LABORATÓRIO DE BACTERIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
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Denominações: Laboratório de Bacteriologia do Estado de São Paulo (1892); Instituto Bacteriológico do Estado de São Paulo (1893); Instituto Adolfo Lutz (1940)

Resumo: O Laboratório de Bacteriologia do Estado de São Paulo foi previsto pela lei estadual nº43, de 18/07/1892, que organizou o Serviço Sanitário do Estado de São Paulo. O Laboratório foi instalado inicialmente nas salas do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, à rua Direita nº25, na cidade de São Paulo. O seu primeiro regulamento, aprovado em 1893, estipulou que ele ficasse subordinado à Secretaria do Interior, sendo supervisionado e fiscalizado pela Diretoria de Higiene, tendo como fim o estudo de microscopia e microbiologia em geral, o estudo da etiologia das epidemias, endemias e epizootias mais frequentes, e também o preparo, acondicionamento e remessa dos produtos necessários à vacinação preventiva e aplicações terapêuticas. Em 1893, passou a denominar-se Instituto Bacteriológico do Estado de São Paulo, e em 1940 tornou-se o Instituto Adolfo Lutz.

Histórico

A partir da segunda metade do século XIX, com o crescimento dos centros urbanos e o deslocamento maior de populações viabilizado pelo desenvolvimento dos meios de transporte, houve uma propagação de diversas doenças transmissíveis, com epidemias frequentes, que atingiram as zonas urbana e rural da então província paulista. A inexistência de uma estrutura médica e sanitária capaz de responder a estes problemas, facilitou essa situação, afetando o desenvolvimento econômico que se baseava na cafeicultura e na mão-de-obra do imigrante. 

Através da legislação central e provincial percebe-se as modificações que foram estabelecidas na tentativa de minimizar esses problemas. De acordo com o decreto do Governo Imperial, de 3 de fevereiro de 1886, que reorganizou o serviço sanitário do país, os serviços sanitários terrestres ficaram subordinados à Inspetoria Geral de Higiene, com sede na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império. Foi criada então, em 11 de março de 1886, a Inspetoria de Higiene Provincial de São Paulo, subordinada ao órgão superior já citado. Essa repartição, no entanto, funcionou precariamente sem receber quaisquer recursos financeiros do governo, sendo instalada no consultório do médico Marcos de Oliveira Arruda, que ocupou o cargo de inspetor geral. Além do inspetor, havia os cargos de ajudantes médicos e de delegados de higiene, no caso das cidades maiores. 

Com a instauração da República e a promulgação de sua primeira Constituição, em 1891, os serviços de saúde foram descentralizados, ficando a cargo dos Estados, salvo os serviços da polícia sanitária dos portos. Naquela ocasião, foi organizado o Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, encontrando-se à frente da Inspetoria, Sérgio Florentino de Paiva Meira. O Serviço Sanitário apoiou-se num modelo representado pelas ações da polícia sanitária, pelas campanhas e pela pesquisa como prática de saúde pública. Fundamentando-se na teoria dos miasmas, que pressupunha que o solo produzia emanações causadoras das doenças que acometiam as populações, a polícia sanitária tinha a função de promover o saneamento das cidades e a fiscalização dos alimentos como forma de defesa da saúde pública. Por outro lado, as campanhas sanitárias já influenciadas pela escola francesa de Louis Pasteur (1822-1895), que entendia que a causa e a transmissão de doenças se davam através dos micróbios, tinham por fim combater as epidemias com a aplicação das técnicas de imunização e da desinfecção terminal e concorrente. A pesquisa, por sua vez, voltada para a solução dos problemas de saúde pública, abrangia investigações de campo e estudos experimentais, cujos resultados eram aplicados nas ações da polícia sanitária e nas campanhas (BENCHIMOL, 1999).

