COLLEGIO NACIONAL PARA SURDOS DE AMBOS OS SEXOS
Denominações: Collegio Nacional para Surdos de ambos os Sexos (1856); Instituto Imperial para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos (1857); Imperial Instituto para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos (1858); Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os Sexos (1865); Instituto dos Surdos-Mudos (1874); Instituto Nacional de Surdos Mudos (1890); Instituto Nacional de Educação de Surdos (1957- atual)
Resumo: Em 1855, Édouard Huet Merlo (1822-1882), surdo e professor formado pelo Institut National des Sourds-Muets (Paris), e ex-diretor de uma escola para surdos-mudos em Bourges, chegou no Rio de Janeiro com o objetivo de fundar um estabelecimento destinado à educação dos surdos-mudos. Com apoio do Governo Imperial, e a partir da proposta de Édouard Huet Merlo, foi inaugurado, em 1º de janeiro de 1856, o Collegio Nacional para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos, como um estabelecimento particular dedicado a educação de surdos-mudos, instalado nas dependências do Collegio Vassimon, que estava localizado na Rua dos Beneditinos, nº8, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Édouard Huet Merlo foi o primeiro diretor da instituição, entre 1856 e 1861. Atualmente, denominada Instituto Nacional de Educação de Surdos, encontra-se estabelecida na Rua das Laranjeiras, nº 232.
Histórico
Foi fundada em Paris (França), em 1755, pelo abade Charles-Michel de l'Épée (1712-1789) em sua residência domiciliar na Rue des Moulins, uma instituição gratuita, considerada a primeira escola para os surdos e mudos. O método de ensino adotado nesta escola, baseado no uso combinado de senhas e de escrita, foi apresentado na publicação intitulada “Institution des sourds et muets, par la voie des signes méthodiques; ouvrage qui contient le Projet d´une Langue Universelle, par l´entremise des Signes naturels assujettis à une Méthode” (Paris: Nyon l´Ainé Libraire, 1776), do abade Charles-Michel de l'Épée, e tornou-se conhecido não só na França, como em toda a Europa, na Rússia e nas Américas. Esta escola, fundada por Charles-Michel de l'Épée, era privada e gratuita, chegou a ter 60 alunos, e em 1791 foi transformada no Institut National des Sourds-Muets. Com o falecimento do abade Épée, em 1789, o abade Roch-Ambroise Cucurrón Sicard (1742-1822), que fora seu aluno, assumiu direção da instituição.
Esta instituição francesa tornou-se referência, e era comum que professores surdos formados nos institutos europeus fossem chamados para abrir instituições semelhantes em seus países de origem. O reverendo e educador norte-americano Thomas Hopkins Gallaudet (1787-1851) visitou a instituição francesa, e lá conheceu o abade Sicard e seus auxiliares surdos, Jean Massieu (1772-1846) e Louis Laurent Marie Clerc (1785-1869). Gallaudet retornou posteriormente ao seu país acompanhado pelo professor Clerc, que o ajudaria na criação da primeira escola de surdos na América do Norte, denominada Connecticut Asylum for the Education and Instruction of Deaf and Dumb Person (posteriormente American School for the Deaf), fundada em Hartford (Connecticut, E.U.A.), em 1817.
Nesta época, e de acordo com os registros de embarcações entradas no porto do Rio de Janeiro, publicados no Jornal do Commercio em 9 de maio de 1855, desembarcou no Rio de Janeiro, vindo da França, o sr. E. Huet, professor de uma instituição para surdos-mudos em Bourges (França). Este mesmo jornal noticiou em 9 de junho deste ano que acabara “de chegar a esta corte o Sr. E. Huet, ex-director dos surdos-mudos de Bourges” que tinha o objetivo de fundar nesta cidade um estabelecimento destinado à educação dos surdos-mudos (GAZETILHA, 1855, p.2).
Embora os dados biográficos sobre Huet sejam imprecisos, consideramos que este senhor E. Huet seja Édouard Huet Merlo (1822-1882), nascido em Paris entre 1820 e 1822, professor formado pelo Institut National des Sourds-Muets (Paris), ex-diretor de uma escola para surdos-mudos em Bourges, que fundou, em 1856, o Collegio Nacional para Surdos de ambos os Sexos, na cidade do Rio de Janeiro. Embora na maior parte das referências apareceu o ano de 1855 como sendo o de sua chegada ao Brasil, em outras foi afirmado que Huet teria chegado no Brasil em 1852 (OVIEDO, 2007). Importa registrar que também são diversas as referências a seu nome em documentos e estudos históricos, aparecendo muitas vezes como “E. Huet”, “Édouard Huet”, “Édouard Huet Merlo”, “Eduard Huet”, “Ernest Huet”, e “Eduardo Adolfo Huet Merlo”. Susana Teresa Huet Herrera (2001), sua bisneta, refere-se em seus textos a “Eduardo Huet Merlo”, ou seja, apenas traduziu “Édouard Huet Merlo” para a língua espanhola. Entendemos que seria mais adequado, neste estudo, privilegiar esta última forma, como “Édouard Huet Merlo”.
Édouard Huet Merlo, surdo desde os doze anos em decorrência do sarampo, se casou com a alemã Catalina e teve três filhos, Adolpho Huet Brodbeck, Maria Huet Brodbeck e Adolpho Pedro Huet Brodbeck, tendo este último nascido na cidade do Rio de Janeiro em 1856 (HERRERA, 2001).
Em 1855, Édouard Huet Merlo, já no Brasil, apresentou ao Imperador D. Pedro II um documento no qual expressava suas ambições de fundar uma escola para surdos no Brasil. Seu contato com o Brasil se deu a partir de uma carta de Drouyn de Lhuys, Ministre des Affaires Étrangères na França, que foi encaminhada ao Cavalleiro de Saint Georges, Ministro Plenipotenciário da França no Rio de Janeiro. Este, por sua vez, o teria indicado ao Marquês de Abrantes, Miguel Calmon du Pin e Almeida, que finalmente o teria apresentado ao Imperador D. Pedro II (MINISTERIO, 1898). O Marquês de Abrantes, atendendo uma solicitação de D. Pedro II, incumbiu ao então reitor do Imperial Collegio de Pedro II, Manoel Pacheco da Silva, de promover as condições necessárias para que Édouard Huet Merlo abrisse a escola.
O original do documento apresentado por Huet Merlo a D. Pedro II, intitulado “Rapport á L´Empereur”, datado de 22 de junho de 1855, escrito em francês e em formato de carta, se encontra no Acervo do Museu Imperial de Petrópolis (ROCHA, 2009). Neste documento Huet Merlo apresentou duas propostas para a instituição de ensino para surdos a ser criada no país, sendo a primeira de uma escola particular, que contaria com a concessão de bolsas pelo Governo Imperial, e a outra como uma instituição pública cujas despesas seriam integralmente pagas pelo Governo Imperial. A escolha da proposta a ser implementada estaria a cargo do Imperador, mas Huet Merlo salientou que, com base em sua experiência à frente da instituição francesa, o modelo particular seria o mais adequado. De acordo com Radaí Cleria Felipe Gonçalves, o Imperador teria optado pelo modelo particular, segundo o qual os alunos deveriam contribuir financeiramente (GONÇALVES, 2015).
Em 1º de janeiro de 1856, dois anos após a fundação do Imperial Instituto dos Meninos Cégos, direcionado ao ensino de meninos cegos, foi inaugurado, na cidade do Rio de Janeiro, o Collegio Nacional para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos, como um estabelecimento particular auxiliado pelos cofres públicos, nas dependências do Collegio Vassimon, localizado na Rua dos Beneditinos, nº8, no centro da cidade do Rio de Janeiro:
“Com o intuito de oferecer garantias à confiança das famílias, M. Huet agregou-se a Mr. De-Vassimon, que desde 1831 tem sido nesta corte diretor de um collegio de meninos, e gozado do bom conceito que requer tão espinhosa profissão. As meninas serão entregues aos desvellos de Mm. De-Vassimon e de suas filhas, e instruídas sob sua responsabilidade e especial vigilância”. (COLLEGIO, 1855, p.4)
A data de 1º de janeiro de 1856, foi considerada como a de fundação da instituição e assim referenciada até 1908, quando o decreto nº 6.892, de 19 de março deste ano, que aprovou o regulamento da instituição, definiu, em seu artigo 17º, o dia 26 de setembro como aniversário da fundação da instituição. A data de 26 de setembro se referia à promulgação da Lei n º939, que havia fixado a despesa e receita do Império e destinado recursos para o Instituto Imperial para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos (ROCHA, 2009).
O ingresso no Collegio Nacional para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos era feito mediante uma matrícula, os alunos deveriam ter a partir de sete anos, e era admitido um certo nº de alunos pobres, os quais poderiam matricular-se “com o devido atestado de indigência, quando apresentados por sua família, pelos reverendos Srs. Vigários, ou por outro qualquer benfeitor que por eles se interesse” (COLLEGIO, 1855, p.4).
Logo em seu início, a escola teve apenas três alunos, dos quais dois eram mantidos por bolsas concedidas pelo Imperador e um com seus recursos próprios. A escola era mista, e inicialmente os meninos ficaram sob a direção de Édouard Huet Merlo, e as meninas com a Madame de Vassimon e suas filhas, até a chegada da esposa de Huet Merlo, que viria a assumir essa função.
Por determinação de D. Pedro II, foi constituída uma Comissão Diretora com a finalidade de promover a implantação deste estabelecimento para educação de surdos-mudos. Essa comissão, presidida por Miguel Calmon du Pin e Almeida (Marques de Abrantes), era constituída por Pedro de Araújo Lima (Marques de Olinda), José da Costa Carvalho (Marques de Monte Alegre), Euzebio de Queiróz Coutinho Mattoso Camara (Inspetor Geral da Instrução Pública Primária e Secundária), Manoel Pacheco da Silva (reitor do Imperial Collegio de Pedro II), Manoel de S. Caetano Pinto (abade do Mosteiro de São Bento), cônego Joaquim Fernandes Pinheiro, e o Prior do Convento do Carmo. A Comissão reuniu-se pela primeira vez em 3 de junho de 1856, no Paço do Senado, e deliberou pela promoção da instalação definitiva da instituição, pela procura de um prédio para instalá-lo, e pela não remoção dos alunos que já lá estudavam, antes que a esposa Édouard Huet Merlo pudesse assumir o acompanhamento das alunas (ROCHA, 2007). A Comissão também encaminhou uma petição ao Corpo legislativo e à Assembleia Provincial do Rio de Janeiro, solicitando auxílio pecuniário e subvenção para a escola.
Enquanto eram aguardados os resultados da petição, os recursos para a manutenção da instituição eram advindos de donativos da comissão inspetora, do Convento de Nossa Senhora do Carmo e do Mosteiro de São Bento, das matriculas particulares, do Imperador, pela designação da bilheteria de apresentações no Teatro São Januário e no Teatro Lírico, e por parte da arrecadação nos bailes mascarados deste último estabelecimento.
