda de Vasconcellos, depois de felicitar o dr. Alcides, declarou que, em sua clínica durante 32 anos nunca teve ocasião de observar caso algum idêntico aos referidos pelo orador e termina afirmando que nas parteiras cariocas, ao contrário, sempre observou muita bondade e muita dedicação” (ASSOCIAÇÃO M. CIRURGICA FLUMINENSE. 1921)

Em relação à comunicação de Ermelinda Lopes de Vasconcellos, apresentada naquela associação, vários se manifestaram, como César Cândido Pereira da Fonseca, secretário da associação, que comentou que não tinha uma visão tão otimista quanto ao uso da piltutrina, e, também os médicos Bernardino de Almeida Senna Campos, Alcides de Figueiredo, Arnaldo Lemos Duarte e Ernesto Massieri (ASSOCIAÇÃO M., 1921, p.1). Ainda em 1921, na sessão de 21 de novembro, Ermelinda apresentou o trabalho “Poderá o parteiro diagnosticar o sexo da criança que vai nascer?” (ASSOCIAÇÃO Medico Cirurgica Fluminense (2), 1921).

Em 12 de agosto de 1922, em reunião realizada na Rua Presidente Domiciano nº186 (Niterói), e presidida por Bertha Lutz, foi fundada uma sucursal da Federação das Ligas para o Progresso Feminino, e indicada Ermelinda Lopes de Vasconcellos como presidente da nova entidade (LIGA, 1922).

Foi vice-presidente da comissão organizadora da sessão “Assistência” do 1º Congresso Brasileiro de Protecção à Infância, promovido pelo Departamento da Criança no Brasil, então sob a presidência do médico Carlos Arthur Moncorvo Figueiredo Filho, e realizado no Rio de Janeiro, em 1922 (1º CONGRESSO, 1919). O evento, realizado conjuntamente com o 3º Congresso Americano da Criança, teve sua abertura em 27 de agosto de 1922 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Ermelinda Lopes de Vasconcellos apresentou o trabalho “A cumplicidade do profissional nos crimes de aborto”, na secção de Prática Profissional do Congresso Nacional de Práticos, organizado pela Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro e realizado de 30 de setembro a 7 de outubro de 1922, no qual aconselhou aos médicos que denunciassem a mulher que solicitasse a realização de um aborto (AS FESTAS do Centenario.1922).

A realização do Congresso Nacional de Práticos foi apresentada em um boletim publicado em Brazil-Medico: Revista Semanal de Medicina e Cirurgia, listando e apresentação as conclusões dos trabalhos, como “A cumplicidade do profissional nos crimes de aborto”, de Ermelinda Lopes de Vasconcellos:

“Compete aos poderes judiciários, intervir enérgica, eficaz e prontamente em tudo quanto estiver na sua alçada para a improrrogável punição de semelhante crime, quer na pessoa da gestante, quer na pessoa de seu cúmplice. Enquanto a mulher se vir protegida pela lei, enquanto houver o espantalho do sigilo profissional, enquanto houver almas corruptíveis, haverá fatalmente, a cumplicidade profissional do aborto criminoso. Para terminar, declaro solenemente que, desprezarei todos os preconceitos, pularei sobre todos os códigos e, não trepidarei, se não conseguir convencer a mulher que me convidar para participar de um crime, que ela deve conservar e não se envergonhar e não se envergonhar, da criatura que traz em seu seio, a denunciarei, sem dó, nem piedade, para ficar bem com minha consciência.” (CONGRESSO, 1922, p.226)

O estudo de Ermelinda, apresentado no Congresso Nacional de Práticos, também, foi comentado na seção “Noticias” da Revista de Gynecologia e d’Obstetrícia (n. 9, p.434, set. 1922), que havia sido fundada, em agosto de 1907, pelo médico Alberto Ribeiro de Oliveira Motta.

O Partido Republicano Feminista nomeou uma comissão para organizar o 1º Congresso Feminista Brasileiro, que promoveria e inauguraria, no Rio de Janeiro, em 1º de janeiro de 1923. A comissão se reuniria na capital de 11 a 15 de abril de 1921, em sessões preparatórias. A médica Ermelinda Lopes de Vasconcellos integrou essa comissão organizadora juntamente com as professoras Deolinda de Figueiredo Daltro, Maria L. Fagundes Varella e Silva, Maria Jansen de Sá, Aurea Castilho Daltro, e Luzia de Souza Dias, as escritoras Maria de Lourdes Nogueira e Alice A. Pimenta, a jornalista Conceição Andrade, e Ambrosia Savard du Saint Brisson (Viscondessa de Sande), a Mme.Serzedello Corrêa, e Augusta Kauffmann da Silva. Em 15 de novembro de 1922 foi realizada uma sessão preparatória no salão da Escola Orsina da Fonseca, na Rua General Câmara nº385, e o congresso foi inaugurado em 1º de janeiro de 1923 (PRIMEIRO, 1922; º} CONGRESSO, 1921).