Nesse contexto, o Laboratório de Bacteriologia foi uma peça importante no combate aos problemas sanitários que vinham atingindo o Estado de São Paulo. Em abril de 1892, o Secretário do Interior, Vicente Carvalho, em relatório dirigido ao Vice-Presidente do Estado, José Alves de Cerqueira César, chamava a atenção para a necessidade da instalação de um laboratório de bacteriologia, visando criar condições para o combate às diversas doenças que se disseminavam pelo estado paulista, entre as quais a febre amarela, a febre tifoide, a peste, o cólera e a varíola. Ao mesmo tempo, apontava também para a importância de um laboratório de análises químicas como forma de manter o controle dos gêneros alimentícios deteriorados ou falsificados. Naquele mesmo ano, pela lei estadual nº 43, de 18 de julho, assinada pelo Secretário Vicente Carvalho e pelo Vice-Presidente José Alves de Cerqueira César (Apud LEMOS, 1954), foi estabelecida a organização do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, sendo autorizada a criação de um Laboratório de Bacteriologia, de um Laboratório de Análises Químicas, de um Instituto Vacinogênico e de um Laboratório Farmacêutico (art. 9º). A direção do referido Serviço, que era um prolongamento da antiga Inspetoria de Higiene Provincial, fundada em março de 1886, ficou a cargo de um Conselho de Saúde Pública e de uma Diretoria de Higiene auxiliada pelo Instituto Vacinogênico e pelos laboratórios Farmacêutico, de Análises Químicas e de Bacteriologia (art. 1º).

O primeiro regulamento do Laboratório de Bacteriologia foi aprovado pelo decreto nº 158 de 28 de fevereiro de 1893, que estipulou que ele ficasse subordinado à Secretaria do Interior, sendo supervisionado e fiscalizado pela Diretoria de Higiene, tendo como fim “o estudo de microscopia e microbiologia em geral e especialmente o estudo da etiologia das epidemias, endemias e epizootias mais freqüentes (...)” e segundo seu artigo 1º, “quando possível, o preparo, acondicionamento e remessa dos produtos necessários à vacinação preventiva e aplicações terapêuticas que se tornem indicadas às nossas condições higiênicas”.

O Laboratório ficou provisoriamente instalado nas salas do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, cuja sede era no consultório médico particular de Marcos de Oliveira Arruda, situado à rua Direita nº 25, onde funcionara anteriormente a Inspetoria de Higiene. Devido à precariedade daquelas instalações, foi transferido ainda em agosto de 1892 para o nº 35 da mesma rua, onde permaneceria por quatro anos.

Para a implantação e concretização do Laboratório de Bacteriologia, o governo brasileiro através de seu embaixador em Paris, o médico Gabriel de Toledo Piza e Almeida, solicitou ao bacteriologista francês Louis Pasteur (1822-1895) a indicação de um profissional de sua equipe para dirigir a instituição. O nome indicado foi o de Félix Alexandre Le Dantec (1869-1917), doutor em Ciências Naturais, professor da Faculté des Sciences de Dijon (França) e preparador do Instituto Pasteur, em Paris. 

Em carta dirigida ao embaixador, em 20 de junho de 1892 (Apud LEMOS, 1954), Le Dantec, seguindo os moldes do Instituto Pasteur de Paris, expôs seu programa para o Laboratório, propondo a criação de cursos para capacitação de pessoal, um de técnica em microbiologia de 40 aulas e outro teórico de biologia geral, tratando entre outros assuntos de fermentação, moléstias microbianas, vacinação e imunização. Quanto às instalações, fez uma previsão dos gastos anuais com a compra de aparelhos, produtos químicos e livros indispensáveis. Desembarcou no Brasil em dezembro de 1892 e quatro meses depois retornou à Europa, deixando como indicação para substituí-lo o nome de Adolpho Lutz, que assumiu a direção do Laboratório no dia 06 de abril de 1893. Completavam a equipe de médicos auxiliares Arthur Vieira de Mendonça (vice-diretor), Coriolano Barreto Burgos e José Gonçalves Roxo. 

