Conferência Popular da Glória nº 134

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
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Data: 01/08/1875

Orador: José Martins da Cruz Jobim

Título: Asfixia

Aviso, íntegra ou resumo: Íntegra

Texto na íntegra

“Meus senhores. — Talvez pareça digno de reparo, que eu há tantos anos fora dos trabalhos escolares, venha agora aqui fazer estas exposições, quando melhor as poderiam fazer moços de imaginação viva e mais feliz memória.

O que me tem decidido a apresentar-me n'este respeitável recinto, é ser esta instituição devida aos esforços do Ilustrado Sr. Conselheiro Manoel Francisco Correia, e tão louvável a acho eu, que, como por gratidão, e para mais animá-la, se possível, me tenho resolvido a comparecer, e a contribuir com o meu fraco contingente para uma obra de tanta utilidade, por meio da qual se inspira ao povo progressivo amor às letras, e às ciências.

Peço-vos, porém, em atenção à minha avançada idade, e aos meus bons desejos, desculpeis as faltas que possa cometer na exposição, que vou agora fazer, e que tem de versar antes sobre fatos positivos e proveitosos, do que sobre teorias embora brilhantes, mas sem utilidade real. Sei que algumas teorias podem ter sido de grande vantagem, porque com elas também as ciências ás vezes progridem.

Haja vista a teoria do flogístico de Ithall, pois sem essa teoria não se teria descoberto a química pneumática; foi por meio d'ela que se realizou esse descobrimento tão importante a que tantos progressos deve a química; mas gostando eu mais de coisas positivas, e de real utilidade para o país, não podia achar para assumpto de uma conferência objeto mais útil, do que este de que vou agora tratar, isto é, das diversas espécies de asfixia, e particularmente dos meios de socorrer aos asfixiados por submersão. Esses meios, senhores, não têm sido ainda convenientemente adoptados entre nós, como o têm sido nos países mais cultos da Europa. É cousa digna de censura, seja-me permitido dizê-lo com franqueza, o pouco caso que se faz entre nós da vida humana, no meio dos progressos que tem feito o nosso país debaixo do feliz governo de S. M. o Imperador.

Fiz aqui uma exposição do que convém adoptar-se, à imitação do que se pratica em outros países, para debelar e aca- bar com a febre amarela, que não é originaria nem endêmica no Brasil, mas que tem sido sempre por desleixamento importada. Mostrei o exemplo de New York, que a mais de cinquenta anos era devastada por epidemias de febre amarela, e que hoje não tem mais um só caso d'esse flagelo, mas o que aí resultou? Pessoas notáveis e influentes do país disseram-me, que perdia o meu tempo, porque ninguém faz caso entre nós de coisas relativas à medicina! É com efeito não se acredita na transmissão do mal, nem nos meios de o neutralizar nenhuma atenção merecem fatos hoje geralmente reconhecidos teima-se em seguir o sofismado do non causa pro causa. Há de acontecer o mesmo a respeito da questão, que vai ser hoje o objeto de minha dissertação, apesar dos exemplos, que vemos em quase toda a Europa, dos cuidados e do zelo que há com os asfixiados, cuidado e zelo, que entre nós ainda não existe; e quando d'aí não resultasse um grande proveito físico, resultava ao menos grande proveito moral, mostrando a administração pública, quanto respeita a vida humana. Eu tive o trabalho de ir à casa, a que se dá o nome de necrotério, edificada recentemente no Largo de Moura. Perguntei se apareciam ali asfixiados por submersão; disseram-me que algumas vezes para lá levavam-se pessoas que se tinham afogado, as quais conservavam-se em cima de uma mesa por algum tempo, e depois iam para a valia, mas se davam sinais evidentes de vida iam para a Misericórdia.

Ora há exemplos de indivíduos asfixiados em completo estado de morte aparente, que conservam um resto de vida, e são a ela ravocados no fim de quatro, cinco, seis e sete horas; são factos verificados; entretanto aqueles, que chegam ao necrotério em estado de morte aparente, são lançados valia á do cemitério, e somente os que dão algum sinal de vida e que são remetidos para a Misericórdia; os outros nenhum cuidado merecem, nem da administração pública, nem de sociedades particulares. Em muitas partes se tem instituído d’estas sociedades, protegidas pelos governos com o título de reais ou imperiais, para socorrer aos asfixiados, mas, n'uma cidade marítima tão populosa como o Rio de Janeiro, onde todos os dias dão-se factos de asfixia morrendo afogados até indivíduos, que se vão banhar no mar, nenhum cuidado se lhes dá; porque são encontrados no estado de morte aparente, ficam abandonados assim, até que a morte de aparente que era se torne real, quando nestes casos fica sempre um resto de vida intima, que pode ser reanimada, contando que se apliquem com perseverança os meios apropriados. Este desleixamento nada depõe em favor da nossa civilização.

Principiarei por fazer algumas considerações gerais a respeito das causas e das diversas espécies da asfixia.

