ESCOLA DE CIRURGIA DA BAHIA

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
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Denominações: Escola de Cirurgia da Bahia (1808); Academia Médico-Cirúrgica da Bahia (1816); Faculdade de Medicina da Bahia (1832); Faculdade de Medicina e Farmácia da Bahia (1891); Faculdade de Medicina da Bahia (1901); Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia (1946); Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (1965)        

Resumo: A Escola de Cirurgia da Bahia, considerada a primeira escola de ensino médico do país, foi criada em fevereiro de 1808, por ocasião da vinda do Príncipe-Regente D. João e da Corte Portuguesa para o Brasil. Inicialmente ficou sediada no Hospital Real Militar, localizado no antigo prédio do Colégio de Jesuítas, no Largo Terreiro de Jesus, na cidade de Salvador, Bahia. Mais tarde, funcionou também nas dependências da Santa Casa da Misericórdia da Bahia e em prédios à rua Portas do Carmo. Desde 1946, tornou-se uma unidade da Universidade da Bahia, que a partir de 1965, recebeu o nome de Universidade Federal da Bahia.

Histórico

Desde o século XVI, a medicina no Brasil colonial vinha sendo praticada e estudada pelos jesuítas no próprio Colégio dos Jesuítas. Entre os anos de 1654 e 1681, houve várias tentativas por parte dos religiosos e das autoridades locais de transformar o Colégio da Bahia em universidade. Embora este propósito tenha sido negado pela Coroa portuguesa, os jesuítas acabaram por fazer do Colégio dos Jesuítas da Bahia uma casa de estudos gerais comparável à Universidade de Évora, em Portugal (LOBO, 1964; TORRES, 1946). Até o século XVIII era comum a instalação de boticas e hospitais nos colégios da Companhia de Jesus, quando então os jesuítas foram expulsos das colônias portuguesas pelo Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho Melo), em 1759. Com base nos conhecimentos médicos europeus e adquirindo conhecimentos indígenas sobre as plantas e sua utilização terapêutica, os jesuítas tornaram-se verdadeiros enfermeiros e médicos da colônia (SANTOS FILHO, 1991).

Além destes, entre os séculos XVI e início do XIX, os agentes de cura no Brasil eram os físicos, cirurgiões, barbeiros e boticários. Os físicos eram formados pelas universidades europeias, principalmente ibéricas, sendo em menor número que os cirurgiões. Esses por sua vez, na metrópole ou na colônia, aprendiam seu ofício na prática, tendo como mestre um cirurgião já habilitado. Para garantirem o direito de exercer apenas a cirurgia, prestavam exames diante das autoridades sanitárias competentes, quando obtinham a “carta de examinação”. No Brasil, a autoridade sanitária era exercida pelos delegados ou comissários do físico-mor ou cirurgião-mor do Reino de Portugal. A partir de 1782, com a criação da Junta do Protomedicato pelo Reino de D. Maria I, houve uma centralização maior da fiscalização do exercício da medicina na colônia pela metrópole, quando os representantes locais das autoridades reinóis, os delegados, atuavam com base em regulamentos, avisos e alvarás expedidos pela Coroa.

Apesar de a Universidade de Coimbra ter acolhido cerca de 35 brasileiros durante o século XVII e 112 no século seguinte, a maioria dos estudantes, depois de se diplomarem físicos, geralmente preferiam se estabelecer na Europa ao invés de enfrentar a realidade colonial, no Brasil. Quando vinham para a colônia, concentravam-se nas cidades e vilas maiores, ficando o interior totalmente desprovido desses profissionais. Isto possibilitava àqueles cirurgiões-barbeiros ou mesmo aos chamados barbeiros e curandeiros em geral, o exercício de toda a medicina. No entanto, ao cirurgião-barbeiro era permitido oficialmente a cirurgia; ao barbeiro, a aplicação de ventosas, sarjaduras e sanguessugas, corte de cabelo ou barba e extração de dentes;  ao sangrador e algebrista, o tratamento de fraturas, luxações e torceduras; à parteira ou aparadeira, o atendimento aos partos normais; e aos boticários, a preparação e comércio de medicamentos. Os diplomas eram muitas vezes vendidos aos pretendentes a esses cargos citados, que não cursavam o período de estágio necessário. 

A partir do século XVIII, depois de os jesuítas terem sido expulsos das colônias, o aprendizado para obter licença na colônia geralmente se dava nos hospitais da Misericórdia ou nos hospitais militares, ou ainda nas residências dos mestres das principais cidades e vilas. Na Bahia, durante o ano de 1799, o Cirurgião-mor do 4º Regimento de Milícias José Xavier de Oliveira Dantas ministrava um curso de anatomia e cirurgia em sua própria casa, que chegou a solicitar as prerrogativas de “aula régia”, não obtendo êxito (LOBO, 1964). 

Em contraste com as demais colônias espanholas e inglesas nas Américas, que possuíam universidades desde o século XVI, o Brasil somente três séculos mais tarde implantaria escolas de ensino superior. Em decorrência disso, havia uma escassez de físicos e cirurgiões no país que se tentava amenizar através da rápida instrução de profissionais.     No ano de 1800, visando diminuir esta deficiência, um edito real de 1° de maio ordenava que a municipalidade do Rio de Janeiro designasse, anualmente, dois rapazes para estudarem em Portugal, um na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e o outro no Hospital Real de São José de Lisboa, sendo que o primeiro voltaria físico e o segundo cirurgião.

No início do século XIX estando a metrópole portuguesa ocupada pelas tropas napoleônicas, encontrava-se impedida de despachar os cirurgiões examinados e aprovados pela Junta do Protomedicato e os físicos diplomados em Coimbra. A solução então, foi a criação das escolas de cirurgia que formassem profissionais (cirurgiões) no Brasil. Com a vinda da corte portuguesa para o Brasil em 1808, e sendo Salvador e Rio de Janeiro as cidades brasileiras de maior expressão do país na época, aí se instalaram as primeiras escolas de cirurgia. O ensino médico brasileiro em seu início, no entanto, funcionou de forma bastante precária. Na Bahia era ainda mais precário que no Rio de Janeiro, recebendo menos recursos. Desde 1763, quando se deu a transferência da sede da capital da colônia da cidade de Salvador para a do Rio de Janeiro, a Bahia perdera aquele prestígio. Mesmo depois de criada a Escola de Cirurgia, a ideia de se criar uma universidade na Bahia foi novamente ventilada a partir da petição de 29 de setembro de 1809 encaminhada ao Príncipe-Regente D. João, por membros representativos da capitania baiana. Através desta, eram oferecidas as rendas do subsídio literário da capitania e a contribuição pessoal de moradores incluindo entre eles comerciantes, membros do Exército, cônegos, brigadeiros e bacharéis, para a instalação da universidade (TORRES, 1946).

Fundação da Escola de Cirurgia da Bahia
A Escola de Cirurgia da Bahia foi criada a pedido de José Corrêa Picanço, pernambucano, cirurgião da Real Câmara, lente jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Como membro da corte portuguesa, Picanço retornou ao Brasil em 1808. Neste mesmo ano, o Príncipe-Regente D. João,  atendendo a seu pedido, fundou a Escola de Cirurgia da Bahia na cidade de Salvador pela decisão nº2 de 18 de fevereiro de 1808, expedida pelo Ministro do Reino D. Fernando José de Portugal, ao Capitão-general da Bahia Conde da Ponte (João Saldanha da Gama), na qual ressaltava: 

“sobre a necessidade, que havia, de uma escola de cirurgia no Hospital Real desta cidade para instrução dos que se destinam ao exercício desta arte, tem cometido ao sobredito cirurgião-mor a escolha dos professores, que não ensinem a cirurgia propriamente dita, mas a anatomia como bem essencial dela, e a arte obstétrica, tão útil como necessária” (Apud LOBO, 1964, p.12). 

Nesta época, a referida Escola ficou sediada no Hospital Real Militar da Bahia, em Salvador, localizado no antigo prédio do Colégio dos Jesuítas, no Largo Terreiro de Jesus, depois Praça 15 de novembro. Inicialmente foram ministradas apenas duas cadeiras básicas: cirurgia especulativa e prática pelo cirurgião Manoel José Estrella, e anatomia e operações cirúrgicas pelo cirurgião José Soares de Castro. Segundo as instruções de autoria do Cirurgião-mor José Corrêa Picanço dirigidas ao lente de cirurgia Manoel José Estrella, o ensino seguiria a orientação francesa, sendo adotado para o estudo dos princípios cirúrgicos o compêndio de Monsieur de la Fay e exigindo-se para a realização da matrícula o conhecimento da língua francesa (MOACYR, s.d.). As lições teóricas seriam dadas numa das salas do Hospital Militar, enquanto as “práticas e demonstrações sobre cada um dos objetos cirúrgicos” em uma de suas enfermarias. Já o “curativo cirúrgico pertenceria ao cirurgião-mor do Hospital” (PEREIRA, 1923). Em 1809, a carta régia de 22 de setembro encarregou o Cirurgião-mor João Pereira de Miranda da “instrução facultativa teórica e prática” dos Cirurgiões Ajudantes dos Regimentos, estabelecendo-se “a verdadeira e conveniente Escola de Medicina e Cirurgia no Hospital Militar” da Bahia. O curso devia ter duração de quatro anos, findos os quais o aluno requeria uma certidão à Escola, a qual declarava se ele estava capacitado para prestar o exame e encarregar-se da saúde pública. Sendo assim, a Escola não incluiria a cadeira de obstetrícia como estava previsto na decisão régia mencionada acima. 