Naquele período, a lei nº 240 de 4 de setembro de 1893, assinada pelo Presidente do Estado, Bernardino de Campos, e pelo Secretário do Interior, Cesário Motta Júnior, reorganizou o Serviço Sanitário do Estado. Pelo texto da lei, o Laboratório passou a ser designado de Instituto Bacteriológico, embora em nenhum de seus artigos seja feita referência a essa mudança de nome. Quanto aos seus objetivos, ficaram mais definidos os relacionados à vacinação, e surgiu um terceiro que compreendia os “exames microscópicos necessários à elucidação do diagnóstico clínico” (art. 27). Seus trabalhos deviam ser executados por ordem ou autorização da diretoria sanitária e a instituição ficaria à disposição das municipalidades na resolução de questões propostas (art. 28), além de se encarregar de trabalhos particulares, remunerados de acordo com tabela aprovada pelo governo (art. 29). Seu quadro funcional também foi ampliado, constando de um diretor, três ajudantes e dois serventes (art. 30).

Diretores: 
Félix Alexandre Le Dantec (1892-1893); Adolpho Lutz (1893-1908); Carlos Luiz Meyer (1908-1916); Theodoro da Silva Bayma (1916-1918); Antônio Pinheiro de Ulhôa Cintra (1918- 1920); José Jesuíno Maciel (1920-1922); Rudolph Kraus (maio a julho de 1922); Alexandrino de Moraes Pedroso (julho a outubro de 1922); José Pedro de Carvalho Lima (1922-1923); Sebastião de Camargo Calazans (interino 1923 –1924). A partir de 1925, quando o Instituto Bacteriológico foi incorporado pelo Instituto Butantan, ficou sob a chefia de Lucas de Assunção. Em 1931, quando voltou a ser uma instituição independente, José Pedro de Carvalho Lima assumiu novamente o cargo de diretor.

Membros Participantes:
Entre seus principais participantes destacaram-se os médicos João Teixeira Alves e Johanes Paulsen, que ingressaram no ano de 1895; José Martins Bonilha de Toledo, que substituiu João Teixeira Alves (1896); Vital Brazil Mineiro da Campanha, que ingressou no ano de 1897, no cargo de médico ajudante, em substituição a Johanes Paulsen, que pediu exoneração; o inspetor sanitário Carlos Luiz Meyer, que ingressou como novo médico assistente em agosto de 1900, atuando ao lado de Adolpho Lutz e José Martins Bonilha de Toledo; Ivo Bandi (1901); Adolpho Carlos Lindemberg (1903), no lugar de Bonilha de Toledo que falecera, vítima de febre amarela; e o médico assistente Arthur Palmeira Ripper (1904), em substituição ao médico Ivo Bandi. Este foi exonerado no fim do ano seguinte, substituído por Theodoro da Silva Bayma.

Em fevereiro de 1912, Manuel Pais de Azevedo foi nomeado médico assistente, ocupando o lugar deixado vago por Eduardo Rodrigues Alves, que se deslocara para a Seção de Proteção à Infância. No ano seguinte, o Instituto teve como participante o microbiologista da Universidade de Berlim, Martin Ficker, conhecido internacionalmente por seus estudos sobre o diagnóstico do tifo. No ano de 1915, Manuel Pais de Azevedo exonerou-se, sendo substituído por Bruno Rangel Pestana. No final do ano, Martin Ficker retornou à Alemanha. Por sua vez, desde março, Alexandrino de Moraes Pedroso vinha atuando como assistente.

Adolpho Carlos Lindemberg deixou, em 1916, o Instituto para assumir a cátedra de Dermatologia da Faculdade de Medicina de São Paulo. Em dezembro de 1917, mais um médico assistente, Antônio Pinheiro de Ulhôa Cintra, ingressou na instituição, da qual, no ano seguinte, afastou-se Alexandrino de Moraes Pedroso.

Em 1919, mais dois médicos assistentes entraram para o Instituto: José Pedro de Carvalho Lima e Sebastião de Camargo Calazans; e em 1922, Joaquim Pires Fleury passou a fazer parte do quadro de assistentes.

No ano de 1923, em janeiro, foi contratada a primeira mulher para trabalhar no Instituto, a auxiliar de laboratório Maria Arantes. Além dela, duas novas funcionárias atuaram no estabelecimento naquele ano: Olga Ferreira de Barros, química, e Azália Machado, bacteriologista.

