LABORATÓRIO DE FISIOLOGIA EXPERIMENTAL
Denominações: Laboratório de Fisiologia Experimental (1880); Laboratorio de Physiologia Experimental (1880); Laboratório de Biologia do Ministério da Agricultura (1891)
Resumo: O Laboratório de Fisiologia Experimental foi fundado em 1880, anexo ao Museu Imperial e Nacional, na cidade do Rio de Janeiro, e era dirigido pelo médico francês Louis Couty e pelo também médico João Baptista de Lacerda. O programa inicial, apresentado por Couty, incluía estudos experimentais sobre o veneno de animais, plantas tóxicas e alimentícias, fisiologia do clima, do café, da erva-mate, do álcool da cana, e também sobre doenças de animais e seres humanos e fisiologia do cérebro estudada em macacos.
Histórico
O Laboratório de Fisiologia Experimental foi criado, em 1880, anexo ao Museu Imperial e Nacional, durante a gestão de Ladislau de Souza Mello Netto como diretor à frente dessa instituição.
Em seu livro “Le Musée National de Rio de Janeiro et son influence sur les sciences naturelles au Brésil”, publicado posteriormente em 1889, Mello Netto relatou a criação do Laboratório de Fisiologia Experimental, afirmando que, em decorrência dos trabalhos desenvolvidos por João Baptista de Lacerda Filho (João Baptista de lacerda), subdiretor de seção de zoologia do Museu Imperial e Nacional, decidiu estudar o projeto de um grande laboratório de fisiologia experimental, onde esses trabalhos sobre os venenos das serpentes e outras substâncias tóxicas pudessem ter um campo vasto de aplicação. Neste sentido, teria consultado o médico e fisiologista francês Louis Couty (1854-1884), que havia sido contratado pelo governo imperial para ensinar biologia industrial na Escola Politécnica, no Rio de Janeiro, com relação ao material que precisaria ser adquirido na Europa e a tudo que precisaria ser feito no local onde seria instalado o laboratório. E assim teria sido criado “le premier laboratoire de physiologie, monté convenablement, ce qui nous permit d´expérimenter avec des instruments encore tout nouveaux et dont quelques-uns étaient à peine connus même em Europe” (LADISLAU NETTO, 1889, p.45).
Louis Couty, em um artigo intitulado “Os estudos experimentais no Brasil”, publicado na Revista Brazileira. Jornal de Sciencias, Lettras e Artes, em 1879, comentou sobre o desenvolvimento científico no Brasil, especialmente sobre o estágio dos estudos fundados na observação e na experiência. Neste sentido, comentou sobre a transição dos estudos científicos puramente teóricos e especulativos para os estudos práticos e experimentais, e o significado dos laboratórios neste processo:
“Os moços estudiosos, que hão de vir a ser investigadores, experimentadores, e alguns seguramente grandes homens de sciencia, deverão desde logo ser atraídos a esses laboratórios, cujos trabalhos, muitas vezes ingratos e obscuros, reclamam sempre longo tirocínio sem gloria nem proveito. (..........................................................).
É preciso que no Brazil, com na Europa, todas as classes instruídas e amantes do progresso cheguem a compreender a utilidade, a importância intellectuale scientifica das investigações pacientes do laboratório; (......). É preciso que o conhecimento dos methodos experimentaes e dos problemas que por elles se resolvem faça parte da educação media com o mesmo titulo que os demais conhecimentos literários e scientificos.” (COUTY, 1879, p.233)
Ladislau de Souza Mello Netto, diretor do Museu Imperial e Nacional, encaminhou, em 29 de outubro de 1879, um ofício solicitando a criação deste laboratório, ao qual agregou um relatório de Louis Couty sobre o material necessário para tal fundação (Apud. GOMES, 2009, p.95). Neste documento, Mello Netto afirmou que o laboratório de fisiologia experimental não seria apenas uma oficina de experimentação e exame dos males que afetavam as plantas econômicas do país, mas “uma escola pratica, onde práticos se farão sobre a direção esclarecida do ilustrado Sr. Dr. Louis Couty muitos brasileiros para cuja habilitações é forçoso confessar, não bastam aos cursos de nossas Escolas Superiores” (Apud. GOMES, 2009, p.95).