No regulamento para o ensino primário e secundário do Município da Corte, definido a partir do decreto nº 1.331A, de 17 de fevereiro de 1854, foi criada a Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária do Município da Corte, destinada a inspecionar escolas, colégios, estabelecimentos de instrução primária e secundária, públicos e particulares, a qual definiu o funcionamento de estabelecimentos particulares como o Collegio Nacional para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos.
O cenário de escolas para surdos-mudos criadas na América do Sul, na segunda metade do séc. XIX, época em que foi fundado o Collegio Nacional para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos, era o seguinte: Escuela de SordoMudos (Chile, 27/10/1852), Sociedad Filantropica Regeneración (Argentina,1857), e Centro para los Sordomudos (Uruguai,16/02/1891).
O Collegio Nacional para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos era na época a única instituição de educação de surdos em terras brasileiras, e desta forma acolhia igualmente alunos e alunas surdos de outras províncias do país.
A solicitação feita em abril de 1856 por Édouard Huet Merlo, primeiro diretor do Collegio Nacional para Surdos de ambos os Sexos, para que o Governo Imperial apoiasse financeiramente a instituição, só foi atendida em 1857, por meio da Lei nº 939, de 26 de setembro de 1857, que fixou a despesa e orçou a receita do Império para o exercício de 1858-1859. Nesta lei, em seu artigo 16º, § 10º o Governo Imperial ficou autorizado a conceder ao Instituto Imperial para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos uma subvenção anual de 5.000$000rs, e mais dez pensões anuais, de 500$000rs em favor de surdos-mudos pobres aceitos naquela instituição pelo diretor e pela Comissão. De acordo com o Relatório do Ministro do Império, José Joaquim Fernandes Torres, apresentado em 1868, o Presidente da província do Rio de Janeiro, autorizado pela lei provincial nº 1.069, de 14 de novembro de 1857, também contribuiria com dez pensões de 500$ para alguns alunos da instituição (RELATORIO, 1868).
Em 1857, a escola, então denominada Instituto Imperial para Surdos-Mudos de ambos os Sexos, foi transferida para uma casa maior, localizada no Morro do Livramento, com entrada pela Rua de São Lourenço. E no ano seguinte, a instituição passou a denominar-se Imperial Instituto de Surdos-Mudos de Ambos os Sexos.
A partir de 1859 a existência de dificuldades financeiras e de problemas disciplinares na instituição teria ocasionado um desgaste na relação entre Édouard Huet Merlo e Miguel Calmon du Pin e Almeida, Marquês de Abrantes, o qual acabou solicitando sua exoneração do cargo de presidente da Comissão Diretora, sendo então assumido por Pedro de Araújo Lima (Marques de Olinda):
“Em meiados do anno de 1859 começaram as perturbações não só da economia e da disciplina, mas até da moralidade do estabelecimento: desintelligencias a principio e depois graves conflictos, entre Huet e sua esposa, destruiram todo o respeito e força moral, sendo inevitavel a anarchia”. (MINISTERIO, 1898, p.4)
Pela lei nº 1.114, de 27 de setembro de 1860, que fixou a despesa e receita do Império para 1861-1862, foi autorizada a despesa de 16:000$000 com o Imperial Instituto para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos.
Miguel Calmon du Pin e Almeida, exonerou-se, em 1861, da presidência da Comissão Diretora, sendo substituído pelo Marquês de Olinda, Pedro de Araújo Lima. Em finais de 1861, a Comissão Diretora rescindiu o contrato com Édouard Huet Merlo, e o Governo Imperial comprou os móveis e demais objetos do estabelecimento, e Huet recebeu a quantia de cerca de 4:000$000 réis por ter cedido seus direitos ao Governo Imperial (MINISTERIO, 1898). Após acordo com o Governo Imperial, Huet saiu da instituição e viajou para o México, onde veio a participar da fundação de uma escola de surdos-mudos, posteriormente denominada Escuela Nacional para Sordos, em junho de 1866, no Convento de San Juan de Letrán, na cidade do México, e onde permaneceria até seu falecimento em 1882.
Com o término do contrato com Édouard Huet Merlo, em 11 de dezembro de 1861, e sua saída, a Comissão Diretora recebeu o estabelecimento, continuou a exercer as atribuições que já tinha anteriormente, e solicitou ao Ministro Plenipotenciário do Brasil em missão na França e Inglaterra, José de Araujo Ribeiro (Visconde de Rio Grande), que procurasse contratar um brasileiro que estivesse sendo habilitado na França para ser o novo diretor do Imperial Instituto para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos. O Marquês de Olinda designou inicialmente o padre Manoel Soares do Couto, e posteriormente o frei João do Monte Carmo, para assumir a direção da instituição até a chegada de um diretor contratado. Frei João do Monte Carmo não permaneceu no cargo, e foi substituído por Ernesto Prado Seixas, por indicação do diretor do Imperial Instituto dos Meninos Cégos, Claudio Luiz da Costa.
Manoel de Magalhães Couto, professor formado em direito e habilitado no Institut National des Sourds-Muets, em Paris, retornou ao Brasil em julho de 1862 e foi contratado como diretor do Imperial Instituto para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos.
O Governo Imperial manteve o auxílio para o funcionamento da instituição, e elevou o valor e aumentou o número de pensões pagas com seu orçamento por meio das leis nº1.114, de 27 de setembro de 1860, e nº 1.507, de 26 de maio de 1867. Entretanto, isso não garantiu uma situação econômica cômoda para a instituição. Pedro de Araújo Lima, Marquês de Olinda, comunicou por meio de Ofício, em 27 de setembro de 1868, a José Joaquim Fernandes Torres, Ministro dos Negócios do Império, que a Comissão Diretora “não podendo mais, no estado em que se achava o instituto, prestar-lhe bons serviços, e julgando conveniente que o Governo assumisse a sua direção imediata, resolvera pedir que se désse por concluída a sua missão” (RELATORIO, 1868, p.29). O Governo Imperial assumiu, então, por completo o Imperial Instituto para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos, o qual perdeu então seu caráter particular para tornar-se um estabelecimento público.
A partir de 1865, a instituição passou a ser denominada Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os Sexos, e encontrava-se instalada no Palacete do Campo da Aclamação, nº49, no centro do Rio de Janeiro.
Pela lei nº 1.507, de 26 de setembro maio de 1867, o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império foi autorizado a despender a quantia de 18:5000$000 com o então denominado Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os Sexos.
Um regulamento provisório para a instituição foi aprovado pelo decreto nº 4.046, de 19 de dezembro de 1867, segundo o qual o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os Sexos seria dirigido por um diretor, subordinado ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império. Caberia também a este ministro a inspeção da instituição, a qual poderia ser realizada por um comissário de sua nomeação.
A Decisão nº 195 de 26 de maio de 1868, promulgada pelo Imperador D. Pedro II, estabeleceu provisoriamente um Regimento Interno para a instituição, segundo o qual o serviço interno daquela instituição seria dividido em três ramos, o econômico, incumbido pelos inspetores, rouparia, dispenseira e serventes, o instrutivo, de responsabilidade dos professores e repetidos, e o religioso de atribuição do capelão.
Em 1868 o Ministro dos Negócios do Império, José Joaquim Fernandes Torres, solicitou a Tobias Rabello Leite, então chefe da Seção de Saúde Pública dos Estabelecimentos de Beneficência e Socorros Públicos, da Secretaria de Estado dos Negócios do Império, um relatório das atividades desenvolvidas no Imperial Instituto para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos, e um parecer sobre as condições da instituição. Nesse relatório Tobias Leite afirmou que o instituto não possuía ensino de qualidade, e se assemelhava mais a um “asilo de surdos”. Tendo em vista as condições encontradas por ocasião da vistoria, o então diretor Manoel de Magalhães Couto foi exonerado de sua função e Tobias Rabello Leite assumiu interinamente o cargo até 1872, quando tomou posse oficialmente como diretor da Imperial Instituto para Surdos-Mudos de ambos os Sexos.
A partir do ano de 1874 a instituição de educação de surdos-mudos foi denominada Instituto dos Surdos-Mudos.
O decreto nº 2.771, de 24 de novembro de 1877, criou um patrimônio para o Instituto dos Surdos-Mudos, e também para o Imperial Instituto dos Meninos Cégos, constituído em apólices da dívida pública no valor de 2.000:0000$000. No mesmo ano de 1877, com o decreto nº 6.760, datado de 1º de dezembro, foram criados conselhos não remunerados para administração deste patrimônio.
O reconhecimento da importância do abade Charles-Michel de l'Epée, fundador da primeira escola para os surdos e mudos, na França em 1755, para a criação da instituição para surdos-mudos no Rio de Janeiro, foi demonstrado no envio de uma coroa, em nome da instituição, para a solenidade de homenagens ao centenário de sua morte, realizada em 23 de dezembro de 1889 na Église Saint-Roch, em Paris (LE CENTIÈME, 1889).
Em 1890, após a Proclamação da República no país, a instituição passou a denominar-se Instituto Nacional de Surdos Mudos, e no ano seguinte, 1891, o estabelecimento passou a ficar subordinado ao Ministério de Instrução Pública, Correios e Telégrafos.
Com o falecimento de Tobias Rabello Leite, em 1896, o professor Joaquim Borges Carneiro assumiu interinamente a direção da instituição, então denominada Instituto Nacional de Surdos Mudos, até 18 de fevereiro de 1897, quando passou o cargo a João Paulo de Carvalho. Como nesta época era proibida a acumulação de remunerações públicas, João Paulo de Carvalho, que também era lente da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, acabou optando por esse cargo e foi exonerado da função de diretor do Instituto Nacional de Surdos Mudos.
Por um decreto promulgado em 26 de março de 1903 foi empossado como diretor João Brazil Silvado, tendo permanecido na direção até 17 de outubro de 1907. João Brazil Silvado fora diretor do Instituto Benjamin Constant, membro da liga abolicionista denominada Associação Central Emancipadora, inspetor escolar, chefe da polícia do Distrito Federal, e autor do livro “Alma Livre” que versava sobre a escravidão no país. Brazil Silvado, ainda como chefe de Polícia do Distrito Federal, fundou em 3 de dezembro de 1889 a “Escola XV de Novembro”, na rua São Cristóvão nº 168.
Custódio José Ferreira Martins assumiu a direção do Instituto Nacional de Surdos Mudos em 1907, após a saída de João Brazil Silvado. Durante a gestão de Ferreira Martins foi realizada a obra de construção de um novo prédio para a instituição, na Rua das Laranjeiras, na cidade do Rio de Janeiro. Ferreira Martins permaneceu neste posto até dezembro de 1930, quando assumiu como diretor Armando Paiva de Lacerda.
Entre os anos de 1915 e 1940, várias repartições federais utilizaram, também, o espaço do Instituto Nacional de Surdos Mudos, como a Comissão Rondon, Juízo de Menores, Polícia de Focos do 1º Districto, Inspectoria de Fronteiras e a Escola Nacional de Educação Física e Desportos (FULAS, 2017).
A partir do decreto nº 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925, que organizou o Departamento Nacional de Ensino e reformou o ensino secundário e o superior, o então denominado Instituto Nacional de Educação de Surdos e o Instituto Benjamin Constant tornaram-se estabelecimentos profissionalizantes, subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
Em 1930, durante o governo de Getúlio Vargas, a direção do Instituto Nacional de Surdos Mudos passou para Armando Paiva de Lacerda, médico dedicado à clínica audiológica, com trabalho reconhecido no Método de Reeducação Auditiva, e pertencente a uma família de políticos, entre estes Carlos Lacerda, que viria ser governador do Estado da Guanabara em 1960.
O decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930, que criou uma Secretária de Estado com a denominação de Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, estabeleceu em seu art.5º que passariam a pertencer ao novo Ministério os estabelecimentos, instituições e repartições públicas que se proponham à realização de estudos, serviços ou trabalhos relativos ao ensino, saúde pública e assistência hospitalar, como o Instituto Nacional de Surdos Mudos.
Pelo art. 38 da lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, que conferiu nova organização ao Ministério da Educação e Saúde Pública, foram mantidos como serviços relativos à educação “o Instituto Benjamim Constant e o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, destinados ao ensino commum e especializado, respectivamente, para cégos e para surdos-mudos, e ainda como centros de pesquisa pedagogicas, funccionando, neste ultimo caso, como orgãos collaboradores do Instituto Nacional de Pedagogia” (LEI, 378, 1937).
Em 1949, com o decreto nº 26.974, de 28 de julho, foi aprovado o Regimento do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, então subordinado ao Ministério da Educação e Saúde. Este regulamento foi modificado pelo decreto nº 38.738, de 30 de janeiro de 1956, que estabeleceu a criação de novos setores na instituição.
No ano de 1957 foi realizada uma das mais importantes mudanças na instituição, a mudança do nome com a substituição do termo “mudo” pelo de “educação”, por meio da Lei nº 3.198, de 6 de julho, assinada pelo Ministro da Educação, Clóvis Salgado, e pelo Presidente da República Juscelino Kubitscheck, passando a denominar-se Instituto Nacional de Educação de Surdos-INES.
O prédio da atual sede, erguida entre os anos de 1913 e 1915, teve seu processo de tombamento solicitado pela Associação de Moradores de Laranjeiras (Amal), mas ainda não foi deferido. O prédio se encontra protegido pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, por ambiência, desde 9 de dezembro de 1998 (INSTITUTO, 2008).
Sedes da instituição:
- 1856/1857: Rua dos Beneditinos, nº8.
- 1857/1865: Morro do Livramento, entrada pela Rua São Lourenço.
- 1865/1866: Palacete do Campo da Aclamação, nº49.
- 1866/1871: Chácara das Laranjeiras, nº 95.
- 1871/1874: Rua Real Grandeza, nº 4 (esquina da rua Voluntários da Pátria).
- 1877/1890: Rua das Laranjeiras, nº 60.
- 1890/1957: Rua das Laranjeiras, nº 82 (alteração da numeração).
- atual: Rua das Laranjeiras, nº 232.
Diretores:
Édouard Huet Merlo (1856-1861); Frei João Monte do Carmo e Ernesto Prado Seixas (interinamente, 1861-1862); Manoel de Magalhães Couto (1862-1868); Tobias Rabello Leite (1868-1896); Joaquim Borges Carneiro (interino, 1896-1897); João Paulo de Carvalho (1897-1903); Joaquim Borges Carneiro (interino, 29/071902-30/11/1902); João Brazil Silvado (26/03/1903-17/10/1907); Custódio José Ferreira Martins (1907-1930); Armando Paiva de Lacerda (1930-1947).
Estrutura e funcionamento
O Collegio Nacional para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos foi inaugurado em 1º de janeiro de 1856, instalado nas dependências do Collegio Vassimon, na Rua dos Beneditinos, nº8, no centro da cidade do Rio de Janeiro. A escola era mista, e inicialmente os meninos ficaram sob a direção de Édouard Huet Merlo e as meninas com a Madame de Vassimon e suas filhas, até a chegada da esposa de Huet, que viria a assumir essa função.
Na proposta de Édouard Huet Merlo, apresentada em 1856, o currículo do Colegio Nacional para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos seria composto da seguinte forma:
Matéria | Conteúdo |
História | História do Brasil/Historia Sagrada e Profana |
Cathecismo | Noções de Religião e dos Deveres Sociaes |
Arithmética | Desenho/Escripturação Mercantil |
Geographia | Lições de Agricultura Theorica e Pratica |
Linguagem Usual / Linguagem Articulada | Escripta e Leitura/Elementos da Língua Nacional - Gramática |
Fonte: Arquivo do Instituto Nacional de Educação de Surdos. Apud. GONÇALVES, 2015, p.35
De acordo com o anúncio veiculado pelo Correio Mercantil, em 27 de janeiro de 1856, a instituição destinava-se “à regeneração moral e intelectual dos surdos-mudos do Brasil” e recebia alunos “de ambos os sexos, desde 8 até 18 annos de idade” (COLLEGIO, 1856, p.3), o curso era de seis anos, no valor de 900$ anuais, e as condições de admissão eram as seguintes:
“1º A roupa, o calçado e a lavagem ficarão á cargo das famílias.
2º O discípulo trará cama, roupa e tudo o que lhe é necessário entrando para o estabelecimento.
3º Entregará além disso ao diretor uma certidão de baptismo, contendo seu nome e morada, e um atestado de vacina passado por um médico.
4º Os pagamentos serão feitos por trimestre, e sempre adiantados, excepto os dos discípulos a cargo do Estado”. (COLLEGIO, 1856, p.3)
A instituição recebeu inicialmente três alunos, e o programa de ensino, apresentado no anúncio no Almanak Laemmert, era composto pelas seguintes disciplinas: Língua Portuguesa, Aritmética, Geografia e História do Brasil, Escrituração Mercantil, Linguagem Articulada e Doutrina Cristã, noções de agricultura teórica e prática para meninos e trabalhos usuais de agulhas para as meninas. Eram oferecidas ainda lições de pronúncia, de articulação e de leitura aos alunos que eram considerados aptos para tais disciplinas (ALMANAK, 1856, p.406).
Para Édouard Huet Merlo os principais parâmetros que orientavam o programa do Collegio Nacional para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos, eram:
“Sendo o conhecimento da língua a mais difícil de todas as sciencias para os surdos-mudos, ele será a base do nosso ensino, uma vez que os demais estudos devem todos referir-se a este. (.....). O estudo de arithmetica não excederá das quatro espécies. (....). O estudo do desenho e da escripturação mercantil não podem ter lugar senão no 3º anno. O estudo da escripturação mercantil póde depois tornar-se útil aos discípulos pobres. Devendo a grandeza futura do Brasil provir principalmente de sua riqueza territorial, parece-nos bem desenvolver nos discipulos o gosto pela lavoura. Além de serem quase todos os discípulos filhos de fazendeiros, a experiência nos tem provado que este exercício moderado mantém-lhes a saúde e desenvolve suas forças physicas. Duas horas por dia serão consagradas a isso. (....). Tendo também as meninas necessidade de exercício, procurar-se-há reservar-lhes um certo espaço em que ellas possão brincar e correr. As lições de agricultura serão dadas de maneira que sirvão de recreio e de allivio aos estudos. As lições de pronuncia serão dadas por pessoas que encarregarei, e às quaes indicarei a maneira de da-las, porque não as posso dar eu mesmo pelo meu estado”. (COLLEGIO, 1856, p.3)
O Instituto Imperial para Surdos-Mudos de ambos os sexos contava, em 1857, com sete alunos, quatro meninos e três meninas, sendo dois oriundos de Minas Gerais, um de São Paulo e quatro do Rio de Janeiro. Os dois alunos mineiros e o paulista eram os únicos mantidos por suas famílias.
Em 1858 os alunos podiam ser admitidos no então denominado Imperial Instituto para Surdos-Mudos de Ambos os Sexos como pensionistas, meio-pensionistas, ou gratuitamente conforme sua situação pecuniária. Neste ano, conforme o “Mappa nº1” assinado por Huet, a instituição tinha 19 alunos, 13 meninos e seis meninas, sendo 12 do Rio de Janeiro, dois de Minas Gerais, um de São Paulo, um de Niterói e três de Barra Mansa (ROCHA, 2007).
Na direção da instituição havia, em 1864, além de Manoel de Magalhães Couto, diretor da instituição desde 1862, uma diretora “encarregada da educação moral das alumnas, da administração e economia doméstica, da direção da enfermaria, rouparia e engomado”, sob a responsabilidade de Francelina Garcez de Magalhães (ALMANAK, 1864, p.88).
O decreto nº 4.046, de 19 de dezembro de 1867, que aprovou um regulamento provisório para a instituição, então dirigida por Manoel de Magalhães Couto, definiu o quadro de funcionários da instituição: um professor, uma professora, um capelão, um inspetor de alunos, uma inspetora de alunas, uma roupeira, enfermeira e dispenseira, uma criada, um cozinheiro, e quatro serventes. O quadro de disciplinas ficou constituído pelas seguintes disciplinas: Leitura Escrita, Doutrina Cristã, Aritmética, Geografia, Geometria Elementar, Desenho Linear, Elementos de História, Português, Francês e Contabilidade. A execução deste decreto começou em 10 de agosto de 1868, quando passaram a ser nomeados os professores de desenho, de matérias secundárias e de articulação artificial, à medida em que existiam alunos para estas matérias. O ensino profissional realizado era somente o de horticultura.
Nesse ano de 1867 havia na instituição 16 alunos matriculados, 11 meninos e cinco meninas, sendo 11 pensionistas do Governo Imperial, três financiados por suas famílias e dois pela província do Rio de Janeiro.
Em 1868, Tobias Rabello Leite, novo diretor da instituição, implantou uma nova dinâmica na instituição, dando ênfase ao ensino profissional dos surdos, como é possível observar no fragmento de seu relatório publicado em 1869:
“O fim dos Institutos dos surdos-mudos não é formar homens de letras, como parece ter sido o pensamento do Regulamento n. 4.046 de 19 de dezembro de 1867; o fim único destes estabelecimentos é arrancar do isolamento, que embrutece, os infelizes privados do instrumento essencial para a manutenção e desenvolvimento das relações sociaes; é emfim converter em cidadãos úteis indivíduos que lhe pesão, e a damnificão involuntariamente. (.......). O ensino profissional é o complemento de todos os Institutos de surdos-mudos, e é dado atendidas as disposições physicas e aptidões, a todos, execpto aos poucos filhos de famílias abastadas que o recusão. (....); o ensino profissional não é só um beneficio para todos os que são educados em estabelecimentos como este, é também uma conveniência do Estado, pois que a instrucção litteraria sem uma profissão, e sem o habito do trabalho, seria um dom improfícuo, e muitas vezes funesto ao surdo-mudo, por sugerir-lhe idéias e esperanças incompatíveis com o seu estado. ”. (LEITE, 1869, p.4; p.6)
Havia no estabelecimento, em 1868, 17 alunos, 13 do sexo masculino e 4 do sexo feminino, vindos de várias localidades: seis do Município neutro, dois da Província do Rio de Janeiro, um da Província da Bahia, um da Província do Rio Grande do Sul, dois da Província de São Paulo, um da Província do Maranhão, um da Província do Rio Grande do Norte, dois da Província do Paraná, e um da Província de Pernambuco. Entre estes, 14 eram mantidos pelo Governo Imperial, um pela Província do Rio de Janeiro e dois eram contribuintes (RELATORIO, 1869).