Se nos quisermos guiar pela etimologia das palavras para conhecermos a sua significação, havemos de cair às vezes em erro. Asfixia, palavra derivada do grego tem uma significação etimológica, que não é aquela, em que é realmente empregada, quer dizer falta de pulso ou de pulsações do coração, quando é certo que tais contrações, ainda, que fracamente, continuam depois da asfixia. Se assim fosse, ela seria sinônimo de síncope, que consiste na supressão das pulsações do coração. Assim também dá-se o mesmo com a palavra artéria, que vem de aer aeros, e do verbo terem, que significa vaso que contém ar, o que era um erro dos tempos primitivos da medicina. O primeiro médico que fez abertura de cadáveres foi Erasistrato, que existiu 400 anos antes de Galleno, e que não tendo achado nas artérias, sangue algum, entendeu, que não continham senão ar, e que o sangue só existia nas veias.

Hoje sabemos todos, que as artérias são vasos que contêm o sangue mais precioso da economia animal, porque é o sangue hematosado, é aquele que passou pela hematose, ou sanguificação nos pulmões; é o sangue que vai alimentar todos os órgãos, e que depois passando das artérias para as veias, volta ao coração formando assim a chamada grande circulação, para d'aí passar pelos pulmões, formando a pequena circulação.

O fato da circulação, que abriu-nos os olhos a respeito do conhecimento de algumas funções animais, foi descoberto no décimo sexto século por um médico inglês, de nome Harvey, no tempo de Carlos I; foi esse medico, que mostrou esse grande fenômeno e demonstrou, que o sangue saindo das cavidades esquerdas do coração percorre todos os órgãos, e toda a periphesia do corpo, e depois de animar a todos, de novo volta para as cavidades do lado direito , d'onde passa para os pulmões, e aí recebe a hematose, isto é, a influência do oxigênio do ar que respiramos, de maneira, que torna-se então próprio para a alimentação dos órgãos. Esse ar, que inspiramos continuamente, é o princípio indispensável para a vida, não só de todos os animais, como mesmo de todos os vegetais, pois todos respiram a seu modo; os animais ou pelos pulmões ou por meio da pele. Os animais inferiores, os insetos, respiram por meio de brânquias, que são pequenos canais, que vêm ter à superfície da pele, por onde o oxigênio entra e serve de alimentação. Os peixes recebem o ar pelas guelras; entra-lhes pela boca e atravessa-as até às ventrechas na extremidade das guelras, recebem o oxigênio do ar, que está dentro da água, porque a água contém sempre um volume igual ao seu de ar atmosférico, quer seja a do mar, quer mesmo a água doce, que bebemos contém um volume igual ao seu de ar atmosférico. Os peixes, pois, recebem por meio das guelras o oxigênio contido na água do mar, e são obrigados, para que as guelras exerçam esta função da respiração a andar sempre; não podem estar parados muito tempo sem correr risco de asfixiar-se, a água que vai passando vai-lhes deixando sempre o oxigênio. A asfixia, que é a suspensão da respiração pode ter lugar por muitas causas, e por diversos modos. Convém estudar o ar atmosférico, d'onde sai o princípio, que serve para essa função da respiração, que tem por fim a hematose, ou sanguificação; e ao mesmo tempo os órgãos, que são necessários para o seu exercício, porque sem o conhecimento desses órgãos, não podemos ter uma ideia exata do mecanismo da asfixia.

O ar atmosférico, como todos sabemos, é um fluido diáfano, elástico, pesado, compressível, e expansivo, ele compõe-se de 21 partes de oxigênio pouco menos, e 79 de azote e um pouco mais, e da décima milésima parte de ácido carbônico; contém além d'isto várias matérias animais e vegetais, e uma quantidade maior ou menor do vapor aquoso, conforme a temperatura e a proximidade de águas, que se evaporem; se a temperatura for muito elevada conterá maior quantidade de humidade, se for menos elevada menor quantidade; se a temperatura baixar d'esse grau elevado, por qualquer circunstância, o vapor que o ar contém sempre em quantidade maior ou menor, e em estado latente, tornar-se-á patente, e então cai sobre a terra em diversas formas de chuva, sereno, ser ração saraiva, geada, n'esse estado produzindo a irrigação do solo.

O ar atmosférico, que é compressível, é muito mais pesado na parte inferior, do que na superior, eleva-se a distância de 15 a 16 léguas, pouco mais ou menos da superfície da terra, ou do mar, e á medida que vai subindo, vai se distendendo porque é expansível, e na mesma quantidade, ou no mesmo volume contém uma menor quantidade de oxigênio. Assim os animais, que estão acostumados a respirar na superfície da terra, quando sobem a uma altura, por exemplo, de légua, como o mesmo volume de ar, que introduzem nos pulmões não contém a mesma quantidade de oxigênio, sentem uma aflição ou dificuldade grande de respirar, e se subirem mais ainda, pôde acontecer-lhes não só vir a asfixia por falta de introdução de oxigênio suficiente, como podem também sobrevir hemorragias, em consequência da falta de compressão, que o ar atmosférico exerce sobre todas as partes externas do corpo; faltando essa compressão aos vasos capilares, as hemorragias sufocam, e a respiração cessa, e não é possível resistir-se; morre-se da asfixia e da hemorragia, como há pouco aconteceu na Europa à dois aeronautas, que faleceram d'este modo em grande altura.