Muitos dos seus participantes tornaram-se professores da Escola de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia de São Paulo e da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.
 

Estrutura e funcionamento

Durante o ano de 1893, o então Instituto Bacteriológico detectou na Hospedaria dos Imigrantes, na capital, um surto de cólera morbo, identificando, por meio de cultura, o bacilo vírgula - causador da doença. No ano seguinte, o Instituto novamente atuou no combate a outra epidemia de cólera, que teve início no Vale do Paraíba e espalhou-se pelo interior do Estado.

Em 1896, pela lei nº 432 de 3 de agosto, o Serviço Sanitário sofreu nova reorganização, modificando as atribuições do Instituto Bacteriológico, que perdeu as funções de preparo de produtos necessários à vacinação e aplicações terapêuticas que interessassem à saúde pública. O estabelecimento tornou-se, assim, um laboratório de pesquisas dedicado aos estudos dos problemas de diagnósticos de doenças infectocontagiosas (art. 21). Seu quadro de funcionários foi acrescido de um zelador (art. 24). Ainda naquele ano, teve início a construção da sede própria do Instituto em terreno do Hospital de Isolamento, depois Hospital Emílio Ribas, na capital paulista, situado na estrada do Araçá, depois avenida Arnaldo Vieira de Carvalho. A Superintendência de Obras Públicas, dirigida por Inácio Wallace da Gama Cochrane, filho de Thomaz Cochrane (1805-1873), médico inglês autor de “Medicina domestica homoeopathica, ou, Guia pratica da arte de curar homoeopathicamente”, foi a responsável pela obra, executada de acordo com o plano do engenheiro sanitário e do diretor do Instituto. Inaugurado em novembro, suas novas instalações compreendiam dois andares constando de sala de visitas, gabinete do diretor, laboratório onde trabalhavam os ajudantes, biblioteca, secretaria, pequeno laboratório de química e sala para a preparação dos meios de cultura e limpeza dos vasilhames. Possuía ainda compartimentos destinados a microfotografias e à experimentação em animais, além de um biotério. Quanto aos aparelhos, eram dos mais modernos, incluindo estufa de Roux, forno de Pasteur, microscópios de Zeiss e Leitz, e aparelhos de fotografias. Era iluminado a gás e dispunha de água em abundância. Esta proximidade do Instituto Bacteriológico com o Hospital de Isolamento facilitou o desenvolvimento de pesquisas, entre as quais a do tifo exantemático, que mobilizou outras instituições de pesquisa da capital paulista durante os anos de 1920.

A instituição atuava principalmente na realização de exames de escarro, água, saliva, sangue, fezes, urina, suco ganglionar e vários outros, atendendo a solicitações do Governo e de particulares. Realizava também pesquisas sobre as enfermidades que se espalhavam pelo Estado de São Paulo, como a malária, a febre tifoide, a lepra, a hidrofobia, o cólera e a difteria, entre outras. No ano de 1895, o estabelecimento destacou-se pelos estudos sobre difteria e febre tifoide. 

No relatório anual de atividades, Adolpho Lutz revelara a sua convicção de que os casos de “febres paulistas” deviam ser diagnosticados como sendo febre tifoide. Lutz tornou pública sua avaliação sobre a doença antes de comprovar o diagnóstico no laboratório, o que só ocorreu no ano de 1897. 

Apesar das divergências com os médicos paulistas, Lutz conseguiu aprovar, junto ao Serviço Sanitário, medidas de combate às moscas, reconhecidas como responsáveis, em parte, pela disseminação da febre tifoide. O relatório divulgado por Lutz provocou muitas divergências na comunidade médica paulista, cessando as controvérsias somente no ano de 1908, quando, enfim, lhe foi atribuído o devido reconhecimento pelo esclarecimento etiológico da febre paulista.