Para o diretor Tobias Rabello Leite era importante ensinar aos alunos “uma linguagem que o ponha em relação com a sociedade em que vive. Esta linguagem póde ser escripta e vocal artificial. A preferencia entre estas duas linguagens é o ponto que se debate entre as duas escolas da Europa, a allemã e a franceza” (LEITE, 1869, p.5).
Tobias Rabello Leite expressou muito de sua visão sobre a educação dos surdos em suas publicações como “Salva-guarda do surdo-mudo brasileiro” (Typographia Universal de E. & H. Laemmert, 1876)”, “Noticia do Instituto dos Surdos Mudos do Rio de Janeiro pelo seu diretor Tobias Leite” (Typographia Universal de E. & H. Laemmert, 1877), “Regimento Interno do Instituto dos Surdos-Mudos” (Typographia Nacional, 1877), e “Compendio para o ensino de surdos-mudos” (Typographia Universal de E. & H. Laemmert, 1881. Também foi responsável pela tradução e adaptação de obras francesas, como do “Guide des instituteurs primaires pour comer l´éducation des sourds-muets, publié par ordre de Son Exc. M. le Ministre de l´Interieur” de Jean-Jaques Valade-Gabel (1801-1879), professor do Institut National des Sourds-Muets (Paris) e ex-diretor de um instituto para surdos-mudos em Bordeaux (França), publicado em 1863. A edição traduzida por Tobias Rabello Leite intitulou-se “Guia para os professores primários começarem a instrucção dos surdos-mudos por J. J. Valade Gabel”, publicada pela Typographia Universal de Laemmert, em 1874.
Em 1870, sob a gestão de Tobias Rabello Leite, havia na instituição apenas 13 alunos, sendo dez pensionistas do Governo Imperial, dois da Província do Rio Grande do Norte e apenas um como contribuinte.
Ainda, durante sua gestão, foi publicada a obra de Flausino José da Costa Gama (1851?- ), intitulada “Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mudos”, publicada pela Typographia Universal de E. & H. Lammert em 1875. Flausino, surdo de nascença, havia ingressado aos 18 anos, em 1º de julho de 1869, como aluno pensionista no Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os Sexos. De 1871 a 1878 Flausino foi “repetidor” na instituição, função esta que significava “assistir à aula e depois repetir as lições do professor aos alunos que tinha sob a sua responsabilidade” (SOFIATO; REILY, 2011, p.628).
A obra de Flausino José da Costa Gama apresentava 382 estampas que representavam os sinais usados para formação de um léxico e os verbetes que definiam cada sinal empregado. Essa obra é considerada o primeiro grande esforço em língua portuguesa de sistematização da linguagem de sinais utilizada na comunicação entre surdos-mudos. Tobias Rabello Leite, diretor do então denominado Instituto dos Surdos-Mudos, apoiou efetivamente essa publicação, tendo destacado no prefácio que a obra de Flausino José da Costa Gama tinha como objetivo “vulgarizar a língua dos signaes, meio predilecto dos surdos-mudos para a manifestação de seus pensamentos e mostrar o quanto deve ser apreciado um surdo-mudo educado” (LEITE apud GAMA, 1875). Embora muitos tenham ressaltado a originalidade da obra de Flausino, algumas pesquisas mais recentes destacaram a influência que a obra “L’Enseigment primaire des sourds-muets mis a la portée de tout le monde, avec une iconographie des signes” de Pierre Pélissier (1814-1863), professor de surdos-mudos na Institution Impériale de Paris, publicada em 1856, teve sobre a obra de Flausino José da Gama (SOFIATO; REILY, 2012).
Por ocasião da saída de Flausino José da Costa Gama da instituição, em 1878, Tobias Rabello Leite lhe chamou de apóstolo do ensino de surdos-mudos:
“O instituto perdeu seu melhor discípulo que há 8 anos honrava suas cadeiras de mestre. O repetidor Flausino José da Costa Gama foi exonerado por portaria de 8 de Março por ter enlouquecido. Causas da sua vida familiar roubaram ao ensino de surdos-mudos no Brazil um apostolo, aos alunos do instituto um pai que dificilmente será substituido, e a sociedade um cidadão de virtudes”. (LEITE, 1878, p.6).
Em seu relatório, apresentado em março de 1871, o diretor Tobias Rabello Leite destacou que embora fosse grande o número de surdos-mudos no país, ainda era pequeno o nº de alunos de outras regiões do país matriculados no Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os Sexos:
“O facto singular de não concorrerem alunos para o Instituto, nem mesmo para preencherem-se os 16 lugares de pensionistas do Estado, é determinado pelas seguintes causas: 1ª A ignorância, quase geral nas províncias. De que existe este Instituto; o que não é para admirar, poisque n´esta Côrte muitos ignoram não só o facto, hoje muito vulgar em todo o mundo, de ser surdo-mudo tão susceptível de educação como os falantes, mas até a existência deste Estabelecimento; 2ª O serem os surdos-mudos, naquasi totalidade, filhos de famílias indigentes, ou de tão poucos meios, que não podem vencer as distancias que as separam da Côrte; 3ª A mal entendida compaixão que leva os pais desses infelizes a preferir vêl-os junto a si, embora mergulhados em hedionda ignorância, a entregal-os à autoridade, ou a alguém que os traga para o Instituto”. (LEITE, 1871, p.3-4)
Tobias Rabello Leite ressalou, ainda, a importância de se implantar efetivamente o ensino profissional na instituição, e o papel da agricultura na formação profissional do surdo-mudo. A partir de 1871, além da horticultura, a instituição passou a contar também com uma oficina de sapateiro para os alunos.
A responsabilidade pela educação dos surdo-mudos, em instituições como o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os Sexos, era preocupação do diretor Tobias Rabello Leite, como expressou em seu relatório apresentado em 1872:
“Si assim acontecer, morta ficará uma instituição que na Europa e nos Estados-Unidos da America merece a maior atenção pelos seus benéficos resultados, e que só no Brazil luta contra a ignorância de muitos, e contra a incredulidade de outros, que a julgam um luxo social para que não temos ainda proporções. (.....). Aos que pensam que a educação do surdo-mudo é obra de pura caridade, eu peço que comparem os males que o inculto faz á moral publica, com os benefícios que os educados trazem á sociedade em geral, e ao Estado em particular, e estou certo de que não deixarão de reconhecer que a educação do surdo-mudo é uma divida tanto mais sagrada do Estado, quanto é certo que nunca serão perdidos os dispêndios que com ella se fizerem. É verdade, reconheço, que, estando esses infelizes disseminados pela vasta extensão do paiz, não é possível dar-lhes educação sinão reunindo-os em internatos, e que a obrigação constitucional não vai até á manutenção de taes estabelecimentos, que exigem despesas tão avultadas que prejudicariam outros deveres públicos não menos imperiosos; mas essa será uma razão para procurarem-se com mais afinco os meios de conciliar o cumprimento da promessa constitucional com a deficiência das rendas publicas, mas nunca para negar-se o dever, e desatender-se a conveniência do Estado em educar aquelles súbditos, que por suas circumstancias especiaes são, si é possível, por isso mesmo ainda mais dignos da solicitude dos Poderes Publicos”. (LEITE, 1872, p.3)
De acordo com os dados censitários colhidos em 1920, e apresentados posteriormente no 1º Congresso Brasileiro de Eugenia por José Luiz Sayão de Bulhões Carvalho, médico demografista e Diretor Geral de Estatística, havia no Brasil, em 1872, em termos de números absolutos, 11.595 surdos-mudos (7.157 homens e 4.438 mulheres) distribuídos pelas diversas regiões do país (CARVALHO, 1929).
O decreto nº 5.435, de 15 de outubro de 1873, que aprovou o regulamento definitivo do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os Sexos, que vigorou até o ano de 1901, estabeleceu que:
“Art. 1º O Instituto dos Surdos-mudos tem por fim ministrar-lhes instrucção litteraria, educação moral e ensino profissional, o qual será regulado por instrucções especiaes, organizadas pelo Director e approvadas pelo Commissario de Governo.
Art. 2º Será dirigido por um Director subordinado ao Ministro do Imperio, que exercerá inspecção suprema do Estabelecimento por si ou por um Commissario de sua nomeação, ao qual todos os empregados serão subordinados, e que visitará o Instituto sempre que entender conveniente, procedendo a todos os exames e inqueritos que o bem do serviço exigir, assistindo aos exames, ás lições e ao refeitorio, e presidindo aos concursos de que trata o art. 7º
Art. 3º Além do Director o Instituto terá os seguintes empregados:
1 Capellão e Professor de Religião.
2 Professores de linguagem escripta.
1 Dito de linguagem articulada, e leitura sobre os labios.
1 Dito de mathematicas, geographia, e historia do Brasil.
1 Dito de desenho.
1 Medico.
1 Escripturario e Agente.
1 Roupeiro e Despenseiro.
1 Inspector para cada turma de 25 alumnos.
1 Mestre de gymnastica.
Serventes.
O Director, o Capellão, os Professores, o Agente e o Medico serão de nomeação do Governo; os demais empregados serão nomeados pelo Director.
Art. 4º Todos os empregados do Estabelecimento são subordinados ao Director, e cumprirão os deveres que lhes são prescriptos no Regimento interno, organizado pelo mesmo Director e approvado pelo Commissario do Governo.
Art. 5º Os empregados do Instituto perceberão os vencimentos marcados na tabella annexa.
Art. 6º O Director, os Inspectores e o Roupeiro residirão no Instituto.
Art.7º Os Professores de linguagem escripta serão meados por concurso entre os Repetidores. Na falta de Repetidores com a idoneidade necessaria poderão ser nomeados os que, habilitados para Professor de instrucção primaria do Municipio da Côrte, mostrarem pela pratica no Instituto durante seis mezes que reunem as condições indispensaveis ao ensino do surdo-mudo.
(....................................................................................................................).
Art. 13. Haverá no Instituto um Repetidor para cada cadeira de linguagem escripta, e um para a cadeira de mathematicas, de geographia e historia.
(...................................................................................................................).
Art. 18. Os alumnos serão internos ou externos. O numero dos primeiros é limitado a 100. Os internos pagarão a pensão de 500$000 por anno, e trarão enxoval marcado no Regimento interno; os externos são gratuitos.
Art. 19. O Governo poderá mandar admittir até 30 alumnos como pensionistas gratuitos.
Este favor será concedido de preferencia: 1º aos desvalidos, 2º aos filhos de pequenos lavradores residentes longe da Côrte, 3º aos filhos de militares, 4º aos de empregados publicos que contarem mais de 10 annos de serviço.
Art. 20. Os alumnos mantidos pelas Provincias serão considerados contribuintes e recebidos á vista de requisição dos Presidentes, que a poderão fazer directamente ao Director.
(................................................................................................................).
Art. 26. A instrucção litteraria consistirá no ensino da lingua portugueza, da arithmetica com suas applicações praticas, comprehendido o systema metrico de pesos e medidas, dos elementos de geometria e agrimensura; da geographia e historia do Brasil.
