FACULDADE DE MEDICINA HOMEOPÁTICA DO RIO GRANDE DO SUL

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
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Denominações: Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul (1914)

Resumo: A Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul foi fundada em janeiro de 1914, tendo sido instalada na rua Riachuelo, na cidade de Porto Alegre (Estado do Rio Grande do Sul). Foi fundada por Ignácio Capistrano Cardoso, único de orientação homeopata, Sabino Menna Barreto, Manoel de Faria Corrêa e Alfredo Ludwig. Depois de desentendimento ocorrido entre seus fundadores, deixou de seguir a orientação homeopática, dividindo-se em duas instituições: Faculdade de Ciências Médicas e Escola Médico-Cirúrgica de Porto Alegre. Esta última, em 1915, absorveria grande parte dos seus alunos.

Histórico

Desde 1847, o movimento de propaganda da homeopatia do francês Benoit Jules Mure chegara ao Estado do Rio Grande do Sul. Bento Mure, como ficou conhecido, foi considerado um dos introdutores e divulgadores da homeopatia no país. Médico formado pela Faculdade de Medicina de Montpellier, na França, praticou a homeopatia pela Europa e veio para o Brasil em 1840. No ano seguinte, tentou implantar um projeto de colonização de orientação socialista francesa no Saí (Santa Catarina), onde chegou a organizar uma Escola Suplementar de Medicina e Instituto Homeopático de Saí (1842). Fracassado seu projeto, em 1843 transferiu-se para o Rio de Janeiro, fundando neste mesmo ano o Instituto Homeopático do Brasil e, vinculado a este, a Escola Homeopática do Brasil (1845).

Logo, a difusão da homeopatia no Rio Grande do Sul se deu por professores formados por aquela Escola Homeopática do Brasil tais como E. Tiberghien Ackermann, Joaquim Gonçalves Gomide e Padre João Pedro Gay, além de Dionysio de Oliveira Silveiro, diplomado pela Universidade de Coimbra. A boa recepção da homeopatia no sul do país deveu-se em parte à sua população, constituída por um número significativo de imigrantes alemães que conheciam a doutrina defendida pelo médico alemão Samuel Christian Friedrich Hahnemann (1755-1843), autor da obra “Organon da arte de curar” (Dresden, 1810), que deu origem ao princípio da homeopatia (BARRETO, 1944). Esta obra propunha um método terapêutico baseado na “lei dos similares”, na qual “semelhantes curam-se pelos semelhantes”, opondo-se aos princípios da medicina hipocrática. De acordo com o princípio homeopático, os medicamentos a serem empregados deviam ser capazes de provocar no indivíduo são a sintomatologia apresentada pelo indivíduo doente. 

Segundo Beatriz Teixeira Weber (1999), a medicina no Rio Grande do Sul não teve o papel de disciplinarização da vida urbana e de configuração da cidade como ocorreu nas capitais dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo que, desde meados do século XIX, vinham criando instituições médicas que procuravam intervir junto ao Estado, em questões relacionadas à saúde. Os médicos gaúchos entraram, inclusive, em confrontos frequentes com o Governo a respeito, principalmente, da liberdade profissional. 

A Constituição estadual de 1892 estabeleceu a separação dos poderes temporal e espiritual, assegurando a liberdade religiosa, de profissão e da indústria, assegurando assim princípios fundamentais para a ciência e filosofia positiva. Beatriz Weber destaca, ainda, que estes princípios foram centrais nas decisões adotadas pelo governo positivista referentes à saúde (WEBER, 1999). 

A liberdade espiritual era central no programa do Partido Republicano Rio-Grandense, defendendo assim a não ingerência do governo no domínio das crenças e doutrinas. Da mesma forma era enfatizada a liberdade profissional, entendendo-se que a “função do positivismo era generalizar a ciência, sistematizando a ordem social, fruto da educação, que devia ter como princípio fundamental a supremacia da moral sobre a ciência” (WEBER, 1999, p.43). Assim, o Estado não poderia interferir no exercício de quaisquer profissões, as quais deveriam ser reguladas pela população, educada pela ciência. Pelo novo Regulamento da Diretoria de Higiene do Estado, aprovado em 1907, mantinha-se a liberdade do exercício da medicina em qualquer de seus ramos, ficando os responsáveis pela higiene do estado incumbidos de investigar e denunciar ao Ministério Público os abusos cometidos. Logo, até 1928, quando Getúlio Vargas ocupou o governo estadual, vigorou a liberdade do exercício profissional, fato que facilitou a prática e divulgação da homeopatia naquele Estado. 

Ignácio Capistrano Cardoso, médico licenciado de orientação homeopata, destacou-se a partir de 1900 como um dos principais propagadores da homeopatia no Estado do Rio Grande do Sul. Naquela época, incentivou junto aos poderes públicos do Estado e da União a criação de enfermarias homeopáticas nos hospitais militares. Entre 1903 e 1912, foi redator, diretor e proprietário da Revista de Medicina Homeopática, publicada em Porto Alegre. Neste período, em 1904, abriu a Pharmácia Homeopática Cardoso. Foi ainda membro de sociedades homeopáticas de Barcelona, México e Filadélfia (Estados Unidos), de 1908 a 1910. Neste período, em 1907, tentou implantar um curso de homeopatia na Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre, junto com os médicos Alvaro Baptista e Ricardo Pereira Machado. O projeto de Ignácio Cardoso não iria adiante, mas em dezembro daquele mesmo ano foi criada a Sociedade de Beneficência Homeopática, com fins de propagar a medicina hahnemaniana, prestando assistência médica a seus associados e auxiliando, no caso de morte, nos serviços funerários. No entanto, a instituição durou apenas dois anos. Ignácio Capistrano Cardoso tinha dois irmãos Licínio Athanásio Cardoso e Saturnino Nicolau Cardoso, que também se dedicaram à homeopatia, sendo uns dos fundadores da Faculdade Hahnemaniana na cidade do Rio de Janeiro em 1912.

A Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul foi criada em Porto Alegre, em janeiro de 1914, com base na Lei Orgânica de Ensino Rivadávia Corrêa, de 1911, que concedia autonomia didática e administrativa aos estabelecimentos de ensino. Profissionais de diversas áreas estiveram presentes na sua inauguração, no dia 2 de março daquele ano, como membros da Escola de Engenharia, da Escola de Direito e da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, além do representante do Presidente do Estado Borges de Medeiros, Firmino Paim, e do intendente municipal, José Montaury de Aguiar Leitão. A imprensa da capital gaúcha também compareceu ao evento.

Sediada na rua Riachuelo nº 301, a Faculdade ministraria os cursos de medicina e farmácia, sendo empossados os professores catedráticos doutores: Egídio Itaqui, Diógenes Monteiro Tourinho, Adolfo Stern, Alfredo Ludwig, Custódio Moraes Chaves, Pedro Gomes, Ignácio Henrique Domingues, João Landell de Moura, Manoel de Faria Corrêa, Sabino Menna Barreto, Jorge do Amaral Murtinho, Ignácio Capistrano Cardoso, Edison Fagundes Barcelos, Euclydes Goulart Bueno, Padre Roberto Landell de Moura e Antônio Vieira Pires. Vários deles eram médicos formados pelas faculdades de medicina oficiais, não seguindo uma orientação homeopata. 

Seus principais fundadores foram Ignácio Capistrano Cardoso, Sabino Menna Barreto, Manoel de Faria Corrêa e Alfredo Ludwig. Dentre estes, Ignácio Cardoso era o único que seguia a orientação homeopata.

Contando com o apoio do Governo do Estado, foi eleito diretor-presidente da instituição Euclydes Goulart Bueno, médico de orientação galênica em exercício em estabelecimento militar.

Estrutura e funcionamento

Inicialmente, na Faculdade de Medicina Homeopática do Rio Grande do Sul, foram matriculados mais de cem alunos, incluindo, entre eles, médicos, dentistas, farmacêuticos, advogados, engenheiros e oficiais de diversas patentes do Exército. 

No entanto, no mesmo ano de fundação da instituição, Ignácio Capistrano Cardoso, membro da diretoria, pediu exoneração por discordar da apresentação de um projeto que previa um ordenado para os membros da diretoria, o que ia de encontro aos estatutos estabelecidos. Conforme havia sido acordado, nenhum membro da diretoria ou do corpo docente teria ordenado ou vencimento durante o primeiro ano de funcionamento da Faculdade. Com seu afastamento, a instituição deixou de ter uma orientação homeopática, tornando-se eclética (GALHARDO, 1928). 

Segundo Sabino Menna Barreto (1944), a partir deste desentendimento o corpo docente se dividiu, provocando a cisão da instituição em duas: Faculdade de Ciências Médicas e Escola Médico-Cirúrgica de Porto Alegre, sendo que nenhuma das duas era constituída por homeopatas. A prática da homeopatia, a seu ver, ficou restrita aos centros espíritas.

Em 1915, contudo, se teve notícia de uma nova iniciativa de Ignácio Capistrano Cardoso, que teria conseguido fundar uma enfermaria homeopática no Hospital da Brigada Militar do Estado. 
A Escola Médico-Cirúrgica de Porto Alegre, criada em fevereiro de 1915, acabou por absorver os alunos da Faculdade de Medicina Homeopática.

Fontes

- BARRETO, Sabino Menna. Resumo histórico da homeopatia no Rio Grande do Sul. In: 1º CONGRESSO SUL-AMERICANO DE HOMEOPATIA. Edição patrocinada pela Farmácia Homeopática de Luiz G. Klein & Cia. Porto Alegre: Tip. do Centro, 1944.       (BN)
- GALHARDO, José Emygdio Rodrigues. História da homeopatia no Brasil. In: Livro do 1° Congresso Brasileiro de Homeopatia. Rio de Janeiro: Instituto Hahnemanniano do Brasil, 1928, pp. 271-1016.                                 (BN)
- LOBO, Francisco Bruno. O ensino da medicina no Rio de Janeiro: homeopatia, v. 3, Rio de Janeiro: [UFRJ], 1968.      (BN)
- WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo na República Rio-Grandense - 1889-1928. Santa Maria: Ed. da UFSM; Bauru: EDUSC, 1999. (BCOC)
- ___________. Positivismo e ciência médica no Rio Grande do Sul: a Faculdade de Medicina de Porto Alegre. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.5, n.3, p.583-601, nov.1998-fev.1999. Capturado em 8 jul 2020. Online. Disponível na Internet: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59701999000100003 

Ficha técnica

Pesquisa - Verônica Pimenta Velloso.
Redação - Verônica Pimenta Velloso.
Revisão - Francisco José Chagas Madureira.
Consultoria - Ângela de Araújo Porto.
Atualização – Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.

Forma de citação

FACULDADE DE MEDICINA HOMEOPÁTICA DO RIO GRANDE DO SUL. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 21 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario


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