SOCIEDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
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Outras denominações: Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (1829); Academia Imperial de Medicina (1835); Academia Nacional de Medicina (1889)

Resumo: A Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro foi criada em 30 de junho de 1829. Os seus estatutos, inspirados nos regulamentos da Académie de Médecine, de Paris, tinham como objetivo principal as questões de saúde pública relativas às inspeções sanitárias em geral. Pelo decreto regencial de 08/05/1835, passou a receber uma subvenção do Tesouro Público, mudando o seu nome para Academia Imperial de Medicina. A partir de então, ficou constituída por 3 seções: medicina, cirurgia e farmácia, ampliando o seu papel ao tornar-se consultora do Governo Imperial em assuntos relacionados a políticas de saúde pública, ao exercício da medicina e à comercialização de medicamentos. Com a instauração do regime republicano, passou a ser designada de Academia Nacional de Medicina. Conseguiu sua sede própria somente em 1904, à rua General Justo, 365, na cidade do Rio de Janeiro, onde permaneceu até hoje.

Histórico

A Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro foi organizada com o fim de reunir médicos para debater assuntos específicos sobre saúde e doenças humanas, e também para definir o papel desse grupo frente a questões de saúde pública e do exercício da medicina. O objetivo principal que norteou sua criação, em 30 de junho de 1829, foi o de viabilizar o crescimento das diversas áreas da medicina e ampliar a participação desses profissionais junto ao Governo Imperial em questões referentes à higiene e políticas de saúde pública.

Nesse sentido, de início a associação ficou dividida em quatro seções: vacinação, consultas gratuitas, doenças repugnantes e higiene geral da cidade do Rio de Janeiro. Dois dias da semana eram dedicados às consultas gratuitas aos indigentes, sendo doados medicamentos por um farmacêutico, membro honorário da Sociedade (DEBRET, 1940).

Por ocasião de sua fundação, ficou patente o apoio de outros municípios através dos ofícios de parabenização para ela enviados das câmaras de Angra dos Reis, Paty do Alferes, São Pedro de Cantagalo, Parati, Praia Grande (atual município de Niterói), Itaboraí e Valença (SOCIEDADE..., 1829-1830).A Sociedade, em sua constituição, sofreu influência marcante da medicina francesa. Alguns médicos brasileiros, como José Martins da Cruz Jobim e Joaquim Cândido Soares de Meirelles, estiveram presentes nos debates médicos ocorridos em Paris, nos anos de 1820, quando foi criada a Académie de Médecine de Paris. Por isso, a Sociedade foi representada em seus primeiros anos por profissionais brasileiros formados pela Faculdade de Medicina de Paris, como Joaquim Cândido Soares de Meirelles, Francisco Freire Allemão de Cysneiros, José Martins da Cruz Jobim, Francisco de Paula Cândido, além do francês José Francisco Xavier Sigaud, formado em Estrasburgo. Seus estatutos foram elaborados de acordo com os regulamentos da Académie de Médecine de Paris, cujo alvo principal eram as questões de saúde pública relativas às inspeções sanitárias em geral.

Entre maio de 1829 e abril de 1830, as primeiras sessões, que consistiram em reuniões preparatórias para a instalação da referida associação, foram realizadas nas residências dos médicos José Francisco Xavier Sigaud, na rua do Rosário, nº 185, e de Joaquim Cândido Soares de Meirelles, na rua da Cadeia, nº 161, atual rua da Assembléia, e depois na antiga rua Larga de São Joaquim, nº 170. Nessas primeiras reuniões foram discutidos os estatutos e definido o quadro de seus fundadores: Joaquim Cândido Soares de Meirelles, Luís Vicente De Simoni, José Francisco Xavier Sigaud, José Martins da Cruz Jobim, João Maurício Faivre, Jacintho Rodrigues Pereira Reis, Antônio Américo D’Urzedo, Octaviano Maria da Rosa, Cristóvão José dos Santos, Antônio Martins Pinheiro, Antônio Joaquim da Costa Sampaio, José Maria Cambuci do Valle, José Augusto Cezar de Menezes, João Alves Carneiro, Fidélis Martins Bastos, Joaquim José da Silva e José Mariano da Silva. Seu quadro de membros honorários ficou constituído inicialmente por José Bonifácio de Andrada e Silva, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, Antonio Ferreira França, Karl Friedrich Philipp von Martius e Isidore Geoffroy Saint-Hilaire.