Durante os primeiros anos, entre 1808 e 1815, o ensino limitava-se a lições teóricas de anatomia humana e, no que se referia à cirurgia, a elementos de fisiologia, patologia e clínica.
De posse do certificado, o aluno era submetido ao exame e caso fosse aprovado, os documentos eram encaminhados a Lisboa, que expedia o diploma mediante o pagamento dos emolumentos. Tais diplomas permitiam:

 “sangrar, sarjar, aplicar bichas e ventosas, curar feridas, tratar de luxações, fraturas e contusões; era-lhes vedado administrar medicamentos e tratar das moléstias internas a não ser aonde não houvesse médicos; e como tais só eram tidos os diplomados ou licenciados pela Universidade de Coimbra” (NASCIMENTO, 1929).

Até 1815 o corpo da Escola era constituído basicamente por dois professores e um porteiro, obedecendo aos estatutos da Universidade de Coimbra. Somente no ano seguinte foi instituída a primeira reforma do ensino médico baiano, baseada no plano de autoria de Manoel Luiz Alvares de Carvalho, que já havia sido adotado desde 1813 pela Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro. Em março de 1816, a instituição baiana teve seu corpo de professores e número de cadeiras ampliados, instalando-se na Santa Casa da Misericórdia da Bahia, cujo Provedor era o Tenente-coronel Antônio da Silva Paranhos. 

Devido à deficiência do ensino ministrado pela instituição, muitos dos seus alunos depois de graduados, entre 1808 e 1816, iam buscar uma complementação para seus estudos em cursos na Europa. Com a independência do Brasil do Reino de Portugal, a influência francesa se acentuou; os estudantes brasileiros ao invés de irem para a Universidade de Coimbra, começaram a se deslocar cada vez mais para a França em busca de formação cultural e científica. Entre 1808 e 1832, a escola médica baiana teria conferido carta de cirurgião a 13 alunos apenas (CARVALHO FILHO, 1909). Em setembro de 1829, de acordo com as informações prestadas pela instituição ao Governo Imperial, a sua situação ainda era bastante precária. Funcionava num pequeno quarto escuro na enfermaria do hospital da Santa Casa e no corredor desta, que era dividido em três salas. Quanto aos seus membros, se resumiam a sete lentes, um substituto para as cadeiras cirúrgicas, um secretário interino sem vencimentos, um porteiro e dezessete estudantes. Em relação ao ensino ministrado, para cada cadeira havia um compêndio que deveria ser aprovado pela congregação e pelo qual os professores se orientavam (PEREIRA, 1923).

Em 16 de dezembro de 1829, a Congregação elegeu informalmente José Avellino Barbosa para presidir seus trabalhos, que se tornou diretor da instituição. No entanto, o primeiro diretor oficial da Faculdade de Medicina da Bahia foi José Lino Coutinho, escolhido pelo governo em lista tríplice (José Lino Coutinho, José Avellino Barbosa e Antônio Ferreira França) na eleição de 3 de junho de 1833, conforme determinava a reforma do ensino médico de 1832, sendo a duração do mandato de três anos. Empossado em 23 de julho de 1833, durante sua administração (1833-1836) a instituição baiana foi transferida para o prédio do antigo Colégio dos Jesuítas, ocupando também o espaço de 12 casas que formavam o lado esquerdo da Rua das Portas do Carmo, e as enfermarias da Santa Casa para as lições de clínica. Além disso, durante o ano de 1836 foram promovidas algumas melhorias como a criação da biblioteca, a montagem do laboratório de química, com material trazido da Europa pelo farmacêutico Manuel Rodrigues da Silva, e do gabinete de anatomia pelo professor dessa matéria, Jonathas Abbott. Nas gestões seguintes, de Francisco de Paula de Araújo e Almeida, entre 1836 e 1844, e de João Francisco de Almeida, de 1844 a 1855, foram montados os gabinetes de matéria médica, por Joaquim de Sousa Velho (1839), ampliado em 1842 por José Olímpio de Azevedo, e o de física (1848).

Decretadas as reformas do ensino de 1879-1884, que propunham entre outras medidas, o desenvolvimento do ensino prático com a instalação de novos laboratórios, a faculdade da Bahia não podia executá-las por falta de instalações apropriadas. Em 20 de dezembro de 1883, Antonio Pacífico Pereira assumiu interinamente a diretoria da Faculdade de Medicina da Bahia, quando foram iniciadas as reformas no antigo prédio dos jesuítas, visando a ampliação de suas instalações. Desde 1882, já haviam sido organizados os planos e orçamentos dessas reformas por uma comissão formada pelos professores Virgílio Clímaco Damásio e Manuel Victorino Pereira, nomeados pela diretoria da Faculdade, e pelo engenheiro Alexandre Freire Maia Bittencourt, nomeado pela Diretoria das Obras Públicas. De acordo com esses planos, estava prevista a desapropriação de cinco prédios na rua Portas do Carmo, com fins de aumentar a área do terreno, que seria destinada ao horto botânico, mas que não chegou a se concretizar. O novo prédio constaria dos seguintes laboratórios: química orgânica e biologia, fisiologia experimental, física médica e terapêutica experimental, e histologia, além de um museu de anatomia e de um museu patológico. Todos esses laboratórios e um museu tornaram-se realidade entre os anos de 1880 e 1890. 

Segundo a Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia de 1884, de autoria de José Affonso de Carvalho, embora a maioria dos seus estudantes fosse da província baiana, grande parte deles vinha do norte e nordeste do país. E alguns até da capital do Império, que reprovados na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, vinham prestar exames na Bahia, por serem considerados menos rigorosos (RIBEIRO, 1997). Logo, num período posterior, de 1832 a 1908, o número de diplomados se acentuou consideravelmente, quando foram conferidos 2.502 títulos de doutor em medicina, 1.446 cartas de farmacêutico, 3 de parteiro e 284 de cirurgião-dentista (CARVALHO FILHO, 1909).

Institutos anexos à Faculdade de Medicina da Bahia
Em março de 1905, durante a gestão de Alfredo Thomé de Britto, lente de clínica propedêutica, a parte antiga do prédio em que estava sediada a faculdade foi quase totalmente destruída por um incêndio. Os seus laboratórios de química, de histologia, de medicina legal, de bacteriologia e de anatomia e fisiologia patológica, além da sua biblioteca, ficaram inutilizados. Recebendo ajuda do Governo Federal, pelo presidente Rodrigues Alves (1902-1906) e tendo como Ministro da Justiça e Negócios Interiores o baiano José Joaquim Seabra, deu-se início no ano de 1905 à reconstrução da sede. O projeto do novo edifício coube ao engenheiro civil Teodoro Sampaio. 

No prédio reformado e reconstruído, foram instaladas a administração e as cadeiras de laboratórios. Junto ao Hospital Santa Isabel da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, instalado desde 1893 no Largo de Nazaré, foi construído outro prédio, no qual ficou sediado um laboratório de exames para cada uma das clínicas da faculdade baiana, constituindo o Instituto Clínico, que foi inaugurado em 24 de maio de 1906. O prédio com dois andares abrigava os laboratórios que sofreram modernizações a partir da importação de material sofisticado. Cada um desses laboratórios tinha como diretor o lente da cadeira respectiva: 1ª de clínica médica (Anísio Circundes de Carvalho), 2ª de clínica médica (Francisco Bráulio Pereira), 1ª de clínica cirúrgica (Antônio Pacheco Mendes), 2ª de clínica cirúrgica (Braz Hermenegildo do Amaral), de clínica propedêutica (Aurélio Rodrigues Vianna, interinamente), de clínica oftalmológica (Francisco dos Santos Pereira), de clínica pediátrica (Frederico de Castro Rebello), de clínica obstétrica e ginecológica (Climério Cardoso de Oliveira), de clínica dermatológica e sifilográfica (Alexandre Evangelista de Castro Cerqueira) e de clínica psiquiátrica (Luiz Pinto de Carvalho). O Instituto Clínico foi denominado mais tarde de Instituto Alfredo de Britto, em homenagem àquele diretor. Em abril de 1908 foi inaugurado o novo laboratório de histologia, instalado inicialmente em 1885 pelo professor dessa matériaAntonio Pacífico Pereira.

Obedecendo a este mesmo padrão moderno exigido pelo progresso da ciência da época, durante a gestão de Alfredo Thomé de Britto foram instalados ainda no Hospital Santa Isabel o pavilhão das operações assépticas, a sala de operações sépticas, o instituto hidro-elétrico-terápico e instituto eletroterápico (estudos de eletroterapia, radioterapia e fototerapia), providos de maquinário movido a energia elétrica.

Em junho de 1908, Alfredo Thomé de Britto foi exonerado do cargo de diretor, sendo substituído por Augusto Cézar Vianna, professor de microbiologia. Neste mesmo ano, no dia 3 de outubro, foi comemorado o 1° centenário da Faculdade de Medicina da Bahia, quando foi inaugurada oficialmente sua nova sede.  

Prevista desde a reforma do ensino médico de 1854, a maternidade da Faculdade de Medicina da Bahia só se concretizaria no dia 30 de outubro de 1910, na administração de Augusto Cézar Vianna. Inaugurada nesta data ao lado do Hospital Santa Isabel, recebeu o nome de um dos seus fundadores, Maternidade Climério Cardoso de Oliveira. Professor de clínica obstétrica e ginecológica, Cardoso de Oliveira contou com o apoio do ex-Diretor Alfredo Thomé de Britto, do Governo Federal e do Comitê de Senhoras Baianas. 

Em 1911, foi inaugurado o Instituto de Medicina Legal, antigo laboratório de medicina legal e toxicologia fundado por Raimundo Nina Rodrigues, lente catedrático dessa cadeira de 1894 a 1906. Tendo falecido nesse último ano, em sua homenagem o Instituto passou a se chamar Instituto Nina Rodrigues. Embora o referido laboratório e a cadeira de medicina legal e toxicologia tivessem ficado a cargo do Josino Correia Cotias, foi Oscar de Carvalho Freire que deu prosseguimento aos trabalhos de Raimundo Nina Rodrigues, seu mestre. Em 1913, Freire conseguiu concretizar o convênio entre o Governo do Estado da Bahia e a Faculdade de Medicina, através do qual ficava estabelecido que o serviço médico-legal do Estado passava a ser feito no Instituto de Medicina Legal sob a direção técnica e científica do catedrático de medicina legal, em troca da cobertura, pelo Governo, dos custos para realização dos exames e remuneração dos professores. O Instituto Nina Rodrigues, como sede dos serviços médico-legais do Estado, tornar-se-ia ponto de referência da ciência médico-legal no Brasil. Oscar de Carvalho Freire acabaria sendo convocado pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo para lá inaugurar a cadeira de medicina legal, fato que se deu em abril de 1918.