Além do oxigênio o ar atmosférico encerra em si ácido carbônico na proporção que já fiz ver. Quando este ácido contido assim na atmosfera aumenta-se em exalação quantidade, pela que d'ele fazemos, e eleva-se por exemplo a um centésimo, e seja assim inspirado, torna-se já insuportável, ao mesmo tempo que, se esse aumento for artificial, e não expirado, será por nós sofrivelmente respirado, porque aquele, que nós exalamos na ocasião da respiração, vem sempre acompanhado de um princípio mefítico, muito nocivo, cuja natureza os químicos não puderam ainda determinar. Que este princípio é muito nocivo não há dúvida nenhuma. Se grande número de pessoas se conservarem n'um lugar, onde o ar não seja continuamente renovado, necessariamente o ácido carbônico, com esse princípio, irá se acumulando, e tomarão ambos tal força venenosa, que produzirão uma aflição extraordinária e asfixiaram as pessoas que se acharem no lugar, não só pelo aumento do ácido carbônico, e do princípio deletério que o acompanha, ambos venenosos, como também pelo gasto e diminuição contínua do oxigênio pela respiração. Foi o que aconteceu na prisão em que os indígenas fecharão uns 300 prisioneiros ingleses em Bengala. Era um pequeno quarto, a que se deu o nome de blacke-hole bastou ficarem aí encerrados esses prisioneiros, durante uma noite, para no dia seguinte quase todos estarem mortos asfixiados; um ou outro que ainda vivia, achava-se em estado de morte aparente. Foi necessário acudir-lhes logo com os meios adequados para fazê-los voltar à vida.

Além d'isto, sendo o ácido carbônico muito mais pesado que o ar atmosférico, procura sempre a parte inferior da atmosfera. Em uma adega onde esteja fermentando vinho, como o ácido carbônico desce para a parte inferior, na distância de dois ou três palmos apenas da superfície do solo, se alguém se deitar aí é natural, que morra asfixiado, como se morre na grota do cão, em Nápoles, consequência do ácido carbônico, que ter-se-há de inspirar deitado, mas não mata um homem em pé, mata, porém, um cão, d'onde vem o nome a essa grota. Se alguém descer dentro de um poço antigo, chegar ao fundo, e aí se demorar por muito pouco tempo mesmo, há de correr o risco de morrer, porque o ar atmosférico lançando continuamente ácido carbônico para dentro, o qual não é expelido por falta de ventilação, estará de tal sorte acumulado no fundo do poço, que ninguém o poderá suportar. O povo, na ignorância d'isto desce sem cautela dentro de poços antigos, e o resultado é sempre morrer alguém, como ainda há pouco aconteceu em Minas-Geraes, onde descendo um homem a um poço, e lá demorando-se foi outro ver, se lhe tinha acontecido algum acidente, e lá ficou também; n'estes casos é necessário ter a cautela de levar adiante uma vela acesa, se ela se apagar, deve-se fugir logo, porque o tal ácido não alimenta a combustão, apaga logo a vela. Considera-se como causa principal do bócio, ou papo as habitações com quartos, onde o ar não circula, por só terem uma porta sem correspondência e também as habitações em montanhas muito altas, como nos Alpes, onde o ar está muito rarefeito, assim a escassez do oxigênio, e abundância de ácido carbônico é sempre nociva. O oxigênio do ar, e na mesma proporção em que ele aí está, é o próprio para a respiração, se ele existe em maior ou menor quantidade é também nocivo.

Outros gases há que não sendo venenosos são impróprios para a respiração, como o azote, e o protaxido de azote, chamado gás hilariante porque faz rir; outros há que, além de impróprios, são mais ou menos venenosos, como o oxido de carbono, o hidrogênio carburetato, o hidrogênio sulfuretato, que fazem parte do gás combustível, e o pior de todos é o hidrogênio arseniado, que mata instantaneamente, como matou o celebre químico Pristhley.

Vejamos agora quais são os órgãos, que têm de servir à respiração, e cujo embaraço determina a asfixia. Da boca posterior partem dois canais, um encostado à coluna vertebral e outro anterior a este. O canal posterior serve transmitir para a alimentação, é o que chamamos faringe no seu começo, e no seu seguimento esôfago, que vai ter até ao estômago. O canal anterior é o que, conduz o ar para os pulmões, e na sua| parte superior chama-se laringe; é continuado por uma outra parte chamada traqueia-artéria; vem depois os brônquios, que entrando nos pulmões vão se ramificando, até chegar às células pulmonares. N'essas células pulmonares, que são extremamente finas e delicadas, vem o sangue venoso encostar-se da parte de fora d'elas impelido pelo coração para os pulmões, e aí sem comunicação direta com o ar realiza-se, a hematose ou sanguificação, por meio dos poros d'essa membrana delicada. O oxigênio do ar comunica-se para dentro do sangue, e o ácido carbônico retira-se d'ele; de maneira que à medida que nós absorvemos oxigênio, exalamos um pouco de ácido carbônico, que é nocivo, e juntamente esse princípio deletério, de que já temos feito menção.