Em março de 1896, os serviços do Instituto foram requisitados pela Companhia de Viação Paulista, devido à doença que acometia os animais utilizados na frota de bondes. O Instituto, através de Arthur Vieira de Mendonça, identificou, pela primeira vez em São Paulo, o bacilo causador do mormo, doença que atacava o gado cavalar e asinino. Embora não se soubesse ainda que esta doença era transmissível ao homem, o diretor Adolpho Lutz, em relatório (Apud LEMOS, 1954), recomendava a tomada de medidas visando prevenir a extensão da doença. No ano seguinte, o Instituto anunciou o início da preparação do soro antiofídico, obtido através de imunizações em cães e cabritos com o veneno de cascavel e jararaca.

Com a disseminação da peste bubônica no porto de Santos (SP), em 1899, o diretor do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, Emílio Marcondes Ribas, sugeriu ao governo do Estado, ocupado por Fernando Prestes, a criação de um laboratório anexo ao Instituto Bacteriológico. Esse laboratório teria como fim a produção de soros, preventivos e curativos, visando conquistar a autonomia do país em relação a outras nações, sobretudo a França, de onde vinha a maioria dos medicamentos. Sob a direção do médico Vital Brazil Mineiro da Campanha, entre novembro de 1899 e fevereiro de 1901, o laboratório funcionou na fazenda Butantan, situada a nove quilômetros da capital. Pelo decreto estadual nº 878-A, de 23 de fevereiro de 1901, a nova entidade desvinculou-se do Instituto Bacteriológico, recebendo o nome de Instituto Serumterápico do Estado de São Paulo, mais tarde Instituto Butantan.

No ano de 1900, o Instituto Bacteriológico atuou no combate à epidemia de febre amarela na cidade paulista de Sorocaba e arredores, que inicialmente foi diagnosticada como peste bubônica. 

No decorrer do ano seguinte, devido à ausência de epidemias, seus profissionais puderam se concentrar nos estudos e pesquisas de sua competência, assim como no reforço institucional de seu quadro de recursos humanos. Entre maio e novembro, José Martins Bonilha de Toledo esteve comissionado na Europa, onde realizou estudos sobre a cultura dos fermentos vínicos pelo sistema Pasteur. Foi contratado um desinfetador, destinado a atuar como auxiliar dos médicos assistentes. Já as atividades do ano de 1902, foram todas voltadas para os trabalhos sobre a febre amarela. Adolpho Lutz, Ivo Bandi e Carlos Luiz Meyer empenharam-se nas pesquisas sobre a doença. Após duas séries de experiências, que se prolongaram até o ano de 1903, eles conseguiram esclarecer o mecanismo de transmissão da febre amarela e, assim, combater os mosquitos nos principais centros urbanos, como principal recurso profissional e preventivo da epidemia. No ano seguinte, dando continuidade às pesquisas sobre a febre amarela, o Instituto atuou também no combate à malária, que afetara a ilha de São Sebastião, no estado paulista.

Entre outubro de 1905 e fevereiro de 1906, Adolpho Lutz esteve na Europa, comissionado, para representar o Estado de São Paulo no Congresso de Tuberculose que se realizou em Paris. No período seguinte, de 1906 a 1908, o Instituto Bacteriológico marcou sua presença no cenário sanitário estadual pesquisando diversas enfermidades humanas e patologias animais. Foram analisados doentes de tuberculose, malária, pneumonia, influenza, moléstias venéreas, conjuntivite, lepra, enterite e hepatite. O Instituto detectou casos de meningite cérebro-espinhal e pesquisou ainda os esporozoários, que dizimavam os coelhos das criações de São Paulo, e outras espécies que atacavam porcos, cobaias, gatos, cães e aves. Durante a Exposição Nacional de 1908, comemorativa do centenário da abertura dos portos pelo Príncipe-Regente D. João, foi uma das instituições que representou o Serviço Sanitário, no Pavilhão do Estado de São Paulo, com exibições de peças anatômicas de moléstias de animais domésticos e outras; entozoários e outros parasitas; insetos transmissores de moléstias e publicações (LEMOS, 1954). Nesse último ano, Adolpho Lutz deixou de fazer parte do quadro da instituição, tendo sido convidado pelo médico sanitarista Oswaldo Gonçalves Cruz para atuar no Instituto de Manguinhos, na Capital Federal.