(.................................................................................................................)
Art. 33. Serão estabelecidas no Instituto as officinas que o Governo julgar convenientes.
Estas officinas serão dirigidas por artistas dos Arsenaes de Guerra ou de Marinha, ou contractados pelo Director como fôr mais conveniente.
Art. 34. Todos os alumnos são obrigados a aprender o officio ou arte que lhe fôr designada. Na designação do officio ou arte a que os alumnos devam ser applicados o Director attenderá ao estado physico, e quanto seja possivel, aos desejos da familia do alumno.(...................................................).”(BRASIL, 1873).
Este regulamento de 1873 determinou, ainda, que todos os alunos fossem obrigados a aprender uma arte ou ofício mecânico, e que a metade da importância advinda dos trabalhos realizados pelos alunos era recolhida à Caixa Econômica para lhes ser entregue, com juros, quando terminassem sua educação. Outro aspecto importante, também estabelecido por este regulamento, foi a nomeação de um médico e de um mestre de ginástica exclusivos para o estabelecimento.
O Imperial Instituto dos Surdos-Mudos de Ambos os Sexos, desde sua criação, acolheu tanto alunos quanto alunas surdas-mudas, mas no ano de 1873 o Governo Imperial decidiu pela suspensão da entrada de meninas, alegando os inconvenientes que sua presença poderia causar no ambiente da instituição (MINISTERIO, 1898).
No relatório de Tobias Rabello Leite, diretor da instituição, apresentado em 31 de março de 1874, foi comentada a interrupção do recebimento de meninas naquele estabelecimento:
“Não havendo no predio em que está o Instituto accomodações para empregados e alunos de ambos os sexos, com a separação completa que a nossa educação e hábitos exigem, não era prudente deixar que aquellas alumnas atingissem a idade de dezoito anos marcada pelo Regulamento para os alunos sahirem do estabelecimento, tenham ou não concluído sua educação. Sendo portanto forçoso despedir aquellas quatro alunas, pareceu também inevitavel adiar depois das férias o recebimento da que restava, e das que por ventura apparecessem pretendendo matricular-se, até que o Governo dispuzesse de um predio aproriado a um internato mixto, ou fosse habilitado pelo Poder Legislativo a fundar um estabelecimento especial para surdas-mudas” (LEITE, 1874, p.3-4).
No então denominado Instituto dos Surdos-Mudos, havia, em 1874, duas oficinas, a de sapataria e a de encadernação. Nas oficinas de encadernação eram encadernados livros e na horticultura eram cultivadas plantas brasileiras.
O diretor Tobias Rabello Leite, em seu relatório apresentado em 19 de março de 1875, ressaltou que como muitos duvidavam da existência de um número expressivo de surdos-mudos no país e da eficácia dos meios utilizados para educá-los, seria importante apresentar um quadro com os dados sobre os surdos-mudos no Brasil:
Mappa dos surdos-mudos existentes no Imperio, extrahido dos trabalhos da Repartição da Estatistica | |||||||
Provincias | Livres | Escravos | Total | Freguesias Apuradas | Freguesias a Apurar | ||
Homens | Mulheres | Homens | Mulheres | ||||
Amazonas | 16 | 7 | ---------- | ----------- | 23 | 21 | 1 |
Pará | 151 | 72 | 2 | 3 | 228 | 68 | 2 |
Maranhão | 194 | 86 | 16 | 6 | 302 | 51 | 2 |
Piauhy | 52 | 38 | 5 | 1 | 96 | 25 | 2 |
Ceará | 378 | 244 | 6 | 8 | 636 | Completa | ------------------ |
Rio Grande do Norte | 68 | 44 | 8 | 4 | 124 | Completa | ---------------- |
Parahyba | 155 | 83 | 4 | 5 | 247 | 33 | 6 |
Pernambuco | 222 | 143 | 30 | 26 | 421 | 70 | 1 |
Alagoas | 63 | 35 | 3 | 1 | 102 | Completa | --------------- |
Sergipe | 22 | 5 | 2 | 1 | 30 | 18 | 13 |
Bahia | 513 | 397 | 140 | 153 | 1.203 | 158 | 11 |
Espírito Santo | 23 | 9 | 4 | 1 | 37 | Completa | ---------------- |
Rio de Janeiro | 165 | 88 | 35 | 32 | 320 | 107 | 15 |
Municipio Neutro | 123 | 70 | 8 | 8 | 209 | Completa | ---------------- |
S. Paulo | 608 | 325 | 29 | 18 | 980 | 144 | 13 |
Paraná | 117 | 58 | 4 | 2 | 181 | Completa | ---------------- |
Santa Catarina | 333 | 78 | 7 | 5 | 432 | Completa | ---------------- |
Rio Grande do Sul | 269 | 124 | 16 | 7 | 416 | 67 | 5 |
Minas Geraes | 1.558 | 905 | 240 | 167 | 2.870 | 253 | 116 |
Goyas | 419 | 256 | 32 | 14 | 721 | 52 | 1 |
Mato Grosso | 93 | 56 | 4 | 8 | 161 | Completa | ---------------- |
Somma | 5.542 | 3.123 | 595 | 470 | 9.730 |
Fonte: LEITE, 1875, p.2
Ainda neste relatório de 1875, Tobias Rabello Leite apresentou dados comparativos sobre a proporção dos surdos-mudos em outros países: Suíça, 1 surdo-mudo para 503 habitantes; Sardenha 1 surdo-mudo para 769 habitantes; França, 1 surdo-mudo para 1.269 habitantes; Prússia, 1 surdo-mudo para 1.344 habitantes; Baviera, 1 surdo-mudo para 1.388 habitantes; Suécia, 1 surdo-mudo para 1.528 habitantes. Os dados referentes ao Brasil eram distintos: Santa Catarina, 1 surdo-mudo para 354 habitantes; Mato Grosso, 1 surdo-mudo para 375 habitantes; Paraná, 1 surdo-mudo para 700 habitantes; Ceará, 1 surdo-mudo para 1.131 habitantes; Município Neutro, 1 surdo-mudo para 1.135 habitantes; Rio Grande do Norte, 1 surdo-mudo para 1.180 habitantes. Estes dados, segundo Tobias Leite, o levaram a concluir que o Brasil apresentava os números mais expressivos.
O regimento interno do então denominado Instituto dos Surdos-Mudos, que foi aprovado pelo Aviso de 1º de fevereiro de 1877, e alterado posteriormente pelo Aviso de 5 de fevereiro de 1881, descreveu a divisão do serviço, deveres e atribuições dos empregados da instituição. O Aviso definiu que o serviço interno da instituição, sob a direção do diretor, era dividido em dois ramos, o econômico, desempenhado pelo agente e dispenseiro, pelo escriturário e roupeiro, e pelos serventes, e o instrutivo, pelos professores e repetidores (BRASIL, Aviso, 1881).
Tobias Rabello Leite, em seu relatório apresentado em 6 de abril de 1878, registrou que o Instituto dos Surdos-Mudos havia recebido um diploma conferido pelo júri da Centennial Exhibition, realizada na Filadélfia de 10 de maio a 10 de novembro de 1876, pelos livros de lições de linguagem escrita proferidas em 1874 pelo professor Joaquim José de Menezes Vieira, e que haviam sido copiadas em quatro volumes pelo aluno Antonio Manoel de Andrade.
Joaquim José de Menezes Vieira (1848-1897), que foi professor do Instituto dos Surdos-Mudos entre 1872 e 1889, era formado em humanidades, e em medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde se especializou em doenças do ouvido, e foi diretor do Pedagogium, museu pedagógico fundado em 1890, e fundador do Collegio Menezes Vieira, estabelecido em 1875 no Rio de Janeiro. Foi o inventor, em 1882, do aparelho grafoscópio destinado a facilitar o ensino da leitura, da escrita, do cálculo e desenho, e autor do livro “Ensino pratico da língua materna: segundo o plano da obra Méthode d’enseignement aux sourds muets par les frères de St. Gabriel”, publicado em 1885, e noticiado por Marius Dupont (1857-1940), professor do Institut National des Sourds-Muets (Paris), na Revue Internationale de l´Enseignement des Sourds-Muets (DUPONT, 1886).
Em 1878, foi criado um Museu escolar no Instituto dos Surdos-Mudos, constituído incialmente por uma coleção de objetos de madeira doados por D. Pedro II, e instalado em algumas salas da própria instituição. O Museu era dividido em quatro partes: Utensílios domésticos feitos de madeira; Produtos vegetais que formam a alimentação do homem sob as diversas formas que são consumidos; Produtos vegetais necessários ao bem-estar do homem; e Produtos animais de que se serve o homem para o seu bem-estar (RELATÓRIO, 1878). Em 1881 o Museu escolar reunia mais de 3.000 objetos para o ensino intuitivo (Almanak, 1881).
No relatório do diretor do Instituto dos Surdos-Mudos, Tobias Rabello Leite, apresentado em 12 de abril de 1880, ao referir-se ao Museu Escolar, destacou sua importância por entender que “nas mãos de um professor ilustrado e zeloso o Museu escolar não se presta só no ensino da nomenclatura, usos e utilidade dos objetos que o compõe, presta-se pelo methodo intuitivo a dar de quasi todas as sciencias noções ao alcance da compreensão dos meninos, e que lhes são de muito proveito não só para sua educação moral como para as necessidades da vida” (LEITE, 1880, p.6).
Conforme os ofícios encaminhados por diretores da instituição, como Tobias Rabello Leite, inúmeros livros da Biblioteca Nacional foram encadernados, entre 1881 e 1899, na oficina de encadernação da instituição (OFFICIOS, 1878).
O Governo Imperial autorizou em 1883, por meio do Aviso de 9 de fevereiro, o diretor do Instituto dos Surdos-Mudos a ensaiar o ensino da ‘linguagem articulada” naquela instituição.
O professor Joaquim José de Menezes Vieira, que havia estudado na Europa os métodos empregados no ensino da “linguagem articulada”, foi incumbido pelo diretor Tobias Rabello Leite a promover o aprofundamento do ensino de “linguagem articulada”. Joaquim José de Menezes Vieira foi condecorado, em 1891, como Officier d´Académie pelo governo francês (DISTINCTION, 1891).
Em 13 de agosto de 1884, por meio da Decisão de nº 20, o Governo Imperial determinou as instruções para o funcionamento do curso norma destinado a habilitar os professores para o ensino dos surdos-mudos por meio da palavra articulada e leitura sobre os lábios. O curso, que seria realizado no Instituto dos Surdos-Mudos, foi dividido em três séries:
“1ª serie – Objecto da pedagogia; suas divisões. Educação physica. Noções geraes de anatomia e physiologia humana. Estudo particular do aparelho da voz e da palavra. Hygiene geral e escolar.
2ª serie – Noções elementares de psychologia experimental. Culura das faculdades. Methodologia geral. Methodologia especial para o ensino do surdo-mudo. Educação moral. Disciplina, organização dos collegios, institutos e escolas para surdos-mudos.