O decreto imperial de 15 de janeiro de 1830 reconheceu oficialmente a Sociedade, aprovando os seus estatutos com a devida assinatura do Ministro dos Negócios do Império José Joaquim Carneiro Campos (Marquês de Caravelas). Instalada publicamente em 24 de abril de 1830, num salão do Hospital da Ordem Terceira de São Francisco de Paula (Travessa de São Francisco, nº1), contou com a presença do Imperador Pedro I, que compareceria também a outras sessões comemorativas da associação.

Naquele período, em 1830, foi elaborado um programa, redigido pelo secretário da Sociedade, Luís Vicente De Simoni, para a realização de concurso de memórias que tratassem de qualquer objeto de estudos médicos, principalmente sobre os meios de melhorar a saúde pública no Rio de Janeiro, cujos prêmios eram oferecidos em medalha de ouro (SOCIEDADE...,1830). Com o tempo, a definição dos assuntos sugeridos para concorrer aos prêmios passaram a ser estabelecidos nas solenidades anuais de comemoração do aniversário da Sociedade (RIBEIRO, 1872).

Pelo decreto da Regência, de 8 de maio de 1835, a Sociedade passou a denominar-se Academia Imperial de Medicina.

A partir de 1833, o tema discutido em suas sessões era a reforma dos estatutos, finalmente efetivada pelo decreto regencial de 8 de maio de 1835, assinado pelo Ministro dos Negócios do Império Joaquim Vieira da Silva e Souza. Dentre os principais pontos estabelecidos pelo decreto, destacavam-se o recebimento de uma subvenção do Tesouro Público, e conseqüentemente a mudança do seu nome para Academia Imperial de Medicina, e a criação da seção de farmácia. A partir de então, a entidade ficou dividida em três seções: medicina, constituída por 15 membros honorários, 5 titulares e 13 adjuntos; cirurgia, com 11 membros honorários, 15 titulares e 9 adjuntos; e farmácia, composta por 7 membros honorários, 11 titulares e 5 adjuntos. Cada uma delas teria sessões públicas, que deviam ser realizadas duas vezes ao mês, nas quais seriam debatidas matérias de ciência e estudo relativos à sua área específica. A mesa da Academia era formada por um presidente honorário, cargo ocupado sempre pelo Ministro do Império, um presidente temporário, um secretário geral e um tesoureiro, escolhido entre os membros titulares.

Os seus objetivos, segundo o artigo 15º desses estatutos, eram:

“responder às perguntas do Governo sobre tudo quanto pode interessar à saúde pública, e principalmente sobre epidemias e moléstias particulares de certos países, as epizootias, os diferentes casos de medicina legal (...) a propagação da vacina, os remédios novos ou secretos, os quais não poderão ser expostos ao público sem o seu exame e aprovação (...) ocupando-se além disto, de todos os objetos de estudo e de indagação que podem concorrer para o progresso dos diferentes ramos da arte de curar”.

Seu papel foi ampliado no âmbito do saber e da prática médica, tanto nos regulamentos do exercício da medicina, quanto na comercialização de medicamentos e na busca de soluções para os problemas de saúde pública. Como estabelecimento oficial da Regência, a Academia tornou-se consultora do Governo Imperial em assuntos relacionados a políticas de saúde pública até 1850, quando a responsabilidade pela legislação sanitária foi transferida para a Junta Central de Higiene Pública, órgão ligado diretamente ao Ministério do Império. No mesmo ano de 1835, ingressaram na condição de membros da seção de farmácia os farmacêuticos brasileiros Ezequiel Corrêa dos Santos, Manoel Francisco Peixoto, Juvêncio Pereira Ferreira, Francisco Felix Pereira da Costa e Estevão Alves de Magalhães, sendo a seção presidida pelo farmacêutico francês, diplomado em Paris, Jean Marie Soullié.                                     