Já o ensino clínico, que desde 1816 era ministrado no hospital da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, sofreu melhorias significativas sob o ponto de vista material a partir das novas instalações do Hospital Santa Isabel, mencionadas acima. No entanto, as dificuldades no relacionamento entre a Congregação da Escola baiana e a Santa Casa permaneciam, prejudicando aquele ensino (TORRES, 1946).

Em 1918, ainda na gestão de Augusto Cézar Vianna, foi adquirido pela Escola baiana um terreno situado à rua Bom Gosto do Canela, onde ficava a antiga Chácara do General Aguiar, com fins de lá instalar um novo estabelecimento hospitalar compreendendo vários pavilhões, nos quais seriam ministradas as várias cadeiras de clínicas gerais e especiais da Faculdade de Medicina da Bahia. As únicas clínicas que não se incluiriam neste estabelecimento seriam a psiquiátrica, que deveria ser instalada em pavilhão junto ao Hospício São João de Deus, e a obstétrica, já instalada desde 1910 na Maternidade Climério Cardoso de Oliveira. 

Mais tarde, o Diretor Augusto Cézar Vianna, em relatório referente ao ano de 1924 encaminhado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores João Luiz Alves, ressaltava:

“Os serviços das clínicas são realizados nas enfermarias da Santa Casa de Misericórdia que continua a criar os mesmos embaraços e dificuldades, apesar da remuneração que recebe do Governo Federal para este fim. Por isso, torna-se urgente a construção de um hospital para as clínicas desta Faculdade, o que felizmente já está iniciado com a construção do 1° pavilhão para o serviço ambulatório das clínicas, que já está concluído, sendo preciso que o governo consigne uma verba para a construção de outros pavilhões, a fim desta Faculdade libertar-se da Santa Casa de Misericórdia e poder fazer um ensino compatível com o desenvolvimento do ensino atual” (Apud TORRES, 1946, p.66)

O ambulatório, que mais tarde recebeu o nome de Augusto Cézar Vianna, seria o 1° pavilhão do que viria a constituir o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Bahia, que se concretizou somente nos anos de 1940, na administração de Edgard Rego dos Santos. Ainda no período da gestão de Augusto Cézar foram instalados os pavilhões para os laboratórios de patologia geral, de prótese dentária, de física biológica e de química analítica.

Diretores:
José Avellino Barbosa (1829-1833); José Lino Coutinho (1833-1836); Francisco de Paula de Araújo e Almeida (1836-1844); João Francisco de Almeida (1844-1855); Jonathas Abbott (vice-diretor, no exercício da diretoria 1855-1857); João Baptista dos Anjos (1857-1871); Vicente Ferreira de Magalhães (vice-diretor, no exercício da diretoria 1871-1874); Antônio Januário de Faria (1874-1881); Francisco Rodrigues da Silva (1881-1886); Ramiro Affonso Monteiro (1886-1891); Antônio de Cerqueira Pinto (1891-1895); Antonio Pacífico Pereira (diretor interino em 1883; diretor 1895-1898); José Olímpio de Azevedo (1898-1901), Alfredo Thomé de Britto (1901-1908), Augusto Cézar Vianna (1908-?; 1924-?), Deocleciano Ramos (? -1924), José Aguiar Costa Pinto (1933-1936).

Estrutura e funcionamento

Desde sua criação até o ano de 1930, as escolas médicas da Bahia e do Rio de Janeiro passariam por várias reformas, sendo que muitas das medidas propostas por elas, na maioria das vezes não seriam postas em execução. Nas memórias históricas tanto da instituição baiana como da escola do Rio de Janeiro, eram frequentes as reclamações neste sentido por parte de seus autores:

“Desgraçadamente, é vezo antigo em nosso país deixarem-se  cair no esquecimento as melhores e mais úteis ou sábias disposições de lei, escritas ao que parece, tão somente para ser lidas, como se não passassem de mero torneio acadêmico, onde fosse o ideal imaginar o que de mais belo e perfeito se pudesse conceber, sem a mínima preocupação dos efeitos ou consequências delas resultantes. Fossem-nos julgar pelos nossos monumentos legislativos e seríamos talvez o princípio dos povos em civilização e progresso. Em particular, no que respeita ao ensino médico...” (BRITTO, 1904).

1ª Reforma do Ensino Médico Baiano
A partir do texto da carta régia de 29 de dezembro de 1815 encaminhada ao Governador e Capitão-general da capitania da Bahia, Conde dos Arcos (Marcos de Noronha e Brito), ficou estabelecida a criação de um “curso completo de cirurgia” na Escola de Cirurgia da Bahia visando “promover a cultura e o progresso” dos estudos de cirurgia, de acordo com o Plano dos Estudos de Cirurgia, de autoria do Manoel Luiz Alvares de Carvalho, aprovado pelo decreto de 1° de abril de 1813 e em aplicação na Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro desde esta data. Alvares de Carvalho havia sido nomeado no ano anterior Diretor dos Estudos Médicos e Cirúrgicos da Corte e Estado do Brasil com as honras de físico-mor do Reino, conselheiro e médico da Real Câmara. O Plano deveria servir de estatutos para o curso e as aulas ministradas no Hospital Militar seriam transferidas para o hospital da Santa Casa, onde havia enfermos e cadáveres disponíveis para a realização de experiências e operações, sendo necessário para isso entrar em acordo com o Provedor. A partir do “cumpra-se e expeçam-se as ordens” do Conde dos Arcos, em carta de 16 de fevereiro de 1816 dirigida ao Provedor da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, Tenente-coronel Antônio da Silva Paranhos, o ensino médico da Bahia foi então pela primeira vez reformado, seguindo o plano do Manoel Luiz Alvares de Carvalho

Sob o novo regime, o curso foi ampliado para 5 anos, constituindo-se das seguintes disciplinas: 
1° ano: anatomia, química farmacêutica e matéria médica (essas noções deveriam ser dadas pelo boticário do Hospital);
2° ano: anatomia (repetição) e fisiologia; 
3° ano: higiene, etiologia, patologia e terapêutica; 
4° ano: instruções cirúrgicas e operações, e lições e prática da arte obstétrica; 
5° ano: medicina prática e obstetrícia. 

Ainda em 1815, José Soares de Castro continuou como professor de anatomia geral; Manoel José Estrella passou a ensinar anatomia e fisiologia; Antônio Ferreira França foi designado para as cadeiras de higiene, etiologia, patologia e terapêutica; e José Avellino Barbosa ficou responsável pela clínica médica e obstetrícia. Para o ensino do 4º ano não foi designado nenhum professor. 

Quanto à titulação, de acordo com aquele Plano de Estudos, terminados os exames no final de cinco anos, o aluno recebia a carta de “aprovado em cirurgia”. Para ter o título de “formado em cirurgia”, o aluno deveria repetir os 4º e 5º anos, com aprovação distinta, adquirindo o direito de exercer a clínica médica onde não houvesse médicos; de pertencer ao Colégio Cirúrgico; de ser Opositor nas cadeiras das Escolas que seriam estabelecidas nas cidades da Bahia, Maranhão e Portugal; e de obter o grau de doutor, sendo necessário fazer todos os exames de preparatórios aos anos letivos, as conclusões magnas e a dissertações em latim (pontos XIV, XV, XVI e XVII). Essas condições para a obtenção de grau de doutor só seriam realizáveis em Coimbra.

Em 13 de dezembro de 1816, foi conferido ao médico Manoel Luiz Alvares de Carvalho, por votação da congregação dos lentes baianos, o título de “criador e fundador do Colégio Médico-Cirúrgico” (PEREIRA, 1923). A partir desse ano, começou a haver uma preocupação em registrar os acontecimentos da instituição, dando origem ao seu arquivo. Embora grande parte dos autores que escreveram sobre a história da Escola de Cirurgia da Bahia e da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro considere que a partir desta reforma essas escolas passaram a ser intituladas de Academia Médico-Cirúrgica, no caso da Bahia, muitos de seus documentos originados neste período utilizam o nome de Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia. Por outro lado, no texto do referido Plano publicado pelo decreto de 1° de abril de 1813 que o aprovou, não foi feita nenhuma menção a esta alteração do nome das instituições para Academia Médico-Cirúrgica.

Em 1817, foi introduzida a cadeira de química na Academia Médico-Cirúrgica da Bahia, por meio da carta régia de 28 de janeiro de 1817, ministrada pelo Sebastião Navarro de Andrade, diplomado pela Universidade de Coimbra. Em 7 de dezembro de 1818, Manuel da Silveira Rodrigues foi nomeado para professor do 4° ano. Com a criação da cadeira de farmácia, matéria médica e terapêutica, pela carta régia de 29 de novembro de 1819, foi designado para ocupá-la em 1821, o médico português Manuel Joaquim Henriques de Paiva. As suas aulas eram dadas na botica do Convento de Santa Teresa. Anteriormente, como na Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, as aulas de farmácia na academia baiana eram ministradas por um boticário (João Gomes da Silva). Em março de 1824, o lente substituto José Maria Álvares do Amaral ocupou a cadeira de operações e partos, no lugar de Manuel da Silveira Rodrigues, que fora transferido no ano anterior para a cadeira de parto da academia do Rio de Janeiro. Criada a cadeira de patologia externa em 14 de julho de 1825, foi entregue a José Lino Coutinho, que se tornou responsável pelo ensino do 3° ano. Neste último ano, a cadeira de operações e partos foi ocupada por Francisco de Paula de Araújo e Almeida, recém-formado em cirurgia pela Academia Médico-Cirúrgica da Bahia (1820) e em medicina, pela Universidade de Bolonha. Neste período, Sebastião Navarro de Andrade, posicionando-se contra a Independência do Brasil, retirou-se para Portugal, ficando vaga a cadeira de química que seria ocupada somente em 1831 por Antônio Policarpo Cabral. 