O tema do segredo profissional foi tema de matéria do jornal Correio da Manhã, em sua edição de 25 de março de 1923, na qual afirmou-se que esta questão estava despertando o interesse tanto da classe médica quanto dos demais leitores do jornal. Disse, ainda, que considerando-se “o grande surto do espirito e da alma feminina” que se estava observando no país, era importante ouvir uma “das mentalidades femininas mais representativas da cultura e do talento brasileiro, acerca desta questão (AINDA, 1923). Neste sentido, o jornal teria procurado, então, conversar com Ermelinda Lopes de Vasconcellos, primeira médica brasileira, a qual assim teria se manifestado:

“Formada ha longos annos, no decorrer da minha carreira tenho tido frequentes opportunidades de reflectir a respeito de certos deveres e certas obrigações que cabem aos medicos. Entre esses deveres está este – o do sigilo imposto aos que se doutoram pela Faculdade de Medicina. De todas as minhas reflexões, uma conclusão sempre me appareceu clara e definitiva: é que é infinitamente difficil podermos conciliar essas duas coisas – guardar os segredos que nos forem confiados e, ao mesmo tempo não proteger crimes. Minha maneira de encarar o problema é, pois, um resultado dessa forma como eu própria enuncio o problema. Claro que sou do numero das pessoas que acham sublime guardar os segredos de que nos fazem depositarios. Nem de outra fórma teríamos na medicina, esse verdadeiro sacerdocio, que nella encontramos quando a exerce um espirito alto e sério, perfeitamente convicto da austeridades das funcções que o destino lhe confiou. Mas também não me posso conformar com a idéa de unicamente visando a realização dessa acção respeitável e nobre, proteger e disfarçar crimes abominaveis que porventura venham a me ser confiados. Não obstante pertencer a uma geração formada ha mais de trinta annos, tenho acompanhado solicitamente a evolução da sociedade e a evolução da sciencia. E nesse meu interesse por tudo quanto diz respeito á vida dos homens e á vida do pensamento, tenho tido occasião de acompanhar de perto as discussões travadas, em paizes de cultura secular e perfeita, em torno do importante problema agora levantado pelo “Correio da Manhã”. (....). Ainda o anno passado a questão do ´segredo profissional` foi discutida no Congresso dos Praticos. Ali tive eu occasião de apresentar uma memoria sob a epigraphe – A cumplicidade profissional no crime de aborto. Essa these mereceu a approvação dos meus colegas. E dois membros do Congresso, os drs. Fernando de Magalhães e Theophilo Torres, á vista das idéas por mim expendidas, propuseram duas noções – uma das quaes sobre a notificação compulsória do aborto, medida ora em pratica. Nesse meu trabalho, a minha opinião sobre o segredo profissional appareceu clara sem sofismas, definitiva. (...). Vou finalizar transcrevendo precisamente o que disse sobre o assumpto, naquele Congresso scientifico: Emquanto a mulher se vir protegida pela lei, emquanto houver o espantalho do sigilo profissional, emquanto houver almas corruptiveis, haverá, fatalmente, a cumplicidade profissional no crime de aborto. Para terminar, declaro solenemente que desprezarei todos os preconceitos, pularei por sobre todos os codigos, e não trepidarei, se não conseguir convencer a mulher que me convidar para participar  de seu crime que ella deve conservar e não se envergonhar, da creatura, que tras em seu seio, em denucial-a sem dó, nem piedades, para ficar bem com minha consciencia”.(AINDA, 1923, p.3)

Em julho de 1932, foi criado, por um grupo de senhoras, o Escritório de Ligação Feminina Geral e Estudos Sociais de Nictheroy, que tinha como objetivo estudar as questões nacionais e os assuntos sociais, dentro das normas científicas, filosóficas, ético-políticas, econômicas, pacíficas e progressistas (NOTICIAS, 1932, p.1). Entre suas fundadoras estavam Cecilia de Azevedo, Catharina Lima, Stella Trovão de Mello, Lydia Senna Campos, Anna Maria Garcia, Zeny Valente, Déa Judice de Mello e Zoé Judice de Mello. Para compor a diretoria central do Escriptorio, foram indicadas Ermelinda Lopes de Vasconcellos, Ilda Neumann, Anna Lopes Trovão de Campos, Margarida Jordão, Maria Esther Corrêa Ramalho, Nidia Chaves de Moura, entre outras.