No relatório elaborado por Louis Couty, foram identificados os equipamentos necessários para o funcionamento do Laboratório de Fisiologia Experimental como: quimógrafo de Marey; esfigmógrafo, polígrafo de Chauveau, aparelho de estimulação elétrica de Du Bois-Reymond, hemodinamômetro de Carville, respeirador artificial, máquina pneumática, espectroscópio, pletismógrafo de Mosso, dois microscópios, lupas, contador de glóbulos, calorímetro de Malassez, analisador de gás do sangue, trompa d´Alvergnat, balanças de precisão, e estufas d´Arsonval (Apud. GOMES, 2009, p.106).
A historiadora Ana Carolina Vimieiro Gomes destaca que a fisiologia, na época de criação do Laboratório de Fisiologia Experimental, “era uma disciplina que deveria ser praticada a partir da vivissecção em animais, sob condições experimentais rigorosamente controladas e, consequentemente, por meio da utilização de sofisticados instrumentos de intervenção no organismo, de medição e registro dedados” (GOMES, 2009, p.90).
Com o objetivo de avaliar a proposta de criação deste laboratório, o Imperador Pedro II e Manoel Buarque de Macedo, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, realizaram, em 1879, uma visita ao Museu Imperial e Nacional. Nesta oportunidade, ambos manifestaram o apoio para o projeto, para a compra dos instrumentos e para a reforma do Museu, para possibilitar a instalação do referido laboratório.
Assim, com recursos advindos do Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em torno de 13.260 francos, “foram trazidos da França, encomendados por Couty junto aos melhores fornecedores de livros e equipamentos médicos, e construtores de instrumentos científicos da França, uma série de aparatos e instrumentos, livros e periódicos necessários para a instalação e funcionamento das pesquisas no Laboratório” (GOMES, 2015, p.34)
Em 1880, Manoel Buarque de Macedo, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, comentou, em seu relatório, que seu antecessor, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbú, havia deliberado, no final de 1879, pela criação do Laboratório e Fisiologia Experimental, e “para este fim não só fez para a Europa a encomenda de aparelhos, instrumentos e livros, commettendo-a aos cuidados da Legação Imperial em Paris, mas ordenou reparações no edifício, indispensáveis á organização do mesmo Laboratorio” (MACEDO, 1880, p.150).
Neste mesmo relatório do Ministério de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, de 1880, Ladislau de Souza Mello Netto, diretor do Museu Imperial e Nacional, apresentou seu relatório, destacando a fundação do Laboratório de Fisiologia Experimental:
“Era de toda a conveniência e constituira-se de há muito tempo objectivo constante da expectativa dos profissionais do paiz um laboratório bem organizado, onde se pozesse em prática toda a vasta serie de experiencias physiologicas que exornam actualmente as investigações mais adiantadas e mais modernas dos organismos dos dous reinos orgânicos nas suas correlações entre si. Esta laboratório creou-o o honrado antecessor de V. Ex., o Illm. E Exm. Sr. Conselheiro João Lins Vieira Cansansão de Sinimbú, dando-lhe o acertado e justíssimo nome de laboratório de physiologia experimental. Accresce ainda que a creação deste laboratório teve a grande vantagem da oportunidade, pois coincidiu com o intento em que se achava o Governo Imperial de utilizar-se das habilitações do ilustrado physiologista Dr. Luiz Couty, lente contractado para a cadeira de Biologia Industrial da Escola Polytechnica desta Côrte. Acha-se actualmente quase prompto o referido laboratório que pela sua natureza, não menos que pela praxe admitida por mim neste Museu, deverá servir de campo de utilíssimas investigações não só aos empregados do Museu, mas também a quantos profissionais estranhos á repartição se queiram utilizar de tão profícua instituição. Deve auxiliar o Sr. Dr. Couty e cooperar com ele nos trabalhos deste novo laboratório o Sr. Dr. Lacerda, subdiretor da secção de Zoologia, a quem caberá sempre a glória de haver iniciado entre nós as investigações physiologicas de que em grande parte se deverá ocupar o laboratório de physiologia experimental do Museu”. (LADISLÁO NETTO, 1880, p.12)
Ao ser criado, o Laboratório de Fisiologia Experimental funcionou anexo ao Museu Imperial e Nacional, com a previsão de esta provisoriedade permaneceria até que o Poder Legislativo, autorizado, pelo Governo Imperial, lhe conferisse um caráter permanente (GOMES, 2009, p. 121)
O Laboratório de Fisiologia Experimental, ao ser fundado, teve como primeiro diretor o médico francês Louis Couty, e como subdiretor o também médico João Baptista de Lacerda Filho.