No período entre 1909 e 1910, o Instituto, sob a direção de Carlos Luiz Meyer, passou por uma fase difícil marcada pela carência de recursos, conflitos e insatisfação entre seus funcionários. Em março de 1909, o Instituto detectou a ocorrência de casos de leishmaniose em Bauru (SP), sendo essa a primeira vez que a presença do protozoário foi comprovada em laboratório no Brasil.

O Serviço Sanitário sofreu nova reforma aprovada pelo decreto estadual nº 2.141, de 14 de novembro de 1911, quando o Instituto ganhou novos cargos (três assistentes, dois auxiliares de laboratório, um preparador e colecionador, um escriturário) e foram redistribuídos os seus funcionários. No ano seguinte, entre os experimentos científicos realizados destacaram-se os estudos microbiológicos sobre a doença que veio a ser conhecida como “mal de Chagas”, transmitida ao homem através da picada do inseto barbeiro infectado.    

Durante a estadia do microbiologista alemão especialista em febre tifoide, Martin Ficker (1913-1915), o Instituto obteve alguns avanços. Com o auxílio de Theodoro da Silva Bayma, Ficker preparou uma vacina antitífica polivalente, que foi largamente aplicada na capital paulista. Além disso, coordenou e ministrou cursos práticos de bacteriologia clínica dirigidos aos inspetores sanitários e frequentados por médicos e acadêmicos de medicina de São Paulo. Em relatório (1913) sobre o Instituto, redigido a pedido do diretor do Serviço Sanitário, Emílio Marcondes Ribas (Apud LEMOS, 1954), Ficker considerou as instalações do Instituto precárias e inadequadas, não correspondendo às exigências da higiene moderna no trabalho com germes infecciosos transmissíveis, como os da peste, do cólera e do mormo. Quanto à biblioteca, observou a carência de diversas obras, sobretudo de higiene, bacteriologia, epidemiologia e profilaxia de doenças infecciosas. Em contrapartida, propôs algumas medidas para a melhoria da instituição, entre as quais a acentuação das investigações científicas sobre as moléstias infecciosas; ampliação das atividades práticas no combate às moléstias; instrução formal, incluindo cursos de aperfeiçoamento para os médicos do governo e para parteiras, cursos para enfermeiros, conferências científicas populares, e instrução popular com a criação do museu de higiene. 

As propostas de Ficker foram consideradas utópicas, mas no ano seguinte foram realizadas algumas melhorias nas instalações do Instituto, alterando as suas condições de trabalho. Ainda em 1914, Martin Ficker e Theodoro da Silva Bayma detectaram as disenterias amebiana e bacilar em São Paulo, isolando e identificando os bacilos de Shiga e Flexner. Com a continuação da epidemia de febre tifoide, as vacinações aumentaram durante o ano.

Em 1916, a instituição começou a preparar vacinas contra a coqueluche, que vinha atingindo as crianças paulistanas desde 1887. O método empregado foi o utilizado por Rudolf Kraus (1868-1932), então diretor do Instituto de Bacteriología, Química y Conservatorio de Vacuna Antivariólica (Buenos Aires, Argentina), e que mais tarde tornou-se diretor do Instituto Bacteriológico. Ainda em 1916, foi criado, anexo ao Instituto, o serviço antirábico com o nome de Seção Pasteur. Dois anos depois, devido a uma epidemia de febre tifoide que atingira Curitiba, o Instituto formou uma comissão para atuar na capital paranaense com objetivos de estudar a doença e aplicar as primeiras medidas profiláticas. A comissão ficou composta por Theodoro da Silva Bayma (chefe), Cincinato Augusto Pomponet, Bruno Rangel Pestana, o acadêmico Sebastião de Camargo Calazans e o preparador Getulino Vieira Pinto. Através de exames constatou-se a existência do bacilo tífico na água da cidade, providenciando-se a vacinação da população.

De acordo com o art. nº 24 da Lei nº 1.596, de 29 de dezembro de 1917, o Instituto Vacinogênico do Estado de São Paulo, criado em 1894, fica encarregado dos trabalhos de cultura e preparação da vacina animal contra a varíola, funcionando como dependência do Instituto Bacteriológico. Durante aquele ano, todas as atividades da instituição voltaram-se para o combate à gripe espanhola que atingira todo o país. 