Acontece o mesmo com os vegetais, que também respiram seu modo; os seus pulmões são as folhas e as partes verdes.  Por baixo das folhas faz-se a absorção do ácido carbônico, durante a noite, e da parte de cima faz-se a exalação do oxigênio durante o dia, debaixo da influência do sol. Assim exalamos nós um princípio venenoso, que é o ácido carbônico, e este ácido venenoso é absorvido pelos vegetais, que d'ele se aproveitam para sua alimentação, e lançam para fora o oxigênio, que os animais todos absorvem, de maneira que sem essa troca, que a natureza estabeleceu, os animais deveriam ficar envenenados, se não fosse a presença dos vegetais. É por isto que convém plantar grande número de arvores nas cidades, como meio da sanificação do ar, que milhares de pessoas e animais respiram e infeccionam com o seu ácido carbônico.

N'essa operação dos pulmões, chamada hematose, ou sanguificação, que é o fim da respiração, o sangue venoso, que é de uma cor denegrida ou mais negra, que a do sangue arterial, chegando ás paredes d'estas células pulmonares, toma pela influência do oxigênio uma cor vermelha rutilante, e depois passa para outros vasos e vai ter ás cavidades esquerdas do coração, a aurícula primeiramente e depois ao ventrículo; d'aqui passa à artéria-aorta, d'onde vai ele levar os princípios de animação e nutrição a todos os órgãos; mas se na sua marcha acontece coagular-se pode sobrevir a morte por embolismo, mais ou menos rápida, conforme a importância do vaso, e do embaraço circulatório. Quando aquelas funções não se podem exercer há asfixia. Asfixia é uma palavra derivada de duas gregas: alpha privativo, e sphyxis, pulso: quer dizer privação do pulso. É um erro, a que nos pôde levar a etimologia. Vós tendes visto que a asfixia não é como os antigos supunham privação do pulso, ou privação das contrações do coração; é, como acabei de dizer, a privação da função da hematose, a falta da transformação do sangue venoso em sangue arterial, do sangue negro em sangue vermelho.

Isto é o que constitui a asfixia, devendo considerar-se a morte pelos gases nocivos antes como um envenenamento complicado com asfixia, e n'este caso a salvação do asfixiado é mais difícil, ainda que nem sempre impossível.

Outras causas há de asfixia muito numerosas; elas podem ser mecânicas, materiais ou nervosas. As causas mecânicas podem existir dentro ou por fora do canal aéreo. A respeito do laringe, de que já falei, devo aqui dizer, que este órgão é muito importante não só para a respiração, mas também porque serve de distintivo entre o homem e os macacos; estes não podem articular as palavras, por não ter cordas vocais na laringe, e não as tendo, nem músculos aritnoidianos, não podem produzir senão assobios, gritos ou roncos, o que os coloca infinitamente abaixo do homem, por não poderem falar. Mas, como ia dizendo, as causas mecânicas da asfixia podem existir, ou na laringe ou abaixo, ou mesmo nos pulmões e na caixa torácica. Na laringe podem ser internas, como uma demacia da glote; chama-se glote a abertura superior da laringe, que serve para a introdução do ar. Sobre essa abertura existe uma válvula, a que chamamos epiglota, que serve para tapá-la. quando passa o alimento, ou a água, de maneira que o mesmo alimento, a mesma água contribuem pelo seu peso para que a glote fique fechada, e o alimento possa passar para o canal que fica detrás d'ela, que é a faringe e o esôfago, d'onde vai cair no estômago. O mesmo alimento se é muito volumoso, e duro pôde também comprimir o canal aéreo, e produzir asfixia.

Também a glote pôde ser causa de asfixia, porque, tornando-se edemaciada, obstrui a entrada do canal, e demais pode a laringe criar membranas, que impossibilitem a introdução do ar, como acontece no grupo; podem cair dentro do mesmo canal corpos estranhos, como um caroço, etc., n'estes casos ha asfixia por sufocação. As crianças de mama muito gulosas, quando absorvem grande quantidade leite, pode este cair na laringe e obstruir o canal, e se não se lhes acode depressa, fazendo-as lançar fora o leite, que caiu dentro da laringe podem morrer asfixiadas.

As outras causas mecânicas da asfixia, as externas, riem ser: —uma compressão qualquer sobre a caixa torácica, devida ou a um tumor, ou a um papo extraordinário, e impossibilite o indivíduo de deitar-se de costas, porque pode ser tal o seu peso, que comprima o canal, e impeça a entrada do ar, obrigando por isto o indivíduo a deitar-se somente de lado, e se ele se conservar deitado de costas a aflição será grande : — uma compressão por meio de corda, ou a mãos impedindo a introdução do ar, pôde determinar a morte por asfixia, que n'estes casos chama-se asfixia por estrangulação, a qual pôde ser com suspensão, e n'este caso pode haver também distensão e ruptura da medula espinhal, e lesão do nó vital, caso em que a morte é instantânea ; se a corda comprimir fortemente acima do osso hioide, sobrevém um ataque apoplético pela compressão das veias jugulares; então o sangue das veias, não podendo voltar para o coração acumula-se no cérebro e produz um derramamento, uma extravasam entre as suas membranas, nos ventrículos do cérebro, ou dentro da sua substancia desorganizando-a, e determinando assim a morte muito mais depressa do que pela asfixia, porquanto na apoplexia não podem continuar por