Louis Couty, que havia frequentado os laboratórios do médico francês Edmé Felix Alfred Vulpian (1826-1887) e do fisiólogo britânico Charles-Édouard Brown-Séquard (1817-1894), estava nesta época lecionando biologia industrial no curso de ciências naturais na Escola Politécnica, no Rio de Janeiro. Desde sua chegada ao país, Louis Couty teria tido oportunidade de visitar várias fazendas no sul do país, e assim se envolvido com o estudo de diferentes culturas agrícolas no país, como o mate, e o charque. Entre suas obras, destacam-se “A Escravidão no Brasil” (1881) e “O Brasil em 1884: esboços sociológicos” (1884). Entretanto, sua experiência na Escola Politécnica não estava sendo totalmente de seu agrado, por considerar inadequadas as condições de trabalho ali presentes. Foi, então, aconselhado a conhecer os trabalhos e estudos experimentais realizados no Museu Imperial e Nacional, especialmente os de João Baptista Lacerda com suas experiências sobre o veneno de cobras e também sobre outras substâncias tóxicas. Louis Couty, então, ao visitar o Museu Imperial e Nacional, manifestou seu interesse em associar-se aos trabalhos experimentais ali realizados, e constituir ali um centro de investigações científicas, as quais não poderiam ser efetuadas em outro local senão naquela instituição. Sua proposta foi aceita, e assim ele trouxe seus aparelhos e instrumentos, e lhe foi prometida a permissão do diretor do Museu para instalar o laboratório em um pátio do segundo pavimento (LACERDA, 1905).
O médico João Baptista de Lacerda Filho, formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, com a tese intitulada “Das indicações e contra-indicações da digitalis no tratamento das moléstias dos apparelhos circulatorio e respiratorio” (1870), havia ingressado no Museu Imperial e Nacional desde 1876, e atuava como subdiretor da seção de Antropologia, Zoologia e Etnografia.
Em 1891, pelo decreto nº 1.314, de 17 de janeiro, a entidade foi reorganizada como Laboratório de Biologia do Ministério da Agricultura, separada do Museu e colocada num prédio provisório na Rua do Senado, com o objetivo de realizar estudos e pesquisas científicas sobre doenças que atacavam animais, além de preparar e fornecer vacina anticarbunculosa.
Diretores e subdiretores:
Louis Couty - diretor, 1880-1884.
João Batista de Lacerda Filho - subdiretor, 1880-1884; diretor, 1884 -1891.
Estrutura e funcionamento
O Laboratório de Fisiologia Experimental, criado, em 1880, anexo ao Museu Imperial e Nacional, apresentava um quadro de pessoal formado por um diretor, um subdiretor, e pesquisadores assistentes como preparadores e praticantes.
Foi instalado, ocupando dois grandes salões no pavimento térreo do edifício antigo do Museu Imperial e Nacional, e equipado com:
“Dois aquários, iluminados com a luz do gaz, biotério, um bom cabedalde instrumentos de observação, numerosos aparelhos registradores de Marey e de Ludwig, foles para fazer-se a respiração artificial, aparelhos de contensão, machinas deextrahir os gazes do sangue, thermometros, microscópios, spectroscopio, aparelhos electricos, balanças de precisão, estufas, vasilhame de cobre e de vidro, reactivos chimicos, uma collecção de alcaloides tóxicos, etc., (.....). Fez-se a canalização de agua e de gaz. Installou-se um motor a gaz para impelir os aparelhos de respiração artificial, e num gabinete ao lado do grande salão ficou montada a bibliotheca”. (LACERDA, 1905, p. 110).
Em um artigo, intitulado “Os estudos experimentais no Brasil”, publicado na Revista Brazileira. Jornal de Sciencias, Lettras e Artes, em 1879, Couty comentou sobre o desenvolvimento científico no Brasil, especialmente sobre o estágio dos estudos fundados na observação e na experiência. Neste sentido, comentou sobre a transição dos estudos científicos puramente teóricos e especulativos para os estudos práticos e experimentais, e o significado dos laboratórios neste processo:
“Os moços estudiosos, que hão de vir a ser investigadores, experimentadores, e alguns seguramente grandes homens de sciencia, deverão desde logo ser atraídos a esses laboratórios, cujos trabalhos, muitas vezes ingratos e obscuros, reclamam sempre longo tirocínio sem gloria nem proveito. (..........................................................).