Em 30 de junho de 1835 a Academia Imperial de Medicina comemorou seu sexto aniversário no prédio de nº 6 na Praça da Constituição (posteriormente Praça Tiradentes). A sessão solene de instalação pública deu-se em 21 de dezembro de 1835, em uma sala do Paço Imperial da cidade do Rio de Janeiro.

Ainda durante o Império, foi aprovado o regimento interno da Academia por meio do Aviso do Ministério, de 26 de outubro de 1885, que estabeleceu entre outras medidas: os eleitos para cargos acadêmicos só podiam ser escolhidos entre os membros titulares; o voto era secreto e individual e o quorum mínimo era de 15 membros; as seções poderiam responder às consultas sobre questões profissionais que lhe fossem requeridas por despacho do presidente ou por deliberação da Academia; as atas das sessões podiam ser publicadas nos jornais da Corte sem prejuízo das publicações oficiais da entidade.

Com a instauração do regime republicano, o decreto nº 9, de 21 de novembro de 1889, instituído pelo Governo Provisório, suprimiu o título “imperial” de várias instituições dependentes do Ministério dos Negócios do Interior, entre estas a Academia Imperial de Medicina, que passou a ser denominada Academia Nacional de Medicina.

A partir da República, suas funções passaram a ser divulgadas com veemência através de periódicos próprios, tendo em vista a preocupação de manter-se legitimada perante o Estado, como também consolidando sua autonomia como corporação científica (CASTRO, 1986).

Em 1897, seus estatutos foram reformados independentemente da aprovação do Governo, destacando-se as medidas que facilitaram as condições para ingresso na associação, que aboliram a exigência de apresentação de memória inédita para os membros honorários, estipulada pelo regimento interno de 1885, e a obrigação de que os candidatos fossem médicos ou farmacêuticos, bastando serem cientistas de notória proficiência.

 

Presidentes:

Os primeiros estatutos da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, que eram baseados na experiência parisiense, definiram a eleição trimestral para seus presidentes (cargo de 90 dias):

1829 - 1º trim.1830: Joaquim Cândido Soares de Meirelles;

2º trim.1830:  José Francisco Xavier Sigaud;

3º trim.1830: Cristóvão José dos Santos;

1º trim.1831: João Alves Carneiro;

2º trim.1831: Octaviano Maria da Rosa;

3º trim. 1831: José Martins da Cruz Jobim;

4º trim. 1831: Jacintho Rodrigues Pereira Reis;

1º e 2º trimestres 1832: José Francisco Xavier Sigaud;

3º trim. 1832: Francisco Freire Allemão de Cysneiros;

4º trim. 1832: Joaquim Vicente Torres Homem;

1º trim. 1833: João José de Carvalho;

2º, 3º e 4º trimestres 1833: Joaquim Cândido Soares de Meirelles;

1º e 2º trimestres 1834: Francisco de Paula Cândido;

3º e 4º trimestres 1834: José Martins da Cruz Jobim.

A partir de meados de 1835 as eleições passaram a ser anuais:

Joaquim Cândido Soares de Meirelles (1835-1838); Francisco Freire Allemão de Cysneiros (1838-1839); José Martins da Cruz Jobim (1839-1840); Francisco de Paula Cândido (1840-1842); Joaquim Cândido Soares de Meirelles (1842-1848); José Martins da Cruz Jobim (1848-1851); José Francisco Xavier Sigaud (1851-1852); Francisco de Paula Cândido (1852-1859); José Pereira Rego (Barão de Lavradio) (1855-1857); Antônio Costa (1857-1859); Manoel Feliciano Pereira de Carvalho (1859-1861); Antônio Felix Martins (Barão de São Felix) (1861-1864); José Pereira Rego (1864-1883); Agostinho José de Souza Lima (1883-1889); José Cardoso de Moura Brazil (1889-1891); Vicente Cândido Figueira de Sabóia (Visconde de Sabóia) (1891-1892); João Baptista de Lacerda (1892-1895); Agostinho José de Souza Lima (1896-1897); Antônio José Pereira da Silva Araújo (1897-1900); Agostinho José de Souza Lima e Nuno Ferreira de Andrade (1900-1901); Nuno Ferreira de Andrade (1901-1903);  Joaquim Pinto Portella (1903-1905); Antônio Augusto de Azevedo Sodré (1905-1907); Antonio Fernandes Figueira (1907-1908); Alfredo Nascimento e Silva (1908-1909); Marcos Bezerra Cavalcante (1909-1910); José Eduardo Teixeira de Souza (1910-1911); Miguel da Silva Pereira (1911-1912); Carlos Pinto Seidl (1912-1913); Miguel de Oliveira Couto (1913-1934).

Estrutura e funcionamento

A associação exerceu um papel relevante na busca do “progresso” da medicina, consolidando assim sua imagem perante a sociedade. A confirmação desse fato pode ser identificada em algumas posições de prestígio que a Sociedade ocupou. Logo no seu início, a entidade foi consultada sobre a natureza e tratamento de uma epidemia de febres que acometeu a Vila de Magé (RJ) e imediações, e que teve origem em Macacu (RJ) em 1828, estendendo-se até o ano de 1834. Como resposta à consulta, a instituição apresentou um relatório contendo os resultados dos estudos realizados sobre o estado sanitário e constituição médica das regiões atingidas, que foi publicado pelo Governo Imperial (LIMA, 1900).

Em 7 de outubro de 1830, a Câmara dos Deputados solicitou à Sociedade a elaboração de um plano de organização das escolas médicas do Império. Para isso, formou-se uma comissão especial entre os seus associados médicos: José Martins da Cruz Jobim, Joaquim José da Silva, José Maria Cambuci do Valle, Joaquim Vicente Torres Homem, Octaviano Maria da Rosa, João Maurício Faivre e Joaquim Cândido Soares de Meirelles.

O denominado “Plano de Organização das Escolas Médicas do Império”, inspirado no modelo francês, foi aceito com algumas alterações a partir da lei de 3 de outubro de 1832, através da qual as academias médico-cirúrgicas da Bahia e do Rio de Janeiro passaram a ser chamadas Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e Faculdade de Medicina da Bahia, e a ter organização idêntica, representando, então, os dois únicos estabelecimentos de ensino médico no Brasil. Além do curso médico, que deveria ter duração de seis anos, por esta lei foi criado, vinculado às faculdades de medicina, o curso farmacêutico com duração de três anos.

A Academia traduzia os preceitos do higienismo e da anatomoclínica europeus, orientados pela relação entre homem, doença e clima, para o saber e prática médicas locais. Apresentava, assim, resistência a práticas divergentes, considerando charlatães quem as exercia (EDLER, 2001). Neste sentido, a sua resistência à homeopatia foi significativa. Durante os anos de 1840, a partir da criação do Instituto Homeopático do Brasil e de sua respectiva Escola Homeopática do Brasil, os acadêmicos condenaram a prática da homeopatia e os seus procedimentos terapêuticos. O Jornal do Commercio, editado na cidade do Rio de Janeiro, divulgou neste período a polêmica que se estabeleceu entre os acadêmicos, representantes da medicina oficial, e os homeopatas que anunciavam as curas obtidas através da sua prática.

A respeito das posições tomadas pela associação, Edmundo Coelho dizia que recusando determinadas inovações revelava-se

“apenas uma das faces do projeto de hegemonia que a Academia Imperial tentava desesperadamente implementar, mas sem muito sucesso. Porque, ao fim e ao cabo, ela aspirava a ser o próprio Estado em matéria médica e de saúde pública: aconselhando, legislando, fiscalizando, julgando e executando tal como fazia o tribunal da Fisicatura de tão pranteada memória. (...). Mas não era apenas a prática da medicina que os doutores da Academia Imperial desejavam colocar numa camisa-de-força, mas igualmente o comércio de medicamentos e de drogas” (COELHO, 1999, p.128-129).