falta de inervação as contrações do coração, como elas continuam na asfixia, embora o sangue não seja perfeito, contudo esse órgão, que é o ultimuns moriens, continua sempre no exercício de sua função, ainda que vai se relaxando pouco a pouco, porque as artérias coronárias, que lhe dão alimentação, não lhe levam sangue suficientemente oxigenado. De mais a mais o cérebro exerce uma influência importante, um influxo enérgico sobre o coração, assim como sobre as funções de todos os órgãos; recebendo também um sangue, que não é oxigenado, começa a cair em estado de entorpecimento, e este estado contribui para entorpecer, não só o coração, como até os pulmões, d'onde resulta outra espécie de asfixia chamada nervosa, como acontece cortando-se os nervos pneumogástricos, e os nervos sphrenicos, que vão uns aos pulmões, e outros ao diafragma, que muito contribui também para a dilatação da cavidade do peito.

Como já disse, todos os órgãos vão alimentando-se por meio do sangue arterial, que depois volta a receber nova hematose. Assim se forma a circulação continuamente, como foi demonstrada por Harvey, graças aos recursos que lhe deu Carlos I de Inglaterra, que pôs à disposição d'aquele insigne médico o seu parque de animais. Foi necessário que Harvey fizesse grande número de experiências para chegar a estabelecer esta demonstração, que tão grande nome lhe deu; porque n'estes casos a demonstração é tudo. Já antes se desconfiava, que houvesse circulação, porém só então chegou-se á demonstração, de que ela existia, e foi esse médico de Carlos 1, de quem era particular amigo aquele infeliz rei, quem pôde reconhecer e demonstrar a existência da circulação, e n'estes casos a demonstração é tudo, pouco vale o suspeitar.

Resumamos agora quais são as diversas espécies de asfixia. Elias são mecânicas ou nervosas; as primeiras podem ser por sufocação, ou estrangulação, esta pode ser simples ou complicada com a suspensão; as nervosas são devidas à lesão dos nervos do cérebro, ou da medula espinhal, que vão à caixa torácica.

Temos agora de ocupar-nos da asfixia por submersão, que se dá quando o indivíduo é submergido dentro de água e de outro líquido qualquer, o vinho, por exemplo, como aconteceu a esse príncipe inglês que sendo condenado à morte pediu que o afogassem dentro de um tonel cheio de malvasia[1]; e uma vez ali deixado devia necessariamente morrer asfixiado, assim acontece dentro d'agua porque não temos órgãos próprios para respirar como os peixes.

Em geral, o indivíduo que se vê submergido perde o tino, e quando pensa marchar para onde se salve, anda em sentido contrário, e se chega ao fundo agarra-se ao terreno, arranha os dedos, enche as unhas de terra, areia ou lama; e se a água está muito fria, e se ele tem o estômago cheio, se é pusilânime, acode-lhe o sangue á cabeça da periferia, e morre apoplético.

Na asfixia ao mesmo tempo que engole porção d'agua, que lhe entra também para os pulmões e pelo esforço para lançá-la, forma-se uma grande quantidade de espuma no canal aéreo e na boca; incha a língua, que torna-se saliente, os olhos regalados e as pupilas dilatadas, a cara inchada; a água entra somente enquanto o indivíduo tem movimento, e faz esforços para lançá-la.

Vejamos agora quais são os meios de que se deve lançar mão para salvá-lo, se não morreu de apoplexia, o que é mais raro. O indivíduo, que é exposto aos efeitos da asfixia, que fica privado de receber ar atmosférico, cai pouco depois n'um estado, de entorpecimento geral, os seus órgãos ficam adormecidos, e conservam-se assim n'este estado, que se chama de morte aparente, por muito tempo; pode estar horas nesse estado, e há exemplos de conservar-se até sete horas, voltando depois à vida, e é muito frequente ver-se no fim de meia hora, ou uma hora tornar á vida um indivíduo que se apresenta com todas as aparências de inteiramente morto.

Nos países onde esses cuidados se aplicam com todo zelo, há a maior inspeção possível à beira do mar. Não é permitido na maior parte das cidades marítimas da Europa a qualquer pessoa ir banhar-se onde lhe parecer, há lugares, que são especialmente designados para banhos, e então n'esses lugares há sempre um barquinho salva-vidas, e dentro d'ele costuma haver um mergulhador. Saber mergulhar é um ofício que se adquire. Um indivíduo pode se conservar minutos e minutos debaixo da água do mar, ou de um rio, e assim pode ir tirar um cadáver dos lugares mais fundos. Na Índia há muitos mergulhadores para a pesca das pérolas; eles vão ao fundo do mar, e de lá trazem o que é necessário para adquiri-las.