É preciso que no Brazil, com na Europa, todas as classes instruídas e amantes do progresso cheguem a compreender a utilidade, a importância intellectuale scientifica das investigações pacientes do laboratório; (......). É preciso que o conhecimento dos methodos experimentaes e dos problemas que por elles se resolvem faça parte da educação media com o mesmo titulo que os demais conhecimentos literários e scientificos.” (COUTY, 1879, p.233)
O programa inicial do Laboratório de Fisiologia Experimental, apresentado por Louis Couty, incluía: - estudos experimentais sobre o veneno de animais;
- plantas tóxicas e alimentícias;
- fisiologia do clima;
- café, mate, álcool da cana;
- doenças dos homens e dos animais;
- fisiologia do cérebro, estudada em macacos.
Esse plano, nos anos seguintes, foi posto em ação e estudos foram desenvolvidos sobre todos esses temas, além de continuarem as experiências com o curare, que foram publicadas no periódico francês Archives de Phisiologie Normale et Pathologique, em 1880, aproveitando as diferentes amostras de que dispunha o Museu, procedentes de diferentes nações indígenas (COUTY; LACERDA, 1880).
Louis Couty realizou estudos sobre a erva-mate, sobre a conservação de carnes salgadas e analisou a fisiologia do sistema nervoso. João Baptista de Lacerda Filho, por sua vez, estudou o beribéri. Já Eduardo Augusto Ribeiro Guimarães, preparador do Laboratório, e autor da tese de doutoramento “Do uso e abuso do café” (1882), analisou as propriedades fisiológicas e tóxicas de algumas plantas como o cafeeiro e a carqueja.
Investigadores que não faziam parte do corpo de pesquisadores do Museu Imperial e Nacional também iam ao Laboratório realizar suas pesquisas. Este foi o caso de Francisco Marques de Araújo Goes, que trabalhou três anos no Laboratório investigando a natureza e causa da tuberculose e da febre amarela. Vários estudantes da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro também se utilizaram dos aparelhos do Laboratório para assunto de suas teses, como foi o caso de Francisco Maria de Mello e Oliveira que investigou as propriedades da quina e de outras plantas tônicas do Brasil.
O Laboratório de Fisiologia Experimental foi, igualmente, um espaço de formação, onde vários alunos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro lá estiveram para realizar as pesquisas para suas teses. Eduardo Augusto Ribeiro Guimarães, que se tornou preparador do Laboratório de Fisiologia Experimental, realizou ali as pesquisas para sua tese “Do uso e abuso do café”. E também ali estiveram outros alunos daquela faculdade, como Almir Parga Nina, autor da tese “Indicações e contra-indicações da pereirinha e seus sais nas manifestações agudas da malária” (1883), e Francisco Maria de Mello Oliveira, com a tese “Vegetaes tonicos brasileiros" (1883).
Os trabalhos mais relevantes que iriam projetar o nome de João Baptista de Lacerda Filho e, consequentemente, o do Laboratório do Museu foram seus estudos relativos ao que se acreditava ser a ação neutralizante do permanganato de potássio sobre o veneno dos ofídios. Lacerda, após inúmeras experiências bem sucedidas, acreditava ter descoberto o tão valioso antídoto. Para comprovar o fato, foi realizada a experiência, em 11 de julho de 1881, com a presença do Imperador Pedro II, de autoridades da Corte e de professores de escolas superiores, tendo sido obtido êxito, conforme noticiado no Jornal do Commercio, em sua edição de 13 de julho de 1881 (ANTIDOTO, 1881, p.1).
A visita do Imperador Pedro II, e demais autoridades, ao Laboratório de Fisiologia Experimental, em 11 de julho de 1881, também foi relatada, de forma detalhada, por João Baptista de Lacerda Filho, em seu livro “Fastos do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Recordações históricas e scientificas fundadas em documentos authenticos e informações verídicas”, publicado em 1905 (LACERDA, 1905, p.118-120).
As experiências realizadas no Laboratório de Fisiologia Experimental despertaram muito interesse e reconhecimento, como foi manifestado pelo Senador Manoel Francisco Corrêa, coordenador das Conferências Populares da Glória, realizadas nas escolas públicas da freguesia da Glória, no Rio de Janeiro. Durante a conferência realizada, no dia 17 de julho de 1881, Manoel Francisco Corrêa manifestou sua satisfação em saudar João Baptista de Lacerda Filho pelo grande benefício da sua descoberta de um antidoto contra a peçonha das cobras, a qual “o estrangeiro repetirá d´ora em diante com reconhecimento o nome do benemérito brasileiro”, um “infatigável obreiro da sciencia” (Apud. LACERDA, 1905, p.120-121).