Em 1826, Antônio Ferreira França, José Lino Coutinho e José Avellino Barbosa, professores do curso médico da Bahia, seguiram para o Rio de Janeiro para cumprirem o mandato como deputados na primeira Assembleia Legislativa, no período de 1826 a 1829, tendo sido substituídos por Antonio Torquato Pires, Inácio Rodrigues Gomes e Francisco Marcellino Gesteira.

Pela lei de 9 de setembro de 1826, modificou-se a expedição das cartas de “cirurgião” (5 anos de curso) e de “cirurgião formado” (6 anos de curso), que passaram a ser emitidas pelos diretores e assinadas pelos lentes das academias da Bahia ou do Rio de Janeiro, e subscritas pelo Secretário de Estado dos Negócios do Império. A primeira carta habilitava o cirurgião a curar apenas no ramo da cirurgia em todas as partes do Império, mediante a sua apresentação à autoridade local. Já a segunda, também mediante a sua apresentação, permitia curar nos ramos da cirurgia e medicina em todas as partes do Império.
 
Reforma de 1832
Em 1830, depois da tentativa de José Lino Coutinho (1827), Francisco de Paula de Araújo e Almeida, também professor da Academia Médico-Cirúrgica da Bahia e deputado pelo mesmo Estado, apresentou um projeto, no qual sugeria que as academias médico-cirúrgicas da Bahia e do Rio se transformassem em escolas de medicina, propondo sete anos de duração para o curso médico. Decidido a encontrar uma solução, conseguiu que o seu projeto e cópias dos anteriores fossem encaminhados pela Câmara dos Deputados à Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, para que essa estudasse e elaborasse um plano único. Uma comissão especial de médicos membros dessa Sociedade, composta por José Martins da Cruz Jobim, Joaquim José da Silva, José Maria Cambuci do Valle, Joaquim Vicente Torres Homem, Octaviano Maria da Rosa, João Maurício Faivre e Joaquim Cândido Soares de Meirelles, elaborou então um anteprojeto que em nome da Sociedade foi apresentado por Cruz Jobim à apreciação da Câmara dos Deputados do Império.

O anteprojeto denominava-se “Plano de Organização das Escolas Médicas do Império”, redigido pela Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro em 7 de outubro de 1830. Esse plano foi aceito tanto na Câmara como no Senado. E assim, a 3 de outubro de 1832, a lei do ensino médico foi assinada pela Regência Trina Permanente, formada por Francisco de Lima e Silva, José da Costa Carvalho e João Braulio Muniz, e referendada pelo Ministro do Império Nicolau Pereira de Campos Vergueiro.    

Considerada de orientação liberal, entre suas principais modificações destacaram-se a organização idêntica dos dois estabelecimentos (Rio de Janeiro e Bahia), que passaram a ter a mesma denominação – Escola ou Faculdade de Medicina -, sendo mais usados os nomes de Faculdade de Medicina da Bahia e Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro; e a duração do curso de 6 anos, sendo constituído por 14 cadeiras ministradas por 14 lentes e seis substitutos, sistematizadas em três seções:
- Ciências acessórias: física, botânica e zoologia, química e mineralogia; 
- Ciências médicas: fisiologia, patologia interna, matéria médica e farmácia, higiene e história da medicina, e clínica interna;
- Ciências cirúrgicas: anatomia geral e descritiva, patologia externa, partos, medicina operatória e aparelhos, e clínica externa.

As matérias do curso médico ficaram distribuídas da seguinte forma: 
1º ano: física médica, botânica médica e princípios elementares de zoologia; 
2º ano: química médica e princípios elementares de mineralogia, e anatomia geral e descritiva;
3º ano: anatomia geral e descritiva e fisiologia;
4º ano: patologia externa, patologia interna, farmácia, matéria médica, especialmente a brasileira, terapêutica e arte de formular;
5º ano: anatomia topográfica, medicina operatória e aparelhos, partos, moléstias de mulheres pejadas e paridas e de meninos recém-nascidos;
6º ano: higiene e história da medicina e medicina legal. 
As cadeiras de clínica externa e anatomia patológica deveriam ser ministradas do 2º ao 6º ano, e as de clínica interna e anatomia patológica, do 5º ao 6º ano (art. 17).

O curso farmacêutico constava das seguintes disciplinas: 
1º ano: física médica, botânica médica e princípios elementares de zoologia; 
2º ano: botânica médica e princípios elementares de zoologia, e química médica e princípios elementares de mineralogia;
3º ano: química médica e princípios elementares de mineralogia, matéria médica, especialmente a brasileira, e farmácia e arte de formular. 

Para obter o título de farmacêutico, o aluno deveria praticar durante o curso ou posteriormente, pelo período de três anos, na botica de um boticário aprovado (art. 18). Além destes cursos, haveria um curso particular para parteiras ministrado pelo professor de partos (art. 19).    

As faculdades emitiriam títulos de doutor em medicina, de farmacêutico e de parteira. A congregação teria autonomia para elaborar seu regulamento, podendo eleger seu diretor mediante lista tríplice e aplicar as taxas de matrículas e dos títulos na compra de livros para a biblioteca.

O exercício da profissão médica foi permitido aos estudantes brasileiros, diplomados pelas universidades da Europa antes da lei de outubro de 1832, sem ser necessária a prestação de exames ou pagamento de qualquer taxa, conforme o decreto nº 86 de 27 de outubro de 1835. Aos cirurgiões diplomados pela Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro ou pela Academia Médico-Cirúrgica da Bahia, foi concedido, pelo decreto nº 71 de 30 de setembro de 1837, o direito de fazerem os exames que lhes faltassem a fim de receberem o grau de doutor. 

A partir dessa reforma, o corpo docente ficou constituído pelos doutores Manuel Maurício Rebouças (botânica); Vicente Ferreira de Magalhães (física); Jonathas Abbott (anatomia); Antônio Policarpo Cabral (química); José Vieira de Faria Aragão Ataliba (química médica e mineralogia); Francisco de Paula de Araújo e Almeida (fisiologia); José Lino Coutinho (patologia externa); Antônio Ferreira França (patologia interna); Francisco Marcellino Gesteira (partos); Fortunato Candido da Costa Dormund (matéria médica e farmácia); João Baptista dos Anjos (medicina operatória); João Antunes de Azevedo Chaves (clínica externa); José Avellino Barbosa (higiene); e João Francisco de Almeida (medicina legal).

Os lentes catedráticos passaram a ter vencimentos e honras iguais às dos desembargadores, podendo aposentar-se com 25 anos de serviço. Quanto aos lentes substitutos, ficavam distribuídos de dois em dois pelas três seções (ciências acessórias, médicas e cirúrgicas). 

Em 1839, a Faculdade de Medicina da Bahia reclamava a realização de muitas das medidas da lei de 1832 que ainda não tinham sido postas em execução. As reformas seguintes até a de 1891 continuaram referindo-se às escolas médicas da Bahia e do Rio de Janeiro, que seriam as únicas existentes no país. A partir de 1901, quando já havia a Escola Livre de Farmácia e Química Industrial de Porto Alegre, criada em 1897, e que no ano seguinte tornou-se Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre, aquelas escolas médicas da Bahia e do Rio de Janeiro passaram a ser consideradas as oficiais, que ministrariam o programa de ensino que seria modelo para as outras criadas posteriormente em outros estados. 

Reforma Bom Retiro 
Conhecida também como Reforma Couto Ferraz, foi instituída pelo decreto n° 1.387 de 28 de abril de 1854, aprovado pelo Ministro do Império Barão de Bom Retiro (Luiz Pedreira do Couto Ferraz), estabelecendo novos estatutos às faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. 

Seguindo o modelo francês adotado na época de Napoleão Bonaparte, essa reforma foi considerada de orientação conservadora por recrudescer o código de penas disciplinares e os processos dos exames, além de reduzir a autonomia concedida pela lei anterior, abolindo a eleição do diretor e a elaboração do regulamento pela Congregação.

Com a falta de hospitais próprios para o ensino, a lei mandava que as diretorias das faculdades entrassem em entendimento com as Santas Casas da Misericórdia para a utilização de suas enfermarias e outras dependências nos trabalhos de dissecação e autópsias. O número de cadeiras foi aumentado para 18, sendo criadas as de química orgânica, anatomia geral e patológica, patologia geral, terapêutica e matéria médica, e associando o ensino da anatomia topográfica à cadeira de medicina operatória e aparelhos. As cadeiras de medicina legal e farmácia foram incorporadas à seção de ciências acessórias. 

Os cursos de farmácia e obstetrícia continuaram funcionando anexos aos de medicina, sofrendo algumas modificações. O curso farmacêutico ficou assim constituído: 
1º ano: física, química e mineralogia; 
2º ano: botânica, química e mineralogia (repetição) e química orgânica;
3º ano: botânica (repetição), matéria médica e farmácia. 
Os alunos eram obrigados a praticar diariamente desde o 1º ano em uma farmácia particular determinada pela Congregação, enquanto não fosse criado o laboratório farmacêutico da Faculdade.

O curso de obstetrícia tinha duração de dois anos, sendo constituído pela cadeira de partos e pela frequência desta clínica no hospital da Santa Casa da Misericórdia da Bahia

Essa reforma propunha ainda a criação de um horto botânico, de um laboratório de química, dos gabinetes de física, de história natural, de anatomia e de matéria médica, de material cirúrgico e de uma oficina farmacêutica. 