No fundo do mar, da água salgada, pode-se ver melhor do que acontece na água doce. Se ele avista um tubarão, por exemplo, uma tintureira, que é peixe voracíssimo, um meiro, ou qualquer outro d'essa qualidade, faz logo sinal para o barco, pois apesar de ser mergulhador, fica logo em tal qual entorpecimento, e senão o puxam para cima dificilmente pôde mover-se; para isso desce com uma corda por baixo dos braços, e faz sinal por um cordel junto à corda, que vai ter a uma campainha, para que o puxem.

Mas tirado o indivíduo debaixo da água por um mergulhador, que deve sempre ter muito cuidado na maneira porque procede a essa operação, porque se tirar o afogado pela frente, e este conservar ainda vida manifesta, terá tal ansiedade para segurar-se, que pôde impedir os movimentos assim dos nadadores, como dos mergulhadores, tendo porém, estes a vantagem de servirem-se da corda pela qual sobem.

Muitas vezes os nadadores são os que morrem mais depressa nos naufrágios, porque são os mais temerários, atiram-se logo sem considerar o estado do mar; n'estes casos a morte é mais frequente entre eles, do que entre aqueles que não sabem nadar. E preciso, quer se seja nadador quer não, ser prudente n'estas ocasiões; também acontece, que um nadador vai a grande distância buscar um indivíduo, que se afoga e quando vem chegando ao lugar de salvação, o salvado agarra-se a qualquer cousa, que se lhe oferece, e o nadador só porque parou, vai ao fundo do mar, d'onde nem sempre se poderá tirar. Isto frequentemente se tem dado na Inglaterra, e tem-se perguntado aos médicos, qual pôde ser a causa d'esse fenômeno, porque é que o nadador, depois de andar algum tempo, parando, vai ao fundo. A razão d'isto ainda não foi bem determinada; uns dizem ser isso devido a câimbras; outros que é efeito do cansaço, que mais se manifesta na inação; enfim a causa não é perfeitamente conhecida, d'onde se conclui a necessidade de atender logo tanto ao nadador, como afogado, que ele acaba de salvar.

Tirado o indivíduo de dentro da água, em estado de morte aparente, deve ser levado logo em padiola com tiras de lona ou de sola, para o lugar mais próximo ao do sinistro. Esse lugar deve ser uma varanda, onde o ar circule livremente. Se ele dá sinais manifestos de vida basta colocá-lo ao sol se não for muito forte de maneira que faça mal; limpa-se o corpo, e procede-se a fazer algumas esfregações com flanelas ou escovas macias sobre a caixa torácica, e ele volta logo a si. Se não se obtém o seu restabelecimento, leva-se no mesmo catre ou padiola, para uma sala bem arejada, abertas todas as portas; não se admitem senão as pessoas absolutamente necessárias para o serviço, que são pelo menos seis pessoas, todas inteligentes, e habituadas a este serviço, que as municipalidades têm obrigação de recompensar, para o que têm fundos marcados no seu orçamento.

Despe-se logo todo o indivíduo ou somente da cintura para cima, e deita-se por alguns minutos de barriga para baixo, com um travesseiro ou trouxa de roupa enxuta, sobre o peito e o estômago, para fazer sair a água da boca, que limpa-se bem, e amarra-se a língua com um elástico, puxa-se um pouco para fora, afim de conservar a laringe; coloca-se entre os dentes uma cunha de cortiça presa a um cordel que se segura atrás da orelha, para o afogado não engolir, quando tiver as convulsões no ato de voltar a si, e entretanto, que se vão fazendo as fricções sobre a caixa torácica, outros preparam a máquina fumigatória de Piá, pondo no fogão fumo picado como para cigarro; nada de levantar sobre os pés, com a cabeça para baixo, d*isso pode provir um ataque apoplético, vira-se o doente para deita-lo de lado com o antebraço debaixo da cabeça, ao pé está a caixa de deposito, em que estão todas as cousas necessárias guardadas, que são algumas cem cousas; aplica-se à boca o follis apodopnico, que introduz e tira o ar e sai a água dos pulmões, isto faz-se com jeito e moderação; se o follis for agitado com força rompem-se as células pulmonares, e um enfisema no pulmão será nova causa de morte: trata-se primeiramente de restabelecer a respiração, para depois promover-se a circulação. Nada de soprar com a boca, como que se faz mal, e nada se consegue, o porquê ar soprado escapa-se pelas comissuras ou cantos da boca.

Aplica-se logo um clyster de fumaça de fumo, que se prepara na máquina fumigatória, e atende-se ao que se passa no ventre; se logo sobrevém borborygmos, ou roncos nos intestinos, pode-se dizer que o indivíduo está salvo.

Estas fumigações foram ensinadas em França por um jesuíta de nome Charlevoy, que aprendeu dos selvagens da ilha de Cadic nas costas dos Estados-Unidos, onde eles as davam com vantagem juntando a fumaça em grossas tripas.