Para João Baptista de Lacerda Filho, a principal realização do Laboratório de Fisiologia Experimental foi a descoberta da ação neutralizante do permanganato de potássio sobre o veneno dos ofídios:
“A repercussão dessa descoberta, que encerrava no seu seio a previsão de grandes benefícios á humanidade, transpoz as fronteiras da pátria, e chegou até os mais remotos paizes do mundo civilizado. Nunca a atenção dos sábios, em terras estrangeiras, sentiu-se tão fortemente attrahida para as conquistas da sciencia no Brazil, como na e´poca em que foi divulgada essa descoberta. A imprensa da França, da Italia, da Inglaterra, da Russia, da Belgica e da India (Singapura) ocupou-se do assumpto com um interesse e uma solicitude que denotavam o gráo de importância que, naqueles paizes, se ligava á descoberta realizada no Brazil” (LACERDA, 1905, p.114)
O interesse em conhecer o valor da descoberta surgiu, também, fora do Brasil, em países europeus, especialmente na Inglaterra. De acordo com João Batista de Lacerda FIlho, foi na Inglaterra, inclusive, que teria surgido, também, controvérsias e questionamentos com relação ao permanganato de potássio como antidoto da peçonha das cobras (LACERDA, 1905, p.122).
Esta experiência também foi objeto de uma nota concisa de seus resultados que foi apresentada na Académie des Sciences de Paris, em 20 de fevereiro de 1882. Pensou-se, inclusive, em realizar lá as experiências de verificação que concederiam a João Baptista de Lacerda Filho sua consagração científica, o que, no entanto, foi desautorizado por Louis Couty que, repetindo, por sua vez, os experimentos de Lacerda Filho e alterando certos procedimentos específicos, chegou a resultados negativos. Lacerda Filho afirmava que a atitude de Couty nessa disputa científica fora toda ela “eivada de despeito e de espírito de rivalidade”. Louis Couty por sua vez considerava precipitadas as conclusões de João Baptista de Lacerda.
Naquela época, o Laboratório apresentava alguns problemas relacionados a uma certa autonomia financeira que o mesmo possuía, e que, muitas vezes, Ladislau de Souza Mello Netto contestava, julgando que Louis Couty e Lacerda Filho exorbitavam, já que o Regulamento de 1880 havia subordinado a instituição à 1ª seção do Museu e suprimido seus cargos especiais. Ladislau Netto, segundo João Baptista de Lacerda Filho, via com “maus olhos” a organização do Laboratório independentemente do Regulamento Geral do Museu, e com verbas especiais.
As experiências e os estudos sobre a ação do permanganato de potássio sobre o veneno dos ofídios realizados no Laboratório de Fisiologia Experimental foram retratadas na publicação da obra “Leçons sur le venin des serpents du Brésil et sur la méthode de traitement des morsures venimeuses par le permanganate de potasse”, de João Batista de Lacerda, publicada em Paris, em 1884 (LACERDA, 1884).
Couty faleceu em 22 de novembro de 1884, com trinta anos de idade, e João Baptista de Lacerda Filho assumiu então a direção do Laboratório de Fisiologia Experimental. A partir de 1886, após as descobertas de Louis Pasteur, os estudos sobre as doenças humanas e dos animais passaram a merecer crescente atenção por parte dos especialistas em todo o mundo. O Laboratório do Museu também seguiu essa nova orientação, em que ganhavam destaque os estudos dos seres microscópicos, e tendo recomposto seu material técnico, tornou-se um laboratório bacteriológico. Sob a nova ótica, Lacerda Filho realizou estudos sobre o beribéri, a peste de cadeira dos eqüinos e a peste de mangueira dos bovinos. Grande parte dos trabalhos realizados no Laboratório foram registrados por Lacerda nos Archivos do Museu Nacional e em outras publicações nacionais e estrangeiras.
Segundo João Batista de Lacerda Filho, diretor do Laboratório de Fisiologia Experimental, desde 1886 a atenção dos cientistas tinha se voltado para o estudo das causas das moléstias do homem e dos animais, suscitada especialmente pelas descobertas de Louis Pasteur (1822-1895). Neste contexto, o microscópio havia se tornado o principal instrumento, e o Laboratório de Fisiologia Experimental procurou acompanhar estas novas orientações, recompondo seu material técnico de modo a funcionar, igualmente, como um laboratório bacteriológico, um laboratório de biologia. E, então, foram ali realizados sobre o beribéri, a febre amarela, a peste de cadeiras dos equinos, a peste de manqueira dos bovinos e a peste dos suínos (LACERDA, 1905, p. 132).