Ainda de acordo com os estatutos da reforma de 1854, foi criada a classe dos opositores e suprimida a dos lentes substitutos. Os cargos de substitutos seriam suprimidos à medida que fossem vagando, e criados os de cinco opositores para cada seção (ciências acessórias, ciências médicas e ciências cirúrgicas), com ordenados que variavam de acordo com as funções desempenhadas, que podiam ser de preparadores nos gabinetes ou de professores na falta de um dos catedráticos. De três em três anos, escolhia-se um lente ou um opositor de cada Faculdade, para realizar pesquisas e investigações científicas no Brasil ou no estrangeiro, comissionado pelo governo. Ao completarem vinte e cinco anos de serviço, os professores seriam jubilados com o ordenado integral e receberiam o título de “conselheiro” do Imperador. 

Por ocasião do encerramento do ano letivo, ficou estabelecido que a congregação das faculdades de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro designariam um dos seus membros para apresentar, na primeira sessão do ano seguinte, a denominada memória histórica, que consistia na narração dos principais acontecimentos ocorridos na instituição durante o ano findo. Com a aprovação do decreto nº 1.623 de 30 de junho de 1855 pelo Ministro do Império Luiz Pedreira do Couto Ferraz, foram concedidas aos lentes daquelas faculdades as honras de desembargador.

Neste período, o decreto nº1.764 de 14 de maio de 1856, que aprovou o regulamento complementar dos estatutos das faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, regulou a verificação dos diplomas de dentistas formados no exterior, já que na época, nessas duas faculdades do Império, não existia o curso de odontologia. O exame de verificação versava sobre: anatomia, fisiologia, patologia e anomalias dos dentes, gengivas e arcadas alveolares; higiene e terapêutica dos dentes; descrição dos instrumentos que compõem o arsenal cirúrgico de dentista; teoria e prática da sua aplicação; meios de confeccionar as peças de prótese e ortopedia dentária (art. 81). Se habilitado, o profissional recebia o título de “dentista aprovado”. Esse decreto de 1856 também dispôs sobre o exame de “sangrador”, que se resumia no conhecimento das veias dos braços e das pernas, teoria e prática da sangria e aplicação de ventosas e principais acidentes da flebotomia, com os meios de socorro indicados (art. 83). O habilitado recebia o título de “sangrador aprovado”. 

Em 1860, mais uma vez a Faculdade de Medicina da Bahia encaminhou ao Governo Imperial uma representação solicitando o cumprimento das medidas dessa última reforma. Havia reclamações por parte dos membros da Congregação, da falta de meios para o desenvolvimento dos estudos práticos propostos (CARVALHO FILHO, 1909). 

Pelo decreto n° 2.649 de 22 de setembro de 1875, foi determinado que só haveria concurso para os lugares de opositores que passariam a chamar-se de substitutos nas faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. No ano seguinte, pelo decreto nº 6.203 de 17 de maio, foi extinta a classe de opositores e recriada a de substitutos com acesso à classe dos catedráticos por antiguidade. Incorporando as funções dos opositores estipuladas pela reforma de 1854, o número de substitutos foi reduzido para nove, sendo três para cada uma das três seções (ciências acessórias, ciências médicas e ciências cirúrgicas). 

Reformas de 1879 - 1884
O decreto n° 7.247 de 19 de abril de 1879 estabeleceu a reforma do ensino primário, secundário e superior do Império, sendo referendado pelo Ministro do Império Carlos Leôncio de Carvalho. Em relação ao ensino médico superior, essa reforma, que ficou conhecida pelo nome de Reforma Leôncio de Carvalho, foi projetada com base nos pareceres das faculdades e relatórios de professores comissionados para avaliarem o ensino nos países considerados mais adiantados. A comissão de professores foi designada por Leôncio de Carvalho entre os membros da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, ficando constituída por Vicente Cândido Figueira de Sabóia (Visconde de Sabóia), Domingos José Freire Júnior e Cláudio Velho da Motta Maia. 

A Faculdade de Medicina da Bahia também exerceria influência nesta reforma, através da representação aprovada pela Congregação em 30 de outubro de 1880, dirigida à Câmara dos Deputados e ao Senado, tendo como relator o professor Antonio Pacífico Pereira

“Nem ao mais exagerado otimismo podem satisfazer as atuais condições do ensino médico em nossas Faculdades, e esta Congregação, sentindo a necessidade imprescindível das reformas que não tem cessado de pedir, quer nas memórias históricas anuais, quer em pareceres especiais, já diversas vezes emitidos, - vem solicitá-las do Poder Legislativo, cônscia de que a ilustração e critério dos Dignos Representantes da Nação, não permitirá que por mais tempo continue no Brasil o importantíssimo estudo da medicina, em deplorável contraste com o seu desenvolvimento florescente em todos os países cultos, condenado à imobilidade e ao regresso servindo de desânimo à mocidade e de descrédito à nação inteira...” (PEREIRA, 1923, p.82)

Pacífico Pereira, assim como aquela comissão de professores da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro convocada pelo Ministro Leôncio de Carvalho, viajara até a Europa nos anos de 1870, para estudar a organização do ensino naqueles países, revelando-nos suas impressões a respeito: 

“o método experimental progredia de modo rápido e prodigioso, trazia funda e dolorosa impressão do nosso atraso ante a admiração e verdadeiro assombro que em mim produzira a vasta e imponente instalação dos institutos e laboratórios em que se ministrava o ensino prático e experimental nas universidades alemães e austríacas (PEREIRA, 1923, p.47-48)”. 

Adversário da reforma de 1854, Pacífico Pereira defendeu a aplicação do “método experimental” no ensino médico do Brasil, reivindicou a exigência do bacharelado em letras e ciências físicas e naturais para matrícula no curso médico; desenvolvimento do ensino prático, criando os institutos com os laboratórios necessários aos trabalhos experimentais das diversas cadeiras; maior autonomia às faculdades concedendo-lhes o direito de eleger seus diretores; criação junto ao Ministério do Império, de uma seção especial e um conselho consultivo para tratar de questões administrativas relativas à higiene e ao ensino médico (CAMPOS, 1944).

Inspirada nas universidades alemãs, essa reforma de 1879 estabelecia a liberdade de frequência nas faculdades; a permissão ao estudante de repetir os exames das matérias em que não tivesse conseguido habilitação, em época apropriada (art. 20); a permissão a associações particulares para a fundação de cursos, nos quais as matérias ensinadas fossem integrantes do programa de qualquer curso oficial de ensino superior (art. 21); a concessão de salas do prédio das faculdades para funcionamento de cursos livres de matérias ensinadas nos seus cursos regulares (art. 22). A reforma previa também que a cada uma das faculdades de medicina ficariam anexos uma escola de farmácia, um curso de obstetrícia e ginecologia e outro de cirurgia dentária; o aumento dos preparatórios exigidos para a matrícula nesses cursos; o direito das mulheres de se inscreverem nos cursos, para as quais eram reservados lugares separados nas aulas (art. 24). 

Quanto ao curso médico, previa o acréscimo de mais duas cadeiras de clínica geral e quatro de clínicas especiais (a obstétrica, a psiquiátrica, a oftalmológica e a de moléstias sifilíticas e da pele), além da criação de três institutos para o ensino prático - Instituto de ciências físico-químicas, formado pelos laboratórios de física, de química mineral, de química orgânica e biológica e de farmácia; Instituto biológico, formado pelos laboratórios de anatomia, fisiologia, botânica e zoologia, medicina legal e toxicologia; e o Instituto patológico, formado pelos laboratórios de histologia normal e patológica, de operações e prótese dentária. O curso de odontologia era constituído pelas matérias: física elementar, química mineral elementar, anatomia descritiva da cabeça, histologia dentária, fisiologia dentária, patologia dentária, terapêutica dentária, medicina operatória e cirurgia dentária. Ao passo que o curso obstétrico constava das seguintes matérias: anatomia descritiva, física geral, química geral, fisiologia, obstetrícia, farmacologia, clínica obstétrica e ginecologia. Os títulos conferidos ao final dos cursos referidos eram os de bacharel em medicina, bacharel em farmácia e em ciências físicas e naturais, cirurgião-dentista, e o de parteiro ou de mestre em obstetrícia (art. 24).

Entretanto, o fato de terem sido postas logo em execução aquelas medidas que estabeleciam a liberdade de frequência e a extinção das sabatinas e lições no ensino superior, sem antes promover a melhoria do ensino secundário, levou os contemporâneos dessa reforma a considerá-la como implementadora de um “regime de vadiação e madraçaria” (CAMPOS, 1944). Por outro lado, ao permitir a fundação de cursos por associações particulares e a constituição das faculdades livres (art. 21), essa mesma reforma promoveria a quebra do monopólio da formação profissional pelas faculdades de medicina do Rio de Janeiro e de Salvador. 

Ainda em agosto de 1879, foi dada permissão para serem abertos os primeiros cursos livres na Faculdade de Medicina da Bahia, o de anatomia topográfica por Antonio Rodrigues Lima, de fisiologia por Manoel José de Araújo e de anatomia descritiva por Manuel de Assis Souza (CARVALHO FILHO, 1909). 

Estas modificações estabelecidas pela Reforma Leôncio de Carvalho só foram efetivadas a partir da regulamentação da lei n° 3.141 de 30 de outubro de 1882 e do decreto n° 9.311 de 25 de outubro de 1884, referendado pelo Ministro do Império Filippe Franco de Sá. As modificações estabelecidas por este último decreto ficaram conhecidas pelo nome de Reforma Sabóia, devido a atuação do diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Vicente Cândido Figueira de Sabóia, no processo de sua elaboração. A partir desta, foi prevista a criação de um museu e treze laboratórios nas faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia – de física, de química mineral, de química orgânica, de botânica, de farmácia, de fisiologia, de anatomia descritiva, de histologia normal e patológica, de terapêutica, de higiene, de operações, de toxicologia, e de cirurgia e prótese dentária. 