3ª serie – Esboço histórico da pedagogia. Historia da sciencia e da arte de educar surdos-mudos”. (BRASIL. Decisão, 1883, p.26)
Pela Portaria de 4 de janeiro de 1884, o Ministério do Império deu instruções para a realização do concurso da cadeira de linguagem escrita do 1º e 2º ano do Instituto dos Surdos-Mudos, no qual só poderiam participar os repetidos da instituição. E a Portaria de 2 de junho de 1884 nomeou Antonio Joaquim de Moura e Silva para reger interinamente esta disciplina.
Em 1887, foi noticiado na Revue Française de l´Éducation des Sourds-Muets, dirigida por Adolphe Béranger (1857-1939), professor do Institut National des Sourds-Muets (Paris), a publicação do livro de Tobias Rabello Leite intitulado “Noticia do Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro (Notice sur l'Institution des Sourds-Muets de Rio de Janeiro)”, de 1887 (TOBIAS, 1887).
No relatório do Ministro e Secretário de Estados dos Negócios do Império, Barão de Mamoré, publicado em 1887, foi informado que desde 1874 havia cessado o ensino o sexo feminino por inexistirem no prédio acomodações separadas para empregados e alunos de ambos os sexos. Relatou, ainda, que para que as alunas surdas-mudas não continuassem sem “os benefícios da cultura moral, intelectual e profissional”, era necessário que o Governo Imperial adequasse a instituição à educação mista ou criasse um estabelecimento especial (RELATORIO, 1887).
O diretor do instituto, Tobias Rabello Leite, encaminhou, em 14 de dezembro de 1889, um ofício ao Ministro do Interior, Aristides da Silveira Lobo, no qual comentou sobre o pouco êxito do método de “linguagem articulada”, pois os alunos que haviam frequentado apenas as aulas de linguagem articulada, em virtude do Aviso de 9 de fevereiro de 1883, haviam adquirido pouca instrução, tendo em vista o fato de que, nos dois primeiros anos, haviam tido somente os exercícios preparatórios ou ginásticos que precediam ao ensino pela palavra. E, que os demais alunos, tinham adquirido um adiantamento notável, porque desde o primeiro dia aprendiam a associar à pessoa os objetos e as ações com a sua expressão gráfica. Em decorrência do exposto, o Ministro decidiu, em ofício de 26 de dezembro de 1889, revogar o Aviso de 1883, e estabelecer que todos os alunos deviam frequentar as aulas de linguagem escrita, e que somente seriam matriculados na de linguagem articulada aqueles alunos que tivessem aptidão comprovada pelo diretor do instituto e professor da cadeira (HONROSO, 1889).
O professor Joaquim José de Menezes Vieira jubilou-se em 1890 e o outro professor de “linguagem articulada”, Joaquim Borges Carneiro, foi transferido para a cadeira de matemática, ficando assim suspenso o ensino de articulação.
Em decorrência da Proclamação da República, e a consequente separação entre Estado e Igreja, em 1890 foi suprimida a vaga de capelão e de professor de religião no então denominado Instituto Nacional de Surdos Mudos.
Segundo o relatório de João Barbalho Uchôa Cavalcanti, Ministro de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, apresentado em maio de 1891, em 1890 haviam na instituição 30 alunos gratuitos apoiados pelo Governo, e nenhum aluno contribuinte. Estes alunos eram naturais de: Capital Federal (10), Minas Gerais (6), Rio de Janeiro (5), São Paulo (3), Bahia (1), Paraná (1) e Portugal (4).
O ensino literário, no ano de 1890, era constituído pelas cadeiras de “linguagem escrita” do 1º e 2º anos, com o professor efetivo Antonio Joaquim de Moura e Silva, do 3º e 4º anos com o professor interino Candido Jucá, pela cadeira de matemática regida por José Rabello Leite Sobrinho, e pela de “linguagem articulada” com o professor Joaquim Borges Carneiro (RELATORIO, 1891).
Em 1893, ainda na gestão de Tobias Rabello Leite, o instituto tinha 36 alunos, sendo 34 brasileiros e dois portugueses, e somente um era contribuinte. Devido às condições de epidemia na cidade, as aulas se iniciaram somente em 15 de abril, mas seguiram regularmente até 30 de novembro de 1893. As oficinas seguiram funcionando, sendo a oficina de sapateiro considerada, pelo diretor, a mais vantajosa para o Estado e para os alunos, pois “se o calçado para os alunos fosse comprado no mercado, a despeza seria tripla da que se faz; para os alunos, porque é officio que eles podem exercer em qualquer parte que estejam” (RELATORIO, 1893, p.209). O ensino agrícola, para o qual o diretor há muito solicitava recursos, encontrava-se limitado ao cultivo de café, algodão, cana, cacau e cereais.
No ano seguinte tanto a oficina de encadernação quanto a de sapateiro prosseguiram funcionando, embora o ensino agrícola tenha sido suspenso por falta de pessoal para acompanhar os alunos na chácara durante os trabalhos.
No ano de 1895 a disciplina de “linguagem articulada” foi restabelecida com a nomeação do professor Candido Jucá, por meio do decreto de 21 de março de 1895. Neste ano matricularam-se apenas cinco alunos novos, totalizando 32 alunos na instituição, apesar de todos os esforços do Governo em expedir avisos às autoridades dos demais Estados para que estes estimulassem a vinda de surdos-mudos sem recursos (RELATORIO, 1896).
Ainda no ano de 1895, Antonio Joaquim de Moura e Silva, professor de linguagem escrita do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, viajou para a França para estudar o ensino e a “linguagem articulada” no Institut National des Sourds-Muets, em Paris. Retornou em 1896 e apresentou o relatório, intitulado “Surdos-Mudos capazes de articular e Meios Práticos de lhes dar a Palavra e, com ella, o Ensino”, ao diretor da instituição, no qual descreveu suas observações colhidas durante a estadia em Paris (SOARES, 2014).
Ao longo de 28 anos à frente da instituição, Tobias Rabello Leite implementou importantes mudanças, buscando a transformação daquele estabelecimento considerado um “asilo de surdos” em um espaço de ensino especial e sobretudo profissionalizante para a população surda. O diretor Tobias Rabello Leite faleceu em agosto de 1896, e foi sucedido na direção da instituição por Joaquim Borges Carneiro, interinamente, e depois por João Paulo de Carvalho.
Entre os anos de 1862 e 1895 o instituto formou 97 alunos, entre os quais alguns tornaram-se agricultores, outros sapateiros ou encadernadores.
Na gestão de João Paulo de Carvalho a frente do Instituto Nacional de Surdos Mudos, de 1897 a 1903, foi aprovado um novo regulamento para a instituição por meio do decreto nº 3.964 de 29 de março de 1901. Neste novo regulamento foi mantido o plano de estudos instituído pelo regulamento de 1873, foi criada mais uma vaga de professor repetidor, passando para quatro no total e ampliado para 35 o número de alunos aceitos gratuitamente na instituição, além de ter criado a oficina tipográfica, responsável pela impressão de diversos materiais para entidades públicas e privadas (ROCHA, 2007, p.51).
João Paulo de Carvalho, em sua gestão, procurou equiparar a instituição a instituições europeias e norte-americanas, especialmente no que se referia à questão do domínio pelos alunos da “palavra articulada”, por meio do restabelecimento da cadeira de “linguagem articulada” e leitura sobre os lábios, que não funcionava desde 1889. Neste sentido, em 4 de dezembro de 1897 na solenidade de distribuição de prêmios aos alunos que se destacaram naquele ano no Instituto Nacional de Surdos Mudos, João Paulo de Carvalho em seu discurso apresentou um histórico da educação dos surdos-mudos, e destacou a importância da aquisição da “linguagem articulada” e do trabalho realizado na instituição:
“Do que precede-se conclue que o Instituto do Rio de janeiro, tendo adoptado o sistema combinado ou mixto, colocou-se ao nível dos estabelecimentos congêneres mais adeantados, tanto mais quanto allia ao ensino literário o ensino profissional fornecido em oficinas bem montadas, que tereis ocasião de visitar. Os resultados colhidos até hoje são já dignos de nota. (........). Fundada em 1856, (......), tem o Instituto do Rio de janeiro educado 103 alumnos que, de analfabetos (........) se transformaram em homens de certa instrucção relativa, capazes de adquirir facilmente conhecimentos geraes, sabendo ler, escrever e contar, possuindo noções suficiente de desenho, e com profissão que lhes assegura a subsistência independente” (INSTITUTO, 1897, p.2).
Ainda neste discurso em 1897, João Paulo de Carvalho apresentou alguns dados sobre o cenário do ensino de surdos-mudos no mundo:
“Há em todo o mundo 474 escolas de surdos-mudos, com 3.855 professores e 33.000 discipulos, assim distribuídos: 357 na Europa, 100 na America do Norte, 5 na Asia, 5 na Africa, 4 na Australia e 3 na America do Sul. Destas uma, em Buenos Aires, uma em Santiago do Chile, e a nossa” (INSTITUTO, 1897, p.2).
Em 1898 o Instituto Nacional de Surdos Mudos, que tinha então 35 alunos, restabeleceu a aula de “linguagem articulada”, suspensa desde 1889, e ministrava, além da educação literária, o ensino profissional. Seu curso tinha seis anos, durante os quais o aluno aprendia a ler e escrever a língua materna, a aritmética, a geometria, a geografia e a história do Brasil. E nas áreas de ensino profissional tinha uma oficina de sapateiro e uma de encadernação, além da horticultura.
Mas segundo o relatório do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Amaro Cavalcanti, em 1898, o estado do estabelecimento era lastimável pois “habilitado com o pessoal docente e material de que dispõe, a receber de 50 a 60 alumnos, só possam ser admitidos, quando parece certo que em todo o território do paiz há cêrca de doze mil surdos-mudos sem educação” (RELATORIO, 1898, p. 369).
O acervo do Museu escolar do Instituto Nacional de Surdos Mudos foi incrementado, em 1899, com um microfonógrafo, recente descoberta do médico e inventor suíço François Dussaud (1870-1953), um espirômetro de Mattieu e com outros aparelhos para o ensino da linguagem articulada (RELATORIO, 1899). Neste ano, o acervo da biblioteca, que se encontrava em organização, recebeu também importantes revistas estrangeiras, como o Journal des Sourds-Muets e o American-Annals of the Deaf and Dumb.
João Paulo de Carvalho, diretor do Instituto Nacional de Surdos Mudos, foi designado delegado para representar o Brasil no Congrès International pour l´étude des Questions d´Education et d´Assistance des Sourds-Muets, realizado de 6 a 8 de agosto de 1900, no Palais des Congrès de l´Exposition Universelle, em Paris.
Em 1901 foi promulgado o decreto nº 3.964, de 23 de março, que aprovou um novo regulamento para o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, e definiu que a instituição tinha “por fim instruir e educar as crianças privadas da audição e da palavra articulada, dando-lhes instrucção litteraria e ensino profissional” (BRASIL, 1901, p.1). Este regulamento manteve o plano de estudos definido em 1873, criou mais uma vaga de professor repetidor, e ampliou o nº de alunos internos gratuitos para 35.
Segundo o Relatório do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, apresentado em março de 1902, havia sido inaugurada no Instituto Nacional de Surdos Mudos, em 1901, uma tipografia, transferida da Brigada Policial, na qual passaram a trabalhar 11 alunos (RELATORIO, 1902).