Mas Orfila e Portal declararam-se contra esta pratica, por ser o tabaco uma substancia narcótica ou estupefaciente, e aconselham que se dê um clister com clorato de potássio, por uma vez somente, com três oitavas de clorato; mas esta opinião está em oposição ao que se pratica na Holanda, na Dinamarca, e na Áustria, onde o celebre professor Stoll até manda introduzir aquela fumaça nos pulmões: Inflat, diz elle, aerem et fumam nicotiance in pulmones ope follis, ore humano, fistulâ, et broncotomiâ; quer dizer, o médico insufla ar e fumaça de fumo nos pulmões, com a boca, por meio de uma cânula, feita a operação da broncotomia. Além d'isto uma ou duas pessoas estão fazendo brandas compressões sobre a caixa torácica e o ventre, harmonicamente com os movimentos do follis apodopnico; depois outra pessoa colocada do lado da cabeceira levanta os braços seguros pelos cotovelos, e, faz contínuos movimentos com eles levantando até a cabeça e abaixando, colocado o corpo de costas; outros virão o corpo continuamente para um lado, e outros demorando-se dois ou três minutos, ora sobre as costas, ora para um lado, e ora para outro lado.

Depois d'este trabalho constantemente feito, procuram-se reconhecer alguns d'estes sinais de vida: 1º, puxa-se o queixo para baixo, e larga-se, se ele volta a si é bom sinal; 2º, coloca-se uma mão do afogado com os dedos juntos ao pé de uma vela acesa, se eles mostra o tal ou qual transparência, reparando-se a certa distância, é bom sinal; 3°, repara-se para as palmas das mãos, e as plantas dos pós, se estão amarelas é mau sinal; 4º, esfrega-se com flanei Ia uma parte do corpo por algum tempo, se fica seca e amarela, como pergaminho, é mau sinal; 5º, se a parte esfregada conserva-se sempre fria, por mais que se esfregue é mau, se fica quente é bom sinal; 6º, aplica-se um botão de ferro bem quente, a encostar sobre uma parte do corpo, se se forma uma phlyctena ou bolha d'agua, que se pode reconhecer com um microscópio, é bom sinal; 7º, pondo-se um tubo de vidro largo e curvo, que vá ter uma extremidade a um copo, contendo uma solução límpida de cal, e na outra ponta um pequeno bocal de borracha que se aplica a, boca do asfixiado, se a solução toma um aspecto turvo, leitoso, é bom sinal; 8º, aplica-se ao pé da boca um espelho, sendo fria a temperatura, se o espelho fica embaçado, é bom sinal. N'estes casos se o indivíduo ainda não voltou a si depois de algum tempo cortam-se três rodelas de paninho, do tamanho da palma da mão, embebem-se de álcool, colocam-se sobre o epigástrio, e ataca-se fogo, o indivíduo começa a mexer-se, outras mais pequenas aplicam-se nos braços sobre os plexus bracheaes, duas ou três polegadas abaixo das clavículas, meio este poderosíssimo, para fazer revocar o asfixiado à vida.

Quanto ao fumo em fumaça, que se pode dar, até pela boca, é considerado como um meio poderosíssimo por varias nações, menos na Inglaterra, que parece acreditar nas repugnâncias de Portal e Orfila, quando é certo, que só devem ser rejeitados os clisteres de cozimento de fumo; mas a fumaça por meio da combustão do fumo, perde as qualidades narcóticas e estupefacientes, para só conservar as virtudes excitantes do seu óleo empireumático : sem razão, pois a Sociedade Real de Socorros aos asfixiados de Londres não recomenda o seu emprego, nas instruções que devem existir na caixa e deposito, boite entrepôt, instruções, que se devem sempre ter à vista quando se aplicam os socorros, para não esquecer alguma cousa.

Para estas fumigações é indispensável a máquina, que é conhecida e empregada em toda a parte, onde se cuida de socorrer aos asfixiados, chamada máquina fumigatória de Piá, porque foi este echevin ou prefeito de polícia quem em Paris inventou essa máquina e teve a fortuna de salvar no seu tempo duzentas e vinte e três pessoas afogadas, no estado de morte aparente, por meio da dita máquina e os outros meios de que fiz menção.

É de absoluta necessidade que haja de antemão todos os objetos necessários para esse fim. Assim deve haver o que é preciso para as esfregações, aguardente canforada, vinagre  aromático, flanelas, guardanapos em proporção, e cobertores, para depois se cobrir o indivíduo, vinho generoso, carbonato de amônia para chegar ao nariz, penas com barbas para fazer titilações na boca, na garganta e no nariz, escovas macias, flanelas, tudo o que é necessário para uma sangria da veia jugular, se houver congestão cerebral, tudo o que é necessário para a operação da bronquiotomia, se for necessária.

Quando o doente volta a si tem ordinariamente fortes convulsões, em que pôde cair e ferir-se, segura-se, e faz-se sentar, e se pôde engolir sem perigo, deve-se dar-lhe uma colher de vinho generoso, ou de caldo, em que se pôde botar uma gota de amônia; quando estiver sossegado deita-se, e agasalha-se bem com cobertores para poder dormir e suar. Será conveniente dar-se lhe um clister purgativo com óleo de rícino ou eletuário de sene.