Ainda de acordo com a Reforma Sabóia, cada uma das faculdades de medicina do Império ficaria composta por um curso de ciências médicas e cirúrgicas e por três cursos anexos: o de farmácia, o de odontologia e o de obstetrícia e ginecologia (art. 1°). No curso de ciências médicas e cirúrgicas seriam mantidas as 26 cadeiras que ficariam distribuídas em oito séries (art. 2º). O curso farmacêutico e o de odontologia teriam duração de três anos, e o curso de obstetrícia dois anos (arts. 3°, 4° e 5°). Foi prevista a criação do laboratório de anatomia e fisiologia patológica, além dos outros 13 laboratórios mencionados acima. 

Com a permissão dada às mulheres de se diplomarem, instituída por estas últimas reformas, em 1887 formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia a primeira mulher médica no Brasil - Rita Lobato Velho Lopes. Natural do Rio Grande do Sul, defendeu tese intitulada “Paralelos entre os métodos preconizados na Operação Cesariana” (SANTOS FILHO, 1991).

Reforma Benjamin Constant
Primeira reforma de ensino do regime republicano, foi instituída pelo decreto nº 1.270 de 10 de janeiro de 1891, aprovado pelo Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca e referendado pelo Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Essa reforma propunha a reorganização das instituições de ensino médico, denominadas agora de Faculdade de Medicina e Farmácia da Bahia e Faculdade de Medicina e Farmácia do Rio de Janeiro. A autonomia didática era concedida às faculdades com relação ao reconhecimento das habilitações (art. 2°), exigindo-se para a prática da “arte de curar” o licenciamento ou graduação pelas faculdades de medicina federais (art. 7°). O curso passou a ser constituído por 29 cadeiras, distribuídas em 12 seções e seis séries. A frequência tornou-se obrigatória. As disciplinas classificavam-se de modo original: 
- Ciências físicas e naturais: física médica, química inorgânica médica, química orgânica e biológica, química analítica e toxicológica, botânica e zoologia médicas, farmacologia e arte de formular; 
- Ciências que entendem com a estática e a dinâmica do homem são: anatomia descritiva, anatomia médico-cirúrgica e comparada, fisiologia e histologia; 
- Ciências que entendem com a estática e a dinâmica do homem doente: patologia cirúrgica, patologia médica, patologia geral e história da medicina, operações e aparelhos, anatomia e fisiologia patológicas, medicina legal, clínicas propedêutica, cirúrgica, médica, ginecológica, pediátrica, dermatológica e sifilográfica, oftalmológica, psiquiátrica e de moléstias nervosas;
- Ciências que entendem com a estática e a dinâmica do homem são e do homem doente: obstetrícia e clínica obstétrica, higiene e mesologia. 

A cadeira de química analítica e toxicológica criada com essa reforma passou a ser obrigatória no curso farmacêutico que continuou tendo duração de três anos.  Na Faculdade de Medicina e Farmácia da Bahia, Sebastião Cardoso foi designado para ministrá-la. Além desta modificação curricular, foi criada a cadeira de clínica propedêutica, ocupada na Bahia por Carlos Freitas, e a cadeira de anatomia topográfica, medicina operatória e aparelhos desdobrou-se em duas: anatomia médico-cirúrgica e comparada, e operações e aparelhos. Estabeleceram-se os laboratórios de química analítica e toxicológica e anatomia médico-cirúrgica e comparada. Os cursos anexos às faculdades de medicina e farmácia da Bahia e do Rio de Janeiro passaram a ser os cursos de parteira e de odontologia. O primeiro deles era constituído por duas séries, constando das seguintes matérias: 
1ª série: anatomia da bacia, descritiva e topográfica, e dos órgãos geniturinários com respeito à mulher;
2ª série: prática do parto normal e a pequena intervenção obstétrica. 
O curso de odontologia também constituído por duas séries, constava das seguintes matérias: 
1ª série: anatomia, histologia, fisiologia e higiene dentária;
2ª série: clínica e prótese dentárias. 

Na Faculdade de Medicina e Farmácia da Bahia, o laboratório de odontologia foi instalado neste ano de 1891, tendo como diretor e preparador Antonio Baptista dos Anjos, e como professor de odontologia e prótese dentária Manuel Bonifácio da Costa.
A partir de outubro de 1891, os negócios até então destinados ao Ministério da Justiça, ao Ministério do Interior e ao Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos foram reunidos no Ministério da Justiça e Negócios Interiores. 

Esta reforma foi modificada e completada pelo decreto nº 1.159 de 3 de dezembro de 1892 e pelo decreto nº 1.482 de 24 de julho de 1893, aprovados pelo Presidente da República Floriano Peixoto e referendados pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Fernando Lobo. No primeiro desses decretos, que tratou dos códigos das disposições comuns às instituições de ensino superior dependentes do Ministério da Justiça, sobressaiu a parte sobre as “comissões e investigações em benefício da ciência e do ensino”. Ficava estipulado que de dois em dois anos, a Congregação de cada uma das instituições indicaria ao Governo um lente catedrático ou substituto “para estudar nos países estrangeiros os melhores métodos do ensino e as matérias das respectivas cadeiras, e examinar os estabelecimentos e instituições das nações mais adiantadas da Europa e da América” (art. 243). Já o segundo decreto, que instituiu novo regulamento para as escolas médicas, alterou seus currículos, transferindo a matéria médica da cadeira de terapêutica para a de farmácia, e suprimindo a anatomia comparada.

Admitiu-se a possibilidade de cursos livres, com permissão da diretoria, facultando-se ao professor o local para os seus cursos, apenas as salas, pois as clínicas e os laboratórios não podiam ser franqueados. A permissão de curso não dava título nem regalias. Tornou-se obrigatória a frequência dos alunos nos laboratórios e nas clínicas. Os professores substitutos ressurgiam novamente, sendo eliminados os adjuntos. 

Código de 1901 
Implantada pelo decreto n° 3.890 de 01 de janeiro de 1901, aprovado pelo Presidente da República Campos Salles e referendada pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Epitácio Pessoa, deu novo código aos institutos oficiais de ensino superior e secundário, ligados àquela pasta. Seguido do decreto nº 3.902 de 12 de janeiro de 1901, estabeleceu-se novo regulamento para as faculdades de medicina que voltaram a ser denominadas Faculdade de Medicina da Bahia e Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. As cadeiras de física médica, química analítica e toxicológica, e patologia geral foram suprimidas; e as de química inorgânica e de química orgânica e biológica foram fundidas em uma só, dando origem à cadeira de química médica. 

A nova reforma, além de restringir a liberdade de frequência, suprimiu várias cadeiras, que voltaram a ser em número de 26. O curso farmacêutico, com a suspensão das cadeiras mencionadas acima, foi reduzido a dois anos. As provas práticas foram dispensadas em várias disciplinas, cerceando-se direitos e prerrogativas estabelecidos desde 1884 e distribuindo arbitrariamente os substitutos por seções que lhes eram estranhas. Em compensação, foi criada a cadeira de bacteriologia.

Na Faculdade de Medicina da Bahia foi designado para ocupar a cadeira de bacteriologia Augusto Cézar Vianna que já vinha desenvolvendo, como professor de anatomia e fisiologia patológicas, estudos a respeito. De início, a parte prática desses estudos era realizada com material de sua propriedade particular, sendo criado posteriormente o laboratório de bacteriologia.
    
Reforma Rivadávia Corrêa
A Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental da República foi assinada pelo Presidente da República Hermes da Fonseca e referendada pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores Rivadávia Corrêa, através do decreto nº 8.659 de 5 de abril de 1911. Nessa mesma data foi emitido o decreto nº 8.661 que aprovou o regulamento das faculdades de medicina. Apelidada de “lei desorganizadora do ensino”, seguiu os moldes das universidades alemãs. Propondo a autonomia didática e administrativa das faculdades, os programas de ensino de outras escolas ou faculdades não tinham mais a obrigatoriedade de seguir os das faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, desoficializando o ensino. A exigência de documentos que comprovassem curso preparatório anterior deixou de ser feita para o ingresso nas faculdades e a emissão de diplomas foi facilitada, substituindo-os pelo certificado. Foi criado o Conselho Superior do Ensino, que substituiria a função fiscal do Estado (art. 5º do decreto nº 8.659). O Conselho ficaria composto pelos diretores das faculdades de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, de direito de São Paulo e de Pernambuco, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, do diretor do Colégio Pedro II e de um docente de cada um desses estabelecimentos (art. 12). Estabeleceu-se a livre-docência com regalias, como a de figurar nas mesas de exame, certificar frequência e escolher um representante com assento na Congregação. O princípio da liberdade profissional era o ponto fundamental da nova reforma.

As faculdades de medicina seriam designadas pelo nome da cidade em que funcionavam, devendo oferecer os cursos de ciências médicas e cirúrgicas, de farmácia, de odontologia e de obstetrícia (art. 1º do decreto nº 8.661). Quanto ao currículo do curso de ciências médicas e cirúrgicas, que seria dividido em seis séries, as cadeiras de patologia médica, patologia cirúrgica, clínica propedêutica e obstetrícia (teoria) foram suprimidas. Em contrapartida, foram introduzidas as cátedras de física médica, patologia geral, ginecologia (desmembrada de obstetrícia) e otorrinolaringologia. A clínica de crianças foi desdobrada em clínica pediátrica médica e higiene infantil, e clínica pediátrica cirúrgica e ortopedia. A clínica de operações e aparelhos juntou-se à de anatomia médico-cirúrgica. A cadeira de bacteriologia passou a se chamar microbiologia e a de histologia tomou o nome de anatomia microscópica. O curso de farmácia a partir dessas modificações, passou a ter duração de três anos, constando das seguintes matérias: 1ª série – física, química mineral e orgânica, e história natural médica; 2ª série – química analítica, bromatologia, farmacologia (1ª parte) e higiene; 3ª série – farmacologia (2ª parte), microbiologia, química industrial e toxicologia (art. 43). O curso de odontologia: 1ª série - anatomia descritiva (em particular da cabeça), anatomia microscópica (em particular da cabeça), fisiologia geral, patologia geral e anatomia patológica; 2ª série – clínica odontológica, técnica odontológica, terapêutica dentária, prótese dentária e higiene geral (em particular da boca) (art. 56). Já no curso de obstetrícia foram introduzidas as matérias de microbiologia, de clínica obstétrica (com exercícios prévios no manequim) e de higiene infantil e antissepsia (art. 64).