Na segunda metade do século XIX, apesar de seu papel social significativo a Academia não sustentou o prestígio institucional que a acompanhou desde sua criação, quando perdeu o papel de consultora de assuntos relacionados à saúde pública para a Junta Central de Higiene Pública. O surto de febre amarela (1849) e da cólera (1855) que acometeram a capital do Império e algumas cidades do litoral motivara a criação desse órgão governamental. A pouca expressão da Academia ficou evidente nos debates que influenciaram as reformas do ensino médico que ocorreram entre os anos de 1879 (decreto n° 7.247 de 19 de abril) e 1884 (decreto nº 9.311 de 25 de outubro), quando foram criadas as condições para a implementação de uma medicina experimental, baseada no modelo alemão. Por outro lado, naquele período, surgiram outras sociedades e periódicos médicos que intensificaram o debate científico, quebrando o monopólio exercido pela Academia até então. A partir daquelas reformas, as sociedades médicas deixaram de ser os únicos espaços para o desenvolvimento científico, e as faculdades de medicina passaram a reunir atividades de ensino e pesquisa (EDLER, 1992).

As polêmicas travadas no interior da entidade expressaram essa situação de desprestígio no decorrer dos anos de 1880, a respeito da prática da vacinação preventiva da febre amarela proposta pelo médico Domingos José Freire Junior. Diante das dificuldades de implementação de sua investigação como tratamento, Domingos Freire “passou a privilegiar, ostensivamente, o território profano, os espaços de ação e discussão extramuros, atitude condenada com veemência pelos acadêmicos” (BENCHIMOL,1999, p.93). A partir daí, Freire rompe efetivamente com a Academia, participando pela última vez da sessão de 21 de julho de 1885. Suas manifestações, no entanto, não cessaram, mas mudaram de espaço, sendo apresentadas na imprensa periódica. Todavia, um ano depois foi demitido da presidência da Junta Central de Higiene Pública, sendo substituído por João Baptista dos Santos (Barão de Ibituruna) (Op.cit., p.95).

Já em 1909, a Academia aplaudiu os resultados da pesquisa desenvolvida pelo cientista Carlos Ribeiro Justiniano Chagas, no Instituto Oswaldo Cruz, sobre moléstia produzida por um novo trypanozoma, que em homenagem ao bacteriologista e seu mestre, recebeu o nome de trypanozoma cruzi. Essa doença acometia principalmente as populações do interior dos estados de Minas Gerais, de Goiás, do antigo Mato Grosso e parte de São Paulo, apresentando uma sintomatologia que a particularizava dentre o conjunto de doenças tropicais até então estudadas. No ano seguinte, em outubro, Carlos Chagas foi admitido como membro titular da então Academia Nacional de Medicina. Em sessão solene defendeu os resultados de seu trabalho como um esforço coletivo ligado ao método de trabalho científico da medicina experimental ensinado por Oswaldo Cruz.

Entretanto, entre novembro de 1922 e dezembro de 1923, a chamada doença de Chagas foi motivo para outra polêmica, quando Júlio Afrânio Peixoto, professor de higiene da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, questionou a extensão da doença para além do território de Lassance (Minas Gerais), onde Chagas a teria localizado inicialmente. Além disso, Henrique Figueiredo de Vasconcellos, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, argumentava que a autoria da descoberta cabia a Oswaldo Gonçalves Cruz, que teria sido o primeiro a identificar o parasito causador da doença nos laboratórios de Manguinhos. Formou-se então, a pedido de Carlos Chagas, uma comissão na Academia composta por cinco membros com fins de avaliar os seus trabalhos científicos que estavam sendo questionados. Assim, Henrique Figueiredo de Vasconcellos e Paulo Figueiredo Parreiras Horta, esse último professor de parasitologia da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, apresentaram as teses críticas ao trabalho de Chagas. Em contrapartida, Clementino Rocha Fraga, professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, defendeu Carlos Chagas, utilizando como argumentação uma carta de Bento Oswaldo Cruz, na qual afirmava que seu pai Oswaldo Cruz reconhecia Carlos Chagas como descobridor da doença.