Em 1920, o diretor Antônio Pinheiro de Ulhoa Cintra pediu demissão do Instituto em função da falta de recursos e implementos que lhe eram destinados. No período entre 1921 e 1922, as atividades da instituição mantiveram-se voltadas para a realização de exames de difteria, fezes, escarro, reações de Vidal, hemoculturas de casos suspeitos de febre tifoide, pesquisas de meningococos, reações de Wassermann para diagnóstico da sífilis, exames para diagnóstico de meningite, pesquisas de bacilos de Hansen, exames de água, necropsias humanas e necropsias animais. 

Além disso, seus profissionais realizaram sangrias e inoculações em animais, prepararam meios de cultura e forneceram a vacina contra a coqueluche.
Com a reorganização do Serviço Sanitário aprovada pelo decreto nº 3.876 de 11 de julho de 1925 (Apud LEMOS, 1954), assinado pelo presidente do estado paulista, Carlos de Campos, que se baseou na leis nº 1.999 de 19 de dezembro de 1924 e nº 2.028 de 30 de dezembro de 1924, os institutos Bacteriológico, Serumterápico e Vacinogênico do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo passaram a se localizar todos em Butantan, sob o nome de Instituto Butantan, tornando-se uma seção única do Serviço Sanitário, sob a direção de um mesmo profissional (art. 58). Além das atribuições que tinha cada uma dessas instituições que se fundiram no Instituto Butantan, a esse caberia cooperar com o Instituto de Higiene na obra de educação sanitária do povo, no que se refere à instalação de museus (art. 59). 

O Instituto Bacteriológico começou a funcionar, então, como Posto Bacteriológico de Butantan, tendo como assistente-chefe Lucas de Assunção. 

No entanto, dois anos depois, na gestão de Valdomiro de Oliveira no Serviço Sanitário do Estado de São Paulo, foram tomadas diversas iniciativas que culminaram no desligamento extraoficial do Instituto Bacteriológico do Instituto Butantan. O reconhecimento legal desse desligamento foi dado pelo decreto nº 4.891 de 13 de fevereiro de 1931, assinado pelo interventor federal em São Paulo, João Alberto Lins de Barros, e pelo Secretário do Interior, Arthur Neiva, sendo o Serviço Sanitário novamente reestruturado. Ficou estabelecido então que o Instituto Bacteriológico e todo o material a ele pertencente, inclusive sua biblioteca, seria desvinculado do Instituto Butantan, subordinando-se à diretoria geral do Serviço Sanitário (art. 40). O Instituto passou a funcionar como o Laboratório Central do Serviço Sanitário, ao qual foram anexados a Seção de Microbiologia da Inspetoria de Policiamento da Alimentação Pública e os laboratórios dos Centros de Saúde (art. 41). Tinha como atribuições “fazer todos os exames para esclarecimento de diagnóstico, requisitados pelo Hospital do Isolamento; atender aos exames necessários à Inspetoria  de Profilaxia de Moléstias Infecciosas e demais seções do Serviço Sanitário, da capital e do interior do Estado; efetuar pesquisas de caráter geral ou local; elucidar as questões que forem propostas pela diretoria geral do Serviço Sanitário; estudar a etiologia das epidemias e epizootias que se transmitem ao homem; emitir pareceres sobre assuntos de epidemiologia e higiene; fazer os exames bacteriológicos de água, gelo, leite e seus derivados e outros que foram requisitados pela Inspetoria de Policiamento da Alimentação Pública; fazer necropsias e exames histológicos, para esclarecimento de diagnóstico, necessários ao Hospital de Isolamento e demais seções do Serviço Sanitário” (art. 42). Seu quadro funcional foi ampliado ficando constituído por um diretor (médico); quatro assistentes  bacteriologistas; um assistente anatomopatologista (médico); um zelador; um bibliotecário; três escriturários; dez técnicos de laboratório; seis auxiliares técnicos (ou de laboratório); oito serventes e um porteiro (art. 43).