Enquanto há ainda esperança de salvamento, não se deve esquecer a faradisação por meio de uma pilha apropriada, agitar para o diafragma pela animação dos nervos sphrenicos. Coloca-se um dos pólos sobre o pescoço na parte interna do musculo sterno-cleido mastodiano, e o outro polo sobre o epigástrio, tendo o cuidado de não elevar de mais o galvanismo, porque sendo excessivo pôde destruir o resto de vida, quando uma pequena dose aplicada interruptamente, pôde reanimar todo o organismo, e principalmente o diafragma, que muito contribui também para a respiração dilatando a caixa toráxica. Depois trata-se de animar a circulação com fricções desde os pés até ao peito, assim entra pelos poros da pele algum oxigênio que anima os vasos capilares.

Ninguém ignora os efeitos da eletricidade, quando é descarregada com força sobre qualquer animal; pode varar, dilacerar, ou carbonizar vísceras, ou produzir apenas uma comoção geral com anestesia, ou comoção do cérebro, que faça perder os sentidos, e ficar o homem ou o animal em estado de morte aparente.

Aconselha-se n'este caso fazer logo um rego na terra, deitar aí o asfixiado, cobrir ligeiramente com a terra o corpo todo, ficando com a cabeça e a cara de fora; borrifa-se-lhe água, ora fria, ora um pouco quente sobre a face; d'este modo volta a si, lava-se, e se mais não for preciso, agasalha-se para promover a transpiração, e talvez seja necessário fazer uma. sangria na veia jugular, se há sinais de congestão cerebral. Na asfixia pelo vapor de carvão, ou pelo gás de iluminação, em que predomina o oxido de carbono, e hidrogênio carburetado, os meios, que se devem empregar são análogos aos que se empregão na asfixia em geral; n'este caso não há somente asfixia, mas também envenenamento do sangue, porque o oxido agarra-se aos glóbulos do sangue, e impede a saída do ácido carbônico, o que torna a salvação mais difícil, mas não se deve desanimar, sobretudo se o corpo conserva ainda algum calor, ou há outros sinais de vida, empregando-se então com perseverança todos os meios expostos.

Convém agora lembrar o que relerem dados estatísticos antigos, isto é, que desde meiado do século se passado, já 'm'la conseguido salvar muitas vidas com os socorros referidos.

Em 1790 já havia em França cento e trinta cidades marítimas ou ribeirinhas de rios, que tinham bocetas em depósitos, só Lyão tinha dezoito em diversos lugares á margem do Rhodano e Saóna, com todos os recursos necessários. Na Inglaterra, de 1772 até 1788, salvaram-se oito centos e noventa e sete. Em Vienna d'Áustria de 1774 até 1797, em vinte e três anos, salvaram-se duas mil trezentas e dezessete pessoas. Em Marselha de 1808 até 1817, de cento e dezenove asfixiados salvaram-se setenta e três, somente quarenta e seis não foi possível salvar-se, ou por terem falecido de apoplexia, ou por terem sido tirados debaixo d’água muito tarde[2].

Á vista d’aqueles dados é necessário saímos do desleixamento, em que temos estado a este respeito, e procurarmos estabelecer os créditos de povo verdadeiramente cristão, que sabe respeitar a vida humana. Talvez tenhamos ainda de insistir sobre tão importante matéria. (O orador foi muito aplaudido)


[1] Eduardo IV que usurpou a coroa incendiou de Henrique de Lancastre e assim a guerra civil da rosa vermelha e da rosa branca, julgando que seu irmão o duque de Clarence lhe era adverso e que n*esta intenção tinha tratado casar-se sem licença com uma princesa estrangeira, fê-lo condenar a morte, e deu-lhe a escolha do modo porque devia morrer.

[2] É, porém, digno de notar-se que em França desde 1790 até 1800, apenas meia dúzia de pessoas foram salvas, porque n'essa época revolucionária, do governo do terror, nenhum caso se fazia da vida humana, os homens morriam, e deixavam-se matar indiferentemente. Mas passados esses tempos, em que eles pareciam ter perdido todos os sentimentos humanos, as estatísticas mostram que os salvados têm sido cada vez mais numerosos, e brevemente teremos entre nós os recursos necessários para isso; o br. conselheiro Zacarias de Góes e  Vasconcellos, cujo zelo pelo bem da humanidade, como provedor da Santa-Casa é  reconhecido, prometeu-nos manda-los vir de França, e a salvação de muitas vidas será entre nós uma vitória mais gloriosa do que quantas alcançou Alexandre Magno à custa de tantas vidas.

Localização

- Conferências Populares, Rio de Janeiro, nº5, mai.,1876, p. 77-96. (na integra) Capturado em 02 set. 2025. Online. Disponível na Internet: http://memoria.bn.gov.br/docreader/278556/554

Ficha técnica

- Pesquisa: Aline de Souza Araújo França, Ana Carolina de Azevedo Guedes, Mª Rachel Fróes da Fonseca, Yolanda Lopes de Melo da Silva.

- Revisão: Ana Carolina de Azevedo Guedes, Mª Rachel Fróes da Fonseca. 

Forma de citação

Conferência Popular da Glória nº 134. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 24 dez.. 2025. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/wiki_dicionario/index.php?curid=715

 


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