A comissão presidida por Alfredo Nascimento e Silva acabou emitindo parecer favorável a Carlos Chagas em 23 de novembro de 1923, reconhecendo sua descoberta. Manteve-se, no entanto, até os anos de 1930 o questionamento a respeito da extensão da doença por várias regiões do país. Após o falecimento de Carlos Chagas, em 1934, esse quadro mudou com os trabalhos desenvolvidos sob a coordenação de Evandro Serafim Lobo Chagas e Emmanuel Dias, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz, que vieram confirmar as teses de Chagas.

Por ocasião da comemoração do centenário da Academia, em 1929, através de discurso do seu presidente, Miguel de Oliveira Couto, ficou claro o papel atribuído à Academia Nacional de Medicina no período:

“Certamente uma sociedade sábia não é um foco de produção, um centro de pesquisas; mas é o seu reflexo, o seu espelho, a sua testemunha, e até certo ponto, pela livre controvérsia, o seu controle. A nossa centenária cumpriu fielmente esta sua função social, e quem reler as suas atas e os seus anais verá passar todo um suceder de estudos e investigações, de acertos abatidos, de erros, ao contrário (...) que voltaram a ser acertos, de grandes e pequenas descobertas, de debates e conquistas, de tudo, enfim, que assinala o percurso da medicina neste longo trato de tempo” (Apud RIBEIRO, 1984, p.13-14).

A presença da França nesse evento comemorativo, representada por membros da Academia de Medicina e professores da Faculdade de Medicina de Paris, como Anatole Marie Emile Chauffard, Emile Charles Achard e Jean Darier, demonstraram a permanência da medicina francesa como referencial importante para a Academia.

 

Sedes da instituição:

No mês seguinte à solenidade de sua primeira sessão oficial, realizada em 24 de abril de 1830, a entidade ficou sediada em um prédio alugado à Irmandade do Rosário na rua do Rosário, nº 204, sendo posteriormente transferida, em 30 de dezembro de 1830, para a Casa do Consistório da Igreja do Rosário, onde permaneceu até 1834.

A falta de uma sede própria e as mudanças freqüentes marcaram a trajetória da instituição. Deixando a Casa do Consistório da Igreja do Rosário, no período entre 1834 e 1861 ficou instalada na Escola Militar, no Largo de São Francisco. Em 14 de outubro de 1861, foi transferida para o Paço Municipal da Corte, localizado próximo ao Campo de Santana, onde ficou alocada gratuitamente. Em 1874, saiu do Paço da Câmara Municipal para ocupar o andar térreo do Recolhimento do Parto, na rua dos Ourives nº1, permanecendo aí até julho de 1899. Neste último ano, ela foi transferida para o prédio do antigo Pedagogium (Museu Pedagógico), situado na rua do Passeio. 