Ermelinda Lopes de Vasconcellos, em 1933, tornou-se vice-presidente da Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, que havia sido fundada em 21 de julho de 1928, pela filantropa e ativista Alice de Toledo Ribas Tibiriçá, na sede da Cruz Vermelha Brasileira, na cidade do Rio de Janeiro.

Ermelinda Lopes de Vasconcellos foi homenageada, em 26 de dezembro de 1938, na sede Sociedade de Medicina e Cirurgia Fluminense (atual Associação Médica Fluminense), pelos seus 50 anos de formatura (SOCIEDADE, 1932). Esta associação foi originária da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Niterói, que havia sido criada em 4 de julho de 1897, com sede na rua São João (antigo Palácio da Presidência da Província), por iniciativa de Augusto Ferreira e Silva e de Francisco Portela. No final de 1897 essa Sociedade foi encerrada, e em 14 de agosto de 1929 foi fundada a Associação Médica Fluminense (QUEM, 2024).>

Produção intelectual

- “Fórmas clinicas das meningites na criança: diagnóstico differencial”. Tese (doutorado) - Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. Laemmert & C., 1888.

- “A cumplicidade do profissional nos crimes de aborto”. [Conclusões]. O Brazil-Medico: Revista Semanal de Medicina e Cirurgia, Rio de Janeiro, anno XXXVI, v.II, n.40, p.226, 7 de outubro de 1922.

Fontes

- A FANFARRA. A Fanfarra. Orgão Academico, Rio de Janeiro, anno I, n.1, p.1, 24 de março de 1886. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 9 mai. 2024. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.gov.br/DocReader/813575/1

- AGRADECEMOS. Cidade do Rio, Rio de Janeiro, anno III, n.82, p.2, 11 de abril de 1889. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 25 mar. 2024. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/085669/1764

- AINDA a interessante questão do segredo profissional. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, anno XXII, n.8.781, p.3, 25 de março de 1923. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 08 abr. 2024. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_03/14112

- ALMEIDA, Thaís Marcello de Almeida. As Doutoras: a repercussão da formatura em medicina de Ermelinda Lopes de Vasconcellos no final do século XIX (1880-1890). Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de História e Relações Internacionais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2019. Capturado em 10 abr. 2024. Online. Disponível em: https://rima.ufrrj.br/jspui/handle/20.500.14407/13866

- AMARANTE. Doutora Ermelinda de Sá. O Album, Rio de Janeiro, anno 1, n.15, p.113-114, abril de 1895. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 8 mai. 2024. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/706841/127

- A NOVA Doutora. D. Ermelinda de Vasconcellos. A Mãi de Família: jornal scientifico-litterario, Rio de Janeiro, anno X, n.24, p.187-190, 31 de dezembro de 1888. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 25 mar. 2024. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/341703/1586

- AS FESTAS do Centenario. Congresso dos Praticos. O Jornal, Rio de Janeiro, anno IV, n.1.144, p.3, 7 de outubro de 1922. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 8 abr. 2024. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/110523_02/10386

-  ASSOCIAÇÃO Medico Cirurgica de Nictheroy. O Fluminense, Nictheroy, anno 44º, n.11.687, p.1, 2 de junho de 1921. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 8 abr. 2024. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/100439_06/2081

- ASSOCIAÇÃO Medico Cirurgica Fluminense (1). O Fluminense, Nictheroy, anno 44º, n. 11.697, p.1, 30 de setembro de 1921. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 08 abr. 2024. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/100439_06/2525

- ASSOCIAÇÃO Medico Cirurgica Fluminense (2). O Fluminense, Nictheroy, anno 44º, n.11.841, p.1, 20 de novembro de 1921. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 8 abr. 2024. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/100439_06/2701

- ASSOCIAÇÃO M. Cirurgica Fluminense. O Fluminense, Nictheroy, anno 44º, n.11.805, p.1, 9 de outubro de 1921. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira. Capturado em 8 abr. 2024. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/100439_06/2557

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Ficha técnica

Pesquisa - Ana Carolina de Azevedo Guedes, Maria Rachel Fróes da Fonseca.

Redação - Ana Carolina de Azevedo Guedes, Maria Rachel Fróes da Fonseca. 

Forma de citação

VASCONCELLOS, ERMELINDA LOPES DE. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 14 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario

 


Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)