Pelo art. 26 do decreto nº 379 A, de 8 de maio de 1890, o laboratório de fisiologia experimental foi desligado do então denominado Museu Nacional, e foram revogados os arts. 1 e 11 do decreto nº10.418, de 30 de outubro de 1889, que havia organizado o serviço da vacinação anticarbunculosa, e estabelecido que o Laboratório de Fisiologia Experimental, do Museu Nacional, seria responsável por estudos práticos de fisiologia e bacteriologia, estudo da moléstia dos animais domésticos, encarregado de preparar e fornecer a vacina anticarbunculosa, e mesmo sendo anexado ao Museu Nacional ficaria independente de sua administração geral.
Pelo decreto nº 1.314, de 17 de janeiro de 1891, o Laboratório de Fisiologia Experimental foi separado do Museu Nacional, e transformado em Laboratório de Biologia do Ministério da Agricultura, tendo como atribuições:
“Art. 2º Nesse laboratorio se procederá a estudos e pesquizas scientificas com relação ás doenças que atacam os animaes, especialmente aquelles que constituem objecto da industria pastoril, procurando conhecer a origem e causa dellas, assim como os meios de debellal-as.
Art. 3º O estudo das doenças que acommettem as plantas uteis, cultivadas no Brazil, ficará tambem a cargo do mesmo laboratorio.
Art. 4º Fica o mesmo laboratorio encarregado de preparar e fornecer a vaccinação anti-carbunculosa ao Governo Federal para satisfazer ás requisições dos Estados, em proveito de estabelecimentos publicos.
Art. 5º O laboratorio preencherá as funcções de instituição consultiva do Ministerio da Agricultura, em todas as questões relativas ás doenças que atacam os animaes e as plantas.
Art. 6º Poderão ser estudadas no mesmo laboratorio as propriedades de plantas do Brazil, que tenham applicação á medicina ou á indústria”. (BRASIL, Decreto, 1891)
Nesta nova organização, o diretor do laboraório seria nomeado por decreto, o assistente, por portaria do Ministério da Agricultura, e o pessoal se regerá pelas disposições do regulamento da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura.
Em 1896, com a verba para o Laboratório tendo sido suprimida pelo governo, João Baptista de Lacerda Filho levou de volta o material do Laboratório para o Museu.
O médico João Baptista de Lacerda Filho, que foi diretor do Laboratório de Fisiologia Experimental, de 1884 a 1891, e do Museu Nacional, entre 1895 e 1915, ressaltou, no prólogo de sua obra “Fastos do Museu Nacional do Rio de Janeiro”, o significado do Laboratório de Fisiologia Experimental:
“Provam os documentos, que ficaram archivados em numerosas revistas nacionais e estrangeiras, que esse laboratório foi o arauto que anunciou ao mundo o advento da sciencia experimental no Brazil. Expender o que ele produziu, os trabalhos que nelle foram executados, e as contribuições que ele prestou a vários ramos das sciencias biológicas, é uma obrigação á qual não nos podemos furtar, por complemento deste livro” (LACERDA, 1905, p.IV).
Fontes
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- BRASIL. Decreto n° 10.418, de 30 de outubro de 1889. In: SENADO FEDERAL. Portal Legislação. Capturado em 22 set. 2020. Online. Disponível na Internet:
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- BRASIL. Decreto nº 1.314, de 17 de janeiro de 1891. In: SENADO FEDERAL. Portal Legislação. Capturado em 22 set. 2020. Online. Disponível na Internet:
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- MASCARENHAS, Maria Amélia Dantes. Institutos de Pesquisa Científica no Brasil In: FERRI, Mário Guimarães; MOTOYAMA, Shozo (Orgs.). História das Ciências no Brasil. São Paulo: Edusp, CNPq, EPU, 1979-1980. v.2. (BCOC)
- SANTOS FILHO, Lycurgo de Castro. História Geral da Medicina Brasileira. São Paulo: Hucitec, 1988. (BCCBB)
Ficha técnica
Pesquisa - Alex Varela.
Redação - Verônica Pimenta Velloso, Maria Rachel Fróes da Fonseca.
Revisão - Francisco José Chagas Madureira.
Atualização – Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.
Forma de citação
LABORATÓRIO DE FISIOLOGIA EXPERIMENTAL. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 24 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario
Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)