O século XX começou trazendo dificuldades para a associação, que ficou instalada, de 26 de dezembro de 1901 a 12 de junho de 1902, em uma casa na rua Evaristo da Veiga. De 1902 a 1903 estabeleceu-se no Liceu de Artes e Ofícios, na rua Treze de Maio, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Em 1903, o presidente da Academia, Nuno Ferreira de Andrade, solicitou ao Ministro da Justiça, José Joaquim Seabra, e ao Vice-Presidente da República, Afonso Pena, urgência na solução do problema da falta de um local próprio para a entidade. Ressaltando as glórias passadas da Academia e confrontando-as com a situação daquele momento, no seu discurso declamava que “sem lar, sem tenda, ela que há pouco abria as portas para acolher pressurosa quem lhe pedia hospedagem, viu-se agora reduzida a mendigar guarida neste templo de caridade, de educação e de ensino” (NASCIMENTO, 1929). Feita a promessa de providenciar uma instalação definitiva e própria para a Academia, logo depois a proposta se realizou. Em 5 de agosto daquele ano ela passou a funcionar temporariamente numa sala do Colégio Pedro II, no chamado Ginásio Nacional, enquanto as obras do prédio do cais da Lapa não terminavam. De 1904 a 1958 a Academia funcionou no prédio do Silogeu Brasileiro, na Praia da Lapa. Em 1953 começou a construção de sua sede própria, na Av. General Justo, nº 365. A inauguração da nova sede da então Academia Nacional de Medicina, foi em 6 de novembro de 1958, local onde permanece até hoje.

Publicações oficiais

Os periódicos publicados pela Sociedade tiveram formato, propósitos e objetivos diversificados, conforme o momento de sua criação. O primeiro deles tinha por fim divulgar as atas das reuniões na seção “Boletim da Sociedade”, e as discussões específicas de medicina na seção “Boletim Universal”, reunidas sob o título de Semanario de Saude Publica, publicado entre os anos de 1831 e 1833. Em seu primeiro número datado de 3 de janeiro, foi apresentado o objetivo da publicação, elaborado por José Francisco Xavier Sigaud:

“Se a publicidade é nas associações políticas o penhor da liberdade, nas ciências ela é sem dúvida a mais segura fiança da verdade. Os periódicos iluminam a opinião pública, espalham a instrução em todas a classes, e assim alcançam o mais louvável fim, o de ensinar aos povos, e de lhes lembrar por uma continua repetição, e por uma lição diária os seus direitos, e os seus deveres. (...) propagam as luzes, anunciam as descobertas, e tornam-se úteis ao maior número dos homens que estudam, (...) os sábios de todas as nações se compreendem, e comunicam entre si pelo simples intermédio dos jornais. Quando a Vacina, nos últimos anos (...) foi importada da Grã-Bretanha (...) bastaram as correspondências dos professores, e as experiências e observação dos homens da arte consignados nos jornais de medicina (...)”. (PLANO, 1831, p.1)

O periódico teve como redatores Fidélis Martins Bastos e José Maria Cambuci do Valle.

Em abril de 1835, a Sociedade lançou a Revista Medica Fluminense, que circulou até 1841. Foram publicados seis volumes: 1º volume (1835-1836); 2º vol. (1836-1837); 3º vol. (1837-1838); 4º vol. (1838-1839); 5º vol. (1839-1840); 6º vol. (1840-1841). Publicada mensalmente, de abril a março, apresentava índice e era constituída por transcrição de sessões da corporação, artigos específicos sobre a saúde humana e sobre as condições da medicina brasileira. Teve como redatores Joaquim Cândido Soares de Meirelles, José Martins da Cruz Jobim, Emílio Joaquim da Silva Maia, José Bento da Rosa e José Pereira Rego.

Em maio de 1841, o nome do periódico foi alterado para Revista Medica Brasileira e passou a ter o subtítulo de Jornal da Academia Imperial de Medicina, com o intuito de reforçar as mudanças de formato, volume e melhorias materiais, já que a Academia passou a designar uma parte de sua arrecadação para a publicação. Os artigos passaram a ser subdivididos em três partes. A primeira, intitulada “Revista Médica Brasileira”, continha os artigos sobre doenças; a segunda, “Academia Imperial de Medicina”, apresentava pesquisas médicas dos membros da Academia; e a terceira parte, “Variedades e Novidades Médicas”, reunia as transcrições de artigos estrangeiros e matérias recebidas de médicos de todo país. Foram publicados dois volumes da Revista Medica Brasileira que abrangiam os meses de maio a abril: 1º volume (1841-1842) e 2º volume (1842-1843). A publicação teve como redatores Emílio Joaquim da Silva Maia, José Pereira Rego, José Miguel Pereira Cardoso, Cláudio Luiz da Costa, José Pedro de Oliveira e José Manoel do Rosário.