Com a criação das categorias de professores ordinários e extraordinários de acordo com a nomenclatura alemã, foram admitidos novos professores. 

As clínicas especiais tornaram-se obrigatórias, ficando a sua direção a cargo de um professor extraordinário. Os professores extraordinários eram livres-docentes de qualquer matéria da Faculdade. A caderneta de frequência foi instituída, sendo indispensável ao exame que passou a ter três categorias: o preliminar (1ª série do curso), o básico (2ª e 3ª séries) e o final (as três últimas séries). 

Reforma Maximiliano
Em 18 de março de 1915, o Presidente da República Wenceslau Braz aprovou e o Ministro da Justiça e Negócios Interiores Carlos Maximiliano Pereira dos Santos referendou o decreto nº 11.530. Este decreto extinguiu a designação de professores ordinários e extraordinários, voltando os títulos de catedráticos e substitutos. Os concursos de prova foram restabelecidos não só para os professores como para os livres-docentes. Restringiram-se as atribuições da Congregação, entre as quais a de eleger o seu diretor. 

A intervenção da instância do Conselho Superior de Ensino foi reduzida, passando a ter a função de receber e julgar os embargos da Congregação que não fossem manifestados em maioria absoluta. À Diretoria foi concedido o privilégio de administração do patrimônio escolar. Garantiu-se a liberdade de frequência. Criou-se mais uma cadeira de clínica médica e a cadeira de neurologia foi separada da de psiquiatria. 

Reforma Rocha Vaz 
Conhecida também como Reforma João Luiz Alves, foi proposta pelo decreto n° 16.782-A de 13 de janeiro de 1925, assinado pelo Presidente da República Arthur Bernardes e o Ministro da Justiça e Negócios Interiores João Luiz Alves. O nome Rocha Vaz deveu-se à participação do diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Juvenil da Rocha Vaz, na elaboração da reforma. Essa estabelecia a reorganização do ensino secundário e superior, sendo que esse último passou a abranger os cursos de direito, de medicina, de engenharia, de farmácia e de odontologia (art. 33).
Esta reforma criou o Departamento Nacional de Ensino, diretamente subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Além disso, suprimiu o Conselho Superior de Ensino, criando o Conselho Nacional de Ensino, composto de três seções: o Conselho de Ensino Secundário e Superior, o Conselho de Ensino Artístico e o Conselho de Ensino Primário e Profissional.

Determinava também que os cursos médicos da Faculdade de Medicina da Bahia e da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro deviam ser realizados em seis anos, elevando suas cadeiras a trinta e seis: 
1º ano: física, química geral e mineral, biologia geral e parasitologia, e anatomia humana;
2º ano: anatomia humana, química orgânica e biológica, histologia e fisiologia;
3º ano: fisiologia, microbiologia, farmacologia e patologia geral;
4º ano: clínica médica propedêutica, patologia médica e anatomia patológica;
5º ano: clínica médica, patologia cirúrgica, clínica cirúrgica, higiene, medicina legal e terapêutica;
6º ano: obstetrícia, clínica pediátrica médica e higiene infantil, clínica cirúrgica infantil e ortopédica, clínica obstétrica, clínica ginecológica, clínica neuriátrica, clínica psiquiátrica, clínica dermatológica e sifiligráfica, clínica otorrinolaringológica, clínica oftalmológica e medicina tropical.

O ensino médico ficou dividido em três cursos: 1º - curso fundamental correspondente aos três primeiros anos; 2º - curso geral de aplicação abrangendo os dois anos seguintes; 3º - curso especializado de aplicação compreendendo o sexto ano.

Por esta lei foi criada a cadeira de medicina tropical destinada ao ensino de moléstias tropicais e, especialmente, das que mais interessassem à nosologia do país (art. 71).  O curso farmacêutico e o curso de odontologia foram transformados em Faculdade de Farmácia e Faculdade de Odontologia anexas à Faculdade de Medicina, submetidas ao diretor desta em ambas as instituições – da Bahia e do Rio de Janeiro (arts. 109 e 120).

O curso farmacêutico passou a ter quatro anos, ficando assim constituído:
1º ano: física, química geral e mineral, e botânica geral e sistemática aplicada à farmácia;
 2º ano: química orgânica e biológica, zoologia geral e parasitologia, e farmácia galênica;
3º ano: microbiologia, química analítica e farmacognosia;
4º ano: biologia geral e fisiologia, química toxicológica e bromatológica, higiene e legislação farmacêutica, e farmácia química (art. 110). 

As cadeiras consideradas privativas do curso de farmácia (farmácia galênica, farmacognosia, farmácia química, química analítica e química toxicológica e bromatológica) e do curso de odontologia (metalurgia e química aplicadas, técnica odontológica, patologia e clínica odontológica, prótese, e ortodontia e prótese dos maxilares) passaram a ser lecionadas por farmacêuticos e cirurgiões-dentistas, respectivamente (arts. 115, 116, 126 e 127). 
O curso de odontologia passou a ser feito em três anos, pela seguinte forma:
 1º ano: anatomia geral, especialmente da boca, histologia e noções de microbiologia, fisiologia e metalurgia, e química aplicada;
2º ano: patologia geral e anatomia patológica, especialmente da boca, técnica odontológica, prótese (1ª parte) e patologia e clínica odontológica;
3º ano: clínica odontológica, ortodontia e prótese dos maxilares, higiene, especialmente da boca, e terapêutica (art. 121). 
Por outro lado, o curso de parteiras foi extinto e criado um curso para as enfermeiras das maternidades anexas às faculdades de medicina. (art. 133). 

Fundação da Universidade da Bahia
O decreto nº 19.851 de 11 de abril de 1931, assinado pelo Chefe do Governo Provisório Getúlio Vargas e pelo Ministro da Educação e Saúde Pública Francisco Campos, dispôs sobre o ensino superior no Brasil que passaria a obedecer ao sistema universitário seguindo os dispositivos dos Estatutos das Universidades Brasileiras. Essa reforma de ensino ficou conhecida como Reforma Francisco Campos.

No entanto, a criação oficial da Universidade da Bahia deu-se somente em 1946 pelo decreto-lei n° 9.155 de 8 de abril, assinado pelo Ministro da Educação Ernesto Sousa Campos e pelo Presidente da República General Eurico Gaspar Dutra. Instalada em 2 de julho do mesmo ano, ficou constituída pelos seguintes institutos: Faculdade de Medicina da Bahia e escolas anexas de Odontologia e de Farmácia; Faculdade de Direito da Bahia; Escola Politécnica da Bahia; Faculdade de Filosofia da Bahia; e Faculdade de Ciências Econômicas. Pela lei nº 1.021 de 28 de dezembro de 1949, os cursos farmacêuticos e de odontologia, de escolas anexas à Faculdade de Medicina da Bahia, passaram à unidade universitária, conquistando suas autonomias, quando foram denominadas Faculdade de Farmácia da Universidade da Bahia e Faculdade de Odontologia da Universidade da Bahia.

Em 1950, pela lei nº 1.254 de 4 de dezembro, a Universidade passou a compor o sistema federal de ensino superior, sendo mantida diretamente pela União. A partir de 1965, de acordo com a lei nº 4.759 de 20 de agosto, recebeu o nome de Universidade Federal da Bahia, quando suas unidades em questão foram denominadas de Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia e Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia.

Atuação e Participação em Movimentos Sociais
Na época da independência, entre setembro de 1822 e março de 1824, a então Academia Médico-Cirúrgica da Bahia permaneceu fechada devido à sua ocupação pelos lusos, quando alguns de seus membros se envolveram na guerra de independência como Antônio José de Sousa Aguiar (um dos primeiros alunos da então Escola de Cirurgia da Bahia), que prestou seus serviços como cirurgião às forças baianas, e o porteiro Joaquim Pereira Borba. 

Entre novembro de 1837 e março de 1838, a instituição novamente teve seu funcionamento suspenso em decorrência do movimento de caráter separatista e republicano, que ficou conhecido pelo nome de Sabinada. A origem desse nome deveu-se ao lente Francisco Sabino Alves da Rocha Vieira, um dos principais articuladores do movimento, tendo sido escolhido Secretário do Governo e Ministro dos Negócios Estrangeiros da Província rebelada. Sabino era cirurgião aprovado pela Academia Médico-Cirúrgica da Bahia e, como lente substituto concursado, desempenhava as funções de preparador de anatomia e tesoureiro da então Faculdade de Medicina da Bahia. Além de Sabino, participaram do movimento os lentes de física e de medicina legal Vicente Ferreira de Magalhães e João Francisco de Almeida, respectivamente, e alguns alunos da referida instituição. Contudo, Sabino foi o único preso e condenado.

Na época das epidemias de febre amarela (1850) e de cólera-morbo (1855) que atingiram a Bahia, os professores e acadêmicos prestaram assistência sistemática às vítimas destacando-se os lentes Vicente Ferreira de Magalhães, (física), Jonathas Abbott (anatomia descritiva), Manuel Maurício Rebouças (botânica e zoologia) e Antônio José Alves (pai do poeta Castro Alves, professor de clínica cirúrgica) entre outros. 

Durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), catedráticos como Joaquim Antonio de Oliveira Botelho (matéria médica e terapêutica) e Francisco Rodrigues da Silva (química mineral), e mais de 40 alunos dos quarto, quinto e sexto anos participaram da assistência aos soldados feridos e doentes, sendo muitos destes professores e acadêmicos condecorados com a Ordem de Cristo ou da Rosa. Alguns desses alunos ocupariam mais tarde a cátedra e/ou cargos como presidentes de província do Império, senadores e deputados. A Faculdade por sua vez, sofreu um surto de renovação que se deu a partir de estudos e observações que foram publicados na Gazeta Medica da Bahia.