O método de ensino para a instrução dos alunos adotado ainda na instituição na gestão de João Brazil Silvado, em 1903, continuava a ser o “mixto” ou “combinado”, a linguagem articulada e a leitura super-labial. O ensino profissional era realizado em três oficinas, a de encadernação, a de sapateiro e a tipográfica. As aulas de educação física eram realizadas apenas uma vez por semana, embora o ex-diretor da instituição, João Paulo de Carvalho, as considerasse insuficientes, por entender que estas aulas deviam visar “principalmente o desenvolvimento dos músculos do thorax e das forças respiratórias, de modo a ampliar a capacidade vital dos pulmões” (RELATORIO, 1903, p.246).
No Relatório do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, apresentado em março de 1904, foi destacada a inserção profissional de ex-alunos do Instituto Nacional de Surdos Mudos, como a de Joaquim Silva, trabalhando como desenhista na Inspeção Geral de Obras Públicas, e a de Jeronymo dos Santos na Companhia Edificadora (RELATORIO, 1904).
Em 1904, por meio do decreto nº 1.299, de 19 de dezembro de 1904, foi estendido aos professores do Instituto Nacional de Surdos Mudos e do Instituto Benjamin Constant o acréscimo de vencimentos que havia sido concedido anteriormente, em 1890 e 1892, aos professores do Gymnasio Nacional (posteriormente denominado Collegio Pedro II).
O diretor João Brazil Silvado nomeou, em 1905, para repetidor seu filho, João Brazil Silvado Junior, o qual viria a fundar em 24 de maio de 1913 a Associação Brasileira dos Surdos Mudos (ABSM) nas dependências do Instituto Central do Povo, que era uma associação filantrópica fundada pelo missionário metodista norte-americano Reverendo Hugh Clarence Tucker (1857-1956) em 1906.
Na Exposição Nacional realizada em 1908, no Rio de Janeiro, foram expostos livros que haviam sido encadernados nas oficinas do Instituto Nacional de Surdos Mudos, pelos quais foi conferida uma medalha de ouro à instituição.
Em 18 de fevereiro de 1908 foi aprovado o regimento interno do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, e em 19 de março deste mesmo ano, foi promulgado o decreto nº 6.892, estabelecendo um novo regulamento para a instituição. Este regulamento de 1908 suspendeu a oficina de tipografia, criou mais uma cadeira de linguagem escrita, estabeleceu um outro posto de escriturário e aumentou para 40 o número de vagas gratuitas na instituição.
Um dos destaques da gestão de Custódio José Ferreira Martins, entre 1907 e 1930, foi a ampliação das dependências da instituição, localizada então na Rua das Laranjeiras. As obras de expansão do prédio foram realizadas por Poley Ferreira & Companhia, tendo sido iniciadas em 23 de julho de 1913 e concluídas em 1915, A ampliação gerou um grande espaço ocioso no estabelecimento, e em razão disso diversas repartições públicas passaram a utilizar também este espaço. Em 1924 funcionou provisoriamente naquele local o Juízo de Menores, e posteriormente também a Escola Nacional de Educação Física e Desportos, fundada em 1939 (ROCHA, 2009).
O decreto nº 9.198 de 12 de dezembro de 1911, que conferiu um novo regulamento à instituição, determinou a retomada do sistema oral puro, em substituição ao método misto até então adotado, em todas as disciplinas, e que a instituição seria dividida em duas seções, uma masculina e uma feminina, que teriam o mesmo regime econômico e administrativo e professores, mas funcionariam em distintos edifícios. Por este regulamento, o curso literário teria seis anos e seria composto ensino da linguagem articulada e leitura sobre os lábios, ensino de matemática, geografia e história do Brasil, ensino de desenho, e ensino de modelagem. No ensino profissional compreenderia, além deste ofício de modelagem, os de encadernador, de dourador, de sapateiro e de ginástica.
O ensino profissional ainda funcionava plenamente, em 1912, nas oficinas do Instituto Nacional de Surdos Mudos, tendo obtido como resultados a encadernação de 7.685 volumes, a fabricação de 173 pares de sapatos e de 96 meias solas, todos estes destinados aos alunos (RELATORIO, 1912).
Em 1915 o Instituto Nacional de Surdos Mudos tinha 51 alunos, sendo 40 pensionistas e dois contribuintes, e em 1921 haviam 30 alunos, todos pensionistas.
O decreto nº15.014, de 21 de setembro de 1921, suprimiu uma das cadeiras de linguagem articulada e leitura sobre os lábios, pois, tendo em vista o reduzido número de alunos matriculados, era conveniente a redução do pessoal docente do Instituto Nacional de Surdos-Mudos. E em 19 de outubro daquele ano, foi promulgado o decreto nº 15.054, que suprimiu um dos postos de repetidor, em função da supressão das cadeiras de linguagem articulada e leitura sobre os lábios efetivada pelo decreto anterior.
De acordo com o Relatório do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, apresentado em abril de 1922, ainda era pequeno o número de alunos aptos ao ensino pelo sistema oral puro, sendo então necessária a partir de então a substituição pelo método de ensino combinado de linguagem oral e escrita, adotado anteriormente na instituição (RELATORIO, 1922). O gabinete dentário e o consultório médico foram efetivamente instalados em 1923.
Ainda na gestão do diretor Custódio José Ferreira Martins, em 1925, funcionavam na instituição apenas duas oficinas, a de sapataria e a de encadernação. Sua gestão foi bastante criticada especialmente na imprensa, tendo sido publicada, em março de 1931, uma matéria no periódico Diario Carioca, denunciando as péssimas condições em que se encontrava aquele estabelecimento após sua administração:
“Synecurista impiedoso, o diretor Custodio Martins deixou que corresse ao léo o Instituto, ultimamente transformado em casa de pensão para alguns rapazes amigos, que ajudavam o administrador a dar ás verbas a forma fagueira dos corpos gazosos, emquanto, abandonados, sem assistência medica, sem roupa, sem escovas de dentes, sem sabão para o banho, os pequeninos párias ali internados viviam reclusos numa sala, num abandono devéras revoltante, só não morrendo á mingua porque deles se apiedavam alguns professores e funcionários conscientes, que mais não faziam porque a todas as iniciativas bemfazejas se opunha, empregando a força da inercia, o diretor”. (ADMNISTRADOR, 1931, p.12).
Foi nomeado, em 1930, como diretor da instituição, o médico otologista Armando Paiva de Lacerda, especialista na reeducação auditiva. Paiva de Lacerda, em matéria publicada no Diario Carioca, em março de 1931, assim descreveu a situação em que se encontrava a instituição quando assumiu sua direção:
“Quando assumi a direção do Instituto – disse-nos – encontrei desde o surdo-mudo verdadeiro até o imbecil, em franca promiscuidade, inutilizando qualquer esforço em beneficio do bom andamento do ensino, que deve, aliás, seguir os dois methodos: o escripto e o oral, sem que tenham contacto os alunos de um e de outro, para não haver a contaminação da mimica. Quando o Instituto deixar de ser o que actualmente é, um asylo pobre para surdos-mudos, será dividido em dois departamentos: o oral e o silencioso. O oral será destinado aos semi-surdos, semi-mudos e surdos completos de inteligência normal, entrados antes dos 9 annos de edade. O departamento silencioso, onde se empregará o methodo escripto, sem mimica, receberá os mudos completos de mais de 9 annos de edade, e os atrasados mentaes, que nenhum proveito obtém do ensino oral. (.......) Além disso, pretendemos criar a clinica otológica, reorganizar o serviço medico, no qual se estabelecerá a “ficha” completa do alumno, com a inspecção geral, anthropometrico, o exame de capacidade metal, e da capacidade auditiva”. (ADMINISTRADOR, 1931, p.12).
Durante a gestão de Armando Paiva de Lacerda foi reorganizado o serviço médico, criada uma clínica otorrinolaringológica, e instituída a ficha individual médico-pedagógica para seleção de alunos e registro da vida escolar.
A escritora e professora Cecília Benevides de Carvalho Meirelles (Cecília Meirelles) publicou, em 1931, uma série de matérias na seção “Página de Educação”, que dirigia no periódico Diario de Noticias, as quais versavam sobre os institutos de proteção e educação especializada existentes no país. A escritora assim se expressou em sua matéria em 11 de fevereiro de 1931:
“Esta Pagina, que tem feito sempre o elogio dos administradores moços de espirito – dos moços realmente trabalhadores e intelligentes – sabendo que o ministro Francisco de Campos se interessava pela reorganização do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, e conhecendo a capacidade do seu jovem e illustre director, immediatamente procurou conhecer o seu plano de reforma”. (MEIRELLES (a), 1931, p.7)
Na segunda matéria, publicada em 12 de fevereiro de 1931, Cecília Benevides de Carvalho Meirelles relatou sua visita ao Instituto Nacional de Surdos-Mudos, na rua das Laranjeiras nº82, e sua entrevista com o diretor Armando Paiva de Lacerda. Este, logo no início do encontro, teria destacado que, embora o prédio da instituição fosse grande, na realidade o Instituto Nacional de Surdos-Mudos ocupava somente a ala esquerda, e que ali também funcionavam o Juizo de Menores, a Policia de Fócos do 1º Distrito e a Comissão Rondon. Cecília Benevides de Carvalho Meirelles relatou, ainda, que após o diretor Paiva de Lacerda ter mostrado a instituição, ela pode constatar que a mesma tinha poucos alunos internados, pois muitos deles, cerca de cinquenta, encontravam-se de férias em casa.
Na terceira matéria, publicada em 14 de fevereiro na seção “Pagina de Educação” do Diario de Noticias, foram reproduzidos diversos trechos da entrevista realizada por Cecília Benevides de Carvalho Meirelles. O diretor Paiva de Lacerda teria ressaltado o fato de que o regulamento do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, em seu art. 1º, se referia à instrução literária e ao ensino profissional, o que demonstrava somente uma preocupação didática, que considerava insuficiente, pois deveria centrar-se em uma orientação médico-pedagógica. Afirmara, ainda, o diretor, que era importante entender que sendo o aluno internado naquele estabelecimento ser “positivamente, um enfermo, o processo educacional não pode deixar de ter uma intima conexão com as investigações scientificas, da alçada exclusiva da medicina especializada, no seu tríplice aspecto diagnostico-therapeutico-prophylactico” (Apud. MEIRELLLES (c), 1931, p.7). Neste sentido, as medidas pedagógicas adotadas naquele estabelecimento, segundo Armando Paiva de Lacerda, não poderiam prescindir da inspeção médica inicial, e de investigações clínicas e biológicas da sífilis hereditária nos surdos-mudos. O pediatra e o otorrinolaringologista tinham, então, importante papel a desempenhar, pois lhes incumbia o tratamento médico-cirúrgico e a profilaxia dos alunos. Ressaltou, ainda, que sem a importante colaboração da medicina a instituição não existiria.
O diretor Paiva de Lacerda, na entrevista com a escritora Cecília Benevides de Carvalho Meirelles, afirmou ainda que, tendo em vista a importância de uma educação proveitosa no Instituto Nacional de Surdos-Mudos, era necessária a promoção de uma reforma, que tivesse as seguintes bases:
“I – aumento da lotação dos alunos e sua seleção auditiva e mental, com tratamento e ducação adequados.