A Academia não publicou nada por dois anos até a retomada com os Annaes de Medicina Brasiliense, em 1845, impresso na Typographia de Francisco de Paula Brito. Adotando novo formato, o periódico agora era apresentado em duas partes: a primeira com as atas e trabalhos da Academia e a segunda com artigos de medicina, cirurgia, farmácia, ciências naturais e comunicados da área, em geral. Sob esta denominação, publicou 4 volumes: 1º volume: (1845-1846 – de junho a maio); 2º volume (1846-1847 - de junho a maio); 3º volume: (1847-1848 – de junho a maio) e 4º volume (1848-1849 – de junho a junho). Seus redatores e colaboradores foram Francisco de Paula Cândido, Roberto Jorge Haddock Lobo, José Pereira Rego, Antonio Correia de Souza Costa, José Maria de Noronha Feital, Luís Vicente De Simoni, Robert Christian Avé Lallemant, Domingos Marinho de Azevedo Americano, Antônio José Pereira das Neves e Manoel José Barbosa.

A partir de outubro de 1849, a publicação recebeu o nome de Annaes Brasilienses de Medicina, quando houve uma predominância de artigos estrangeiros no conjunto das matérias publicadas. Sob esta denominação, deu-se continuidade à publicação de mais 32 volumes, compreendendo cada um de 11 a 12 números. 

Entre 1885 e 1906, houve uma nova mudança na publicação que passou a denominar-se Annaes da Academia de Medicina, transcrevendo estatutos, relatórios e discursos da Academia, e lançando memórias escritas por médicos, seja sobre assuntos médicos ou sobre a classe médica. Teve como redatores Affonso Pereira Pinheiro, Fernando Francisco da Costa Ferraz, Francisco de Castro, Agostinho José de Souza Lima, Alfredo Piragibe, Antônio José da Silva Rabello, Carlos Pinto Seidl, Alfredo da Graça Couto, João Ferreira da Silva, Aureliano Werneck Machado e Francisco de Paula Guimarães. Além desse periódico, havia também o Boletim da Academia Nacional de Medicina, que circulou de 1885 a 1897, sendo quinzenal e somando 12 volumes, com publicações sobre as atas das sessões.

Fontes

- ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA. Em comemoração do ensino médico. Rio de Janeiro: Typ. Jornal do Commercio, 1908.            (BN

- ACADEMIA NACIONAL DE MEDICINA. História. Capturado em 8 out. 2020. Online. Disponível na Internet: https://www.anm.org.br/historia/

- [A COMMISSÂO de Estatutos].Revista Medica Fluminense, Rio de Janeiro: Typ. Astria Fluminense de Brito e C., vol I, n.8, p.7, nov. 1835. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Hemeroteca Digital Brasileira.Capturado em 5 ago. 2020. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.br/DocReader/341622/322    

- BRASIL. Decreto de 15 de janeiro de 1830. In: SENADO FEDERAL. Portal Legislação.  Capturado em 5 ago. 2020. Online. Disponível na Internet: http://legis.senado.leg.br/norma/375522/publicacao?tipoDocumento=DEC-sn&tipoTexto=PUB

- BRASIL. Lei de 3 de outubro de 1832. In: SENADO FEDERAL. Portal Legislação.  Capturado em 5 ago. 2020. Online. Disponível na Internet: http://legis.senado.leg.br/norma/573005/publicacao?tipoDocumento=LEI-sn&tipoTexto=PUB

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Ficha técnica

Pesquisa - Alex Varela, Andréa Lemos Xavier, Verônica Pimenta Velloso

Redação - Alex Varela, Verônica Pimenta Velloso, Andréa Lemos Xavier

Consultoria – Luiz Otávio Ferreira.

Revisão – Francisco José Chagas Madureira.

Atualização – Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.

Forma de citação

SOCIEDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 21 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario


Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)