Em 1938, quando pelo decreto nº 9.247, de 17 de junho, o Serviço Sanitário passou a denominar-se Departamento de Saúde do Estado, o Instituto subdividiu-se nas seções de Pesquisas, Hemoculturas e Identificação de Culturas. Pelo decreto nº 11.522 de 26 de outubro de 1940, o Instituto Bacteriológico fundiu-se com o Laboratório de Análises Químicas e Bromatológicas, criado também em 1892, constituindo assim o Laboratório Central de Saúde Pública do Estado. Em homenagem ao cientista recém- falecido que havia se tornado referência para os estudos sobre microbiologia e protozoologia no Brasil, sendo considerado um “exemplo de amor à ciência, de trabalho e de abnegação”, a instituição recebeu o nome de Instituto Adolfo Lutz (PESTANA, 1942). 

O Instituto Adolfo Lutz passou então a acumular as seguintes funções, de acordo com o decreto nº 11.522: realização de exames de laboratório necessários à elucidação de diagnósticos das moléstias infectocontagiosas, inclusive exames histopatológicos; os necessários à verificação de portadores de germes e estados de imunidade e os exigidos para outros fins sanitários; análises clínicas auxiliares de diagnósticos das moléstias infectocontagiosas; o estudo da etiologia das epidemias, das endemias e das epizootias que se transmitiam ao homem; análises físicas, físico-químicas, químicas e exames microscópicos e bacteriológicos das substâncias alimentícias; realização de exames para o controle dos produtos biológicos, químicos, drogas, medicamentos e especialidades farmacêuticas (art. 2º). A partir de então, foi instituída a carreira de biologista, sendo exigido para este profissional e para os químicos, diploma de escola superior. Os serviços do Instituto ficaram distribuídos em três subdivisões: a técnico-administrativa, a de microbiologia e diagnóstico, e a de bromatologia e química. Nesta ocasião, a instituição ganhou uma nova sede com instalações ampliadas.
 

Publicações oficiais

Em 1940, foi lançado o periódico Revista do Instituto Adolfo Lutz, com objetivos de documentar a produção científica da instituição. Em seu primeiro número, lançado em julho de 1941, era informado que a mesma seria “publicada sob a forma de fascículos, que serão reunidos em volume, e não tem data certa de aparecimento”, e que seriam enviados exemplares às instituições interessadas ou por permuta com publicações congêneres (REVISTA, 1941).  Nesta primeira edição da Revista do Instituto Adolfo Lutz, João Pedro de Carvalho Lima, então diretor do Instituto Adolfo Lutz, publicou um extenso artigo com a retrospectiva histórica do Instituto Adolfo Lutz (REVISTA, 1941).  


Organograma institucional

 

LABORATÓRIO DE BACTERIOLOGIA DE SP (4).png

 


Fontes

- ANTUNES, José Leopoldo Ferreira; NASCIMENTO, Cláudia Barleta do; NASSI, Lúcia Castilho et al (org.). Instituto Adolfo Lutz – 100 anos do Laboratório de Saúde Pública. São Paulo: Instituto Adolfo Lutz; Letras & Letras, 1992.               (BCOC)
- ALMEIDA, Marta de. Institucionalização da microbiologia no Brasil: o Instituto Bacteriológico de São Paulo no final do século XIX e início do século XX. In: ARBOLEDA, Luís Carlos (ed.).Nacionalismo e Internacionalismo en las ciencias y tecnologia en America Latina. Santiago de Cali: Universidade del Valle, 1997.
- BENCHIMOL, Jaime Larry.Dos micróbios aos mosquitos. Febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz/Ed.UFRJ, 1999. In: INTERNET ARCHIVE. Capturado em 27 jul. 2020. Online. Disponível na Internet: https://archive.org/details/9788575413166/page/n1/mode/2up
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Ficha técnica

Pesquisa- Alex Varela; Verônica Pimenta Velloso.
Redação- Alex Varela; Verônica Pimenta Velloso.
Revisão- Francisco José Chagas Madureira.
Atualização – Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.

Forma de citação

LABORATÓRIO DE BACTERIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 15 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario

 


Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)