A atuação da Faculdade de Medicina e Farmácia da Bahia destacou-se também no período da revolta de Canudos (1896-1897). Esse movimento místico ocorreu no sertão baiano, sendo chefiado pelo beato Antônio Conselheiro, que se dizia enviado por Deus e pregava a volta da monarquia recentemente extinta. Diante da solicitação do Presidente do Estado da Bahia, Conselheiro Luiz Viana, dirigida aos membros da Faculdade para colaborarem no atendimento aos feridos, cerca de 60 estudantes de séries diversas dos cursos médico, farmacêutico e odontológico, estiveram presentes no campo de luta auxiliando nos hospitais de sangue os médicos militares responsáveis. Foram instalados diversos hospitais pela cidade de Salvador, sendo um deles dentro da escola baiana, o Hospital Virschow com várias enfermarias visando prestar assistência às forças legalistas. Cada uma das enfermarias era dirigida por um professor. Nesta ocasião, foram utilizados pela primeira vez no Brasil os sistemas de radioscopia e radiografia para localizar os projetis de armas de fogo em ferimentos de guerra e proceder ao tratamento cirúrgico. Alfredo Thomé de Britto, professor de clínica propedêutica na época, em viagem à Europa trouxera os aparelhos que possibilitariam a aplicação clínica dos raios Roenthgen, em referência ao físico alemão Wilhelm Conrad von Röenthgen (1845-1923) que os descobriu e que ficariam conhecidos posteriormente, como raios X. Foi criado um gabinete anexo ao da clínica propedêutica para aplicação dos raios e o assistente João Américo Garcez Fróes ficou responsável pelos serviços cirúrgicos instalados no prédio da Faculdade (TORRES, 1946). Entre outros professores da instituição baiana que participaram no atendimento aos feridos, destacaram-se Juliano Moreira, Raimundo Nina Rodrigues, Deocleciano Ramos, Climério Cardoso de Oliveira, Augusto Cézar Vianna, José Carneiro de Campos, Aurélio Rodrigues Vianna, Francisco Bráulio Pereira (SILVA, 1995).
 
Produção Científica
A Gazeta Medica da Bahia, criada em Salvador no ano de 1866, foi um importante órgão divulgador da produção científica relacionada à patologia tropical no Brasil, tendo como um dos seus fundadores e diretor o professor da Faculdade de Medicina da Bahia, Antonio Pacífico Pereira. Lycurgo de Castro Santos Filho (1991) considerou a Gazeta “o mais importante jornal médico brasileiro do século XIX”, sendo o órgão divulgador das ideias e trabalhos produzidos por lentes da Faculdade em questão e por médicos de Salvador. Embora alguns destes não pertencessem ao quadro docente, projetaram-se como os primeiros pesquisadores da patologia tropical no Brasil (John Ligertwood Paterson, Otto Edward Henry Wucherer e José Francisco da Silva Lima), constituindo por volta de 1850, o que se chamou mais tarde, a Escola Tropicalista Baiana. Durante seus primeiros 50 anos, a Gazeta Medica da Bahia publicou trabalhos sobre beribéri, neurose por desvios uterinos, peste bubônica, febre amarela, tuberculose e problemas dos esgotos na Bahia entre outros.

Já no segundo ano de circulação, esse periódico publicou o “Código de Ética Médica”, adotado pela Associação Médica Americana e que deveria servir de norma aos integrantes da classe médica. Alegando que esse Código seria uma forma de combater o charlatanismo e corrigir os abusos que vinham sendo cometidos no exercício da profissão, seus redatores denunciavam a prática da venda de diplomas de doutor em medicina: 

“Na imprensa diária de diversos países da Europa e da América anunciava-se por este tempo a venda de diplomas de doutor em medicina do mesmo modo que se anuncia o comércio a retalho do bacalhau e da cerveja” (PEREIRA, 1923, p.55).  

Segundo Roque Spencer Maciel de Barros (1958), o ensino superior no Brasil durante o Império, que se resumiu à medicina e direito, foi instrumento de conservação de crenças tradicionais ao não inovar, possuindo estatutos e regulamentos obsoletos. Neste sentido, o regulamento complementar dos estatutos das faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, aprovado pelo decreto nº 1.764 de 14 de maio de 1856, seria exemplar ao não admitir teses, cujas proposições contivessem princípios ofensivos à moral e à religião. Com base nestes estatutos, segundo Roque de Barros, a Faculdade de Medicina da Bahia rejeitou a Memória Histórica de 1876, de autoria de Luiz Álvares dos Santos, devido à sua simpatia pelo darwinismo, considerada na época uma “doutrina herética, uma novidade científica funesta à religião”, nas palavras do professor da instituição baiana, Claudemiro Augusto de Moraes Caldas. Na Memória Histórica relativa ao ano de 1870, de autoria de Demetrio Cyriaco Tourinho, encontramos a seguinte descrição a respeito da filosofia adotada pela instituição baiana:

“Esta Faculdade, inspirando-se na mais vã filosofia, não se abraça com as idéias exclusivas desta ou daquela escola. Vitalista quando é preciso ser, não deixa de ser organicista, quando assim o exigem os fatos, a observação. Moderada ou eclética não há de ser acoimada de visionária, nem de materialista. Não reconhece a autocracia de nenhum sistema; estuda todos, discute todos e investiga a verdade, onde quer que ela se ache. No ensino, demonstra estar em dia com todas as questões científicas que se achem na tela da discussão” (Apud CARVALHO FILHO, 1909, p.74).

Baseado nos memorialistas da Faculdade de Medicina da Bahia, o autor Marcos Augusto Pessoa Ribeiro (1997) considera que embora o positivismo tivesse sido introduzido na Bahia em 1858 por Antônio Ferrão Moura, discípulo de Augusto Comte, só a partir de 1870 essa corrente começaria se firmar no pensamento médico da faculdade baiana. Logo, a seu ver, nas três últimas décadas do século XIX, as correntes especulativa e filosófica e o positivismo competiriam pelo mesmo espaço, quando começou a haver uma preocupação maior com o ensino prático. Já no início do século XX o positivismo passou a predominar e o modelo europeu transferiu-se de Paris e Montpellier (França), para Berlim, Viena e Jena (Alemanha).

Já no século XX foi eleito professor honorário da Faculdade de Medicina da Bahia Carlos Ribeiro Justiniano Chagas, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, sendo empossado em 13 de fevereiro de 1924. Parasitologista e discípulo de Oswaldo Gonçalves Cruz, Carlos Chagas tornara-se conhecido pela descoberta da doença produzida pelo trypanosoma cruzi, que foi designada em sua homenagem de Doença de Chagas.  Além de Carlos Chagas, foram eleitos professores honorários da instituição baiana o próprio Oswaldo Cruz, cujo falecimento o impediu de tomar posse, e Juliano Moreira, que se especializara em psiquiatria, dermatologia e sifiligrafia

Publicações oficiais

Em 1854 foi escrita a primeira Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia, pelo professor Malaquias Álvares dos Santos.  As memórias históricas, instituídas pela Reforma de 1854, eram escritas anualmente com o objetivo de narrar os acontecimentos do ano e informar sobre o desenvolvimento das doutrinas nos cursos públicos e particulares. A precariedade do ensino médico foi bastante frisada nessas memórias. A primeira delas já fez queixas da falta de apoio e de verbas necessárias por parte do Governo Imperial; dos estatutos de difícil adaptação já que eram os mesmos da Faculté de Médecine de Paris; e do não comparecimento frequente de lentes que geralmente dividiam as atividades do magistério com as de deputados da Assembleia Provincial.

No período entre 1854 e 1915 as memórias históricas foram escritas anualmente, havendo uma interrupção de 1916 a 1923, tendo sido encerradas em 1924, com Gonçalo Muniz Sodré de Aragão. 

Em 1850, foi editado o tomo I de O Atheneu: periodico scientífico e litterario dos estudantes da eschola de Medicina da Bahia, sob a direção de Augusto Victorino Alves Sacramento, doutor em medicina diplomado pela instituição. A partir de 1874, começou a circular O Incentivo: periodico da Faculdade de Medicina da Bahia, de publicação mensal com fins de divulgar as ciências e letras. Nesse ano teve como redatores e proprietários, Romualdo de Seixas Filho e Climério Cardoso de Oliveira.

Embora desde 1884, pelo decreto n° 9.311 de 25 de outubro, tivesse sido criada a Revista dos cursos teóricos e práticos das faculdades de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, somente em 1904 foi publicado o primeiro volume da Faculdade de Medicina da Bahia referente ao ano de 1902. Foram publicados apenas mais sete volumes, sendo o último deles de 1913, relativo aos anos de 1911 e 1912. Teve como redatores principais, os catedráticos Guilherme Pereira Rebello (1902), Manoel José de Araújo (1903), José Eduardo Freire de Carvalho Filho (1904; 1908), Antonio Pacheco Mendes (1905), José Olímpio de Azevedo (1906) e Antônio Victorio de Araújo Falcão (1907). Entre os colaboradores, destacaram-se os professores Antonio Pacífico Pereira, Raimundo Nina Rodrigues, Alfredo Thomé de Britto, Deocleciano Ramos, Augusto Cézar Vianna, Gonçalo Muniz Sodré de Aragão e João Américo Garcez Fróes. 

Mais tarde, pelo decreto-lei nº 1.511 de 16 de agosto de 1939, foi criado o periódico Anais da Faculdade de Medicina da Bahia

Fontes

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Ficha técnica

Pesquisa- Verônica Pimenta Velloso.
Redação- Verônica Pimenta Velloso.
Atualização – Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.

Forma de citação

ESCOLA DE CIRURGIA DA BAHIA. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 21 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario


Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)