II – criação de varias secções educacionais.
Ao primeiro ponto, que faz parte do Serviço Sanitario, estão ligadas as seguintes necessidades: exame medico dos surdos-mudos, a cargo do otologista, para classificação da capacidade auditiva; exame da capacidade mental, a cargo de outro especialista. Com isso, se poderá organizar a ficha dos alunos, ficha que servirá de base ao critério selecionador rigorosamente scientifico, por meio do qual somente, é possível aquilatar do aproveitamento das crianças nas varias disciplinas” (Apud. MEIRELLES (c), 1931, p.7).
Paiva de Lacerda apresentou ao Ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos, um plano de reforma fundamentado nas bases acima indicadas, no qual teria destacado a necessidade da criação de um outro estabelecimento, direcionado somente para as alunas surdas-mudas, pois verificava-se à época que era comum o casamento de surdos-mudos com surdas-mudas, o que era considerado perigoso tendo em vista a etiologia da surdo-mudez (Apud. MEIRELLES (c), 1931).
O decreto nº 21.069, de 20 de fevereiro de 1932, que autorizou o Ministro da Educação e Saúde Pública a reorganizar os Institutos Benjamin Constant e Nacional de Surdos-Mudos, estabeleceu que ambas as instituições se destinavam a educar aquelas pessoas que eram privadas de visão e de audição e palavra, de forma a adequá-los à vida social e econômica, e para o preparo de especialistas nestes ramos de educação emendativa. Em seu art. 4º fixou o quadro do pessoal do Instituto Nacional de Surdos-Mudos:
Pessoal titulado: 1 diretor, 4 professores de linguagem, 1 professor de desenho, 1 professor de trabalhos manuais e desenho aplicado, 1 tesoureiro, 1 primeiro escriturário, 1 segundo escriturário, 1 médico otorrinolaringologista, 1 médico clínico, 1 porteiro.
Pessoal contratado: 1 mestre de encadernação, 1 mestre de sapataria e selaria, 1 mestre de entalhação e marcenaria, 1 mestra de costura e bordado.
Este decreto de 1932 determinou, ainda, o aumento da lotação do Instituto Nacional de Surdos-Mudos para 150 alunos, a instalação da secção feminina sob o regime de externato, e a ampliação das seções de trabalho, que seriam então oficina de encadernação, oficina de sapataria e selaria, oficina de entalhação e marcenaria, e oficina de costura e bordado. O programa de ensino proposto pelo diretor Armando Paiva de Lacerda, que defendia a separação dos alunos entre aqueles que aprenderiam a linguagem articulada e aqueles que poderiam trabalhar com a linguagem escrita, foi detalhadamente apresentado no livro “Pedagogia Emendativa do Surdo-Mudo”, publicado em 1934 por Pimenta de Mello & Cia. (FULAS, 2017).
A instituição, que então contava com 127 alunos, foi reorganizada fundamentando-se na utilização das bases científicas na educação, provavelmente por influência de Henri Wallon (1879-1962), psicólogo francês que havia sugerido a aplicação dos testes de inteligência por ocasião da visita que fizera à instituição, em 1935 (FULAS, 2017).
Em matéria publicada no Correio da Manhã, em 26 de setembro de 1933, em comemoração do 76º aniversário do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, foram relatados os melhoramentos realizados na instituição pelo Governo Provisório, como a reforma do serviço médico e otológico, e a organização do dossiê médico-pedagógico, no qual eram registrados os resultados dos exames médicos, dos testes de avaliação do quociente mental e as observações feitas durante a vida escolar. Esta matéria destacou, ainda, a criação de uma seção feminina, onde as alunas externas recebessem ensino primário emendativo, o curso de linguagem e o ensino profissional, especialmente os trabalhos de costura e bordado. As oficinas de encadernação e marcenaria da seção masculina foram ampliadas e passaram a dar lucros.
O Correio da Manhã noticiou, também, nesta edição de 26 de setembro de 1933, que para comemorar o aniversário da instituição, o diretor Armando Paiva de Lacerda havia organizado um festival com extensa programação, incluindo sessão cinematográfica, apresentações da escola de ginástica, e partidas de basquetebol e voleibol entre escolas, incluindo alunos do Instituto Nacional de Surdos Mudos.
Pelo decreto nº 14.199, de 7 de dezembro de 1943, foi aprovado um novo regimento para o Instituto Nacional de Surdos Mudos, no qual foram definidas como finalidades da instituição, além de ministrar educação a menores surdos mudos de ambos os sexos, habilitar professores na didática especial de surdos mudos, e realizar estudos e pesquisas sobre assuntos relacionados com as suas finalidades.
Quadro de médicos, dentistas, professores, repetidores e mestres da instituição (entre os anos de 1856-1930):
Médicos: A. Pereira Leitão (1864), João Pedro de Miranda (1865-1870), Ignacio Francisco Goulart (1899-1900), José de Castro Rebello (1901-1903), Adriano Duque-Estrada de Azevedo (1903-1913), Martim Francisco Bueno de Andrade (1914-1924), Oscar Trompowsky Leitão D´Almeida Junior (1929-1931).
Dentistas: Ricardo Pinto (1913-1924), Evandro Ribeiro Gonçalves (1929-1931).
Professores: Antonio de Padua Machado Junior (1865), Joaquim Ignacio da Costa Miranda Junior (1865-1870), Silvio Pellico Ferreira de Souza (1866-1870), Manoel de Magalhães Couto (1869-1871), Amelia Emilia da Silva Santos (1869-1871), João Maximiano Mafra (1871-1903), Pedro José de Almeida (1871-1885), Joaquim José de Menezes Vieira (1872-1889), Anna Mathildes Mafra (1872-1873), Leopoldina Peçanha de Magalhães (1873), Bento da Trindade Cortez (mosteiro de São Bento) (1875-1885), José Rabello Leite Sobrinho (1875-1916), Antonio Joaquim de Moura e Silva (1886-1904), Eugenio da Costa Reis (1886), Joaquim Borges Carneiro (1886-1904), Candido Jucá (1891-1918), Vicente Casali (1897), Benedicto Raymundo da Silva Filho (1897-1924; 1931), Luiz Ribeiro (1904), Julieta de França (1913-1918; 1924; 1931), Miguel Angelo Dantas Séve (1913-1931), Manoel Dantas Cavalcante Sobrinho (1913-1931), Frederico Lima (1918), João Brazil Silvado Junior (1913-1931), Duarte Santos de Vasconcelos (1918), Saul Borges Carneiro (1924-1931), Antonio Pereira Ribeiro (1931), Carlos do Carmo (1931), Manoel de Azevedo Rocha (1931).
Repetidores: Espiridião Gonsalves Trina (1864-1868), Maria Pereira de Carvalho (1864-1868), Tobias Marcellino de Lemos (1864-1868),Galdino de Magalhães Couto (1865-1868), Flausino José da Gama (1871-1878), José Rabello Leite Sobrinho (1874), Antonio C. A. Sodré (1875), Duarte Alfredo Flores (1875-1876), Bento José Gomes (1877-1879), Job Moreira de Magalhães (1878-1879), Gustavo Gomes de Mattos (1880-1889), Joaquim Gonçalves de Paula Barbosa (1880), José Camillo de Castro e Silva (1881), Viriato de Carvalho Rodrigues (1882), Benedicto (1887- 1888), Francisco Bittencourt (1887-1888), Candido Jucá (1887-1889 Olinto Campos (1883-1884),), Ignacio Lanna (1913), José de Monte (1913), Saul Borges Carneiro (1913-1918), Sylvio Vieira Martins (1913-1918), Luiz Martins Soares (1913-1915), Alfredo Dantas Cavalcanti (1913-1931), Arlindo Marcondes Carneiro (1913-1915), Alvaro Correa Paes (1918), José Silveira de Menezes (1924), Nourival de Lima Ferreira (1924), Alfredo Fonseca (1931), José Barreto de Freitas (1931), Nery Leite Guimarães (1931).
Mestres de ginástica: Paulino Francisco Paes Barreto (1874-1891), Vicente Casali (1898- 1904), Miguel Hoerkman (1906), Paulo Lamet (1913- 1918), Gustavo Moreira (1924).
Mestres de oficina de encadernação: Guilherme José Ribeiro Lima (1878-1904), Joaquim José Ribeiro Lima (1904-1924).
Mestres da douração: Carlos do Carmo (1918-1924).
Mestres da oficina de sapateiro: Antonio Pereira Ribeiro (1924), Domingos José Fernandes (1864-1865), Mariano Luiz da Costa (1913-1918).
Mestre marceneiro: Joaquim Gomes de Oliveira (1864-1865).
Mestre alfaiate: José Antonio Martins (1865).
Publicações oficiais
Em 1888, o então Instituto Nacional de Surdos Mudos criou o Almanak do Amigo dos Surdos Mudos, uma publicação destinada ao público surdo, com distribuição gratuita. Na capa do primeiro exemplar do periódico havia a expressão “Propaganda em favor de 12.550 Brazileiros! Lêde e vulgarizae”. Apresentava dados estatísticos sobre os surdos existentes no país (por províncias, grupos regionais entre homens, mulheres, cidadãos livres e escravos), textos e matérias sobre educação de surdos, informações e documentos da instituição, surdos-mudos célebres nas artes, bibliografia referente à educação de surdos, homenagens a figuras públicas, e gravuras. O Almanak do Amigo dos Surdos Mudos teve pelo menos duas edições, 1888 e 1889 (BRASIL, 2017).
Em sua primeira edição, em 1888, o Almanak do Amigo dos Surdos Mudos destacou o abade Charles-Michel de l'Epée (1712-1789), fundador da primeira escola para os surdos e mudos, na França em 1755, uma referência para o ensino de surdos e mudos, traduzindo uma de suas citações: “Ensinar o surdo-mudo a exprimir-se de viva voz e a ler a palavra sobre os lábios — é o único meio de restituil-o á sociedade. L'Abbé de l'Epée” (ALMANAK, 1888, p.5).
A publicação francesa Revue Française de L´Éducation des Sourds-Muets, criada em 1886 e dirigida por Adolphe Bélanger (1857-1939), registrou o Almanak do Amigo dos Surdos Mudos entre as obras recebidas em 1889.
Fontes
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro para o anno de 1856 fundado por Eduardo von Laemmert. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1856. [idem com esta denominação os dos anos 1857, 1858, 1859, 1860, 1862, 1862, 1863]. In:Almanak Laemmert (1844-1889). Obtido via base de dados Brazilian Government Documents do Center for Research Librairies-Global Resources Network. Capturado em 16 mar. 2017. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=313394x&pasta=ano%20185&pesq=
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Ficha técnica
Pesquisa - Maria Rachel Fróes da Fonseca.
Redação - Maria Rachel Fróes da Fonseca.
Revisão - Maria Rachel Fróes da Fonseca.
Atualização – Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.
Forma de citação
COLLEGIO NACIONAL PARA SURDOS DE AMBOS OS SEXOS. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 24 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario
Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)