INSTITUTO VACÍNICO DO IMPÉRIO
Denominações: Instituto Vacínico do Império (1846); Instituto Vacínico da Corte (1846)
Resumo: O Instituto Vacínico do Império foi criado, na cidade do Rio de Janeiro, pelo decreto nº464, de 17 de agosto de 1846, que regulamentou a Junta Vacínica da Corte, ampliando seu raio de ação para todo o Império. Tinha como objetivos o estudo, a prática, o melhoramento e a propagação da vacina antivariólica para todo o Império do Brasil. Ao ser criado manteve o mesmo quadro de funcionários da Junta Central de Vacinação, sendo Jacintho Rodrigues Pereira Reis seu primeiro Inspetor Geral. Em 1851 o Instituto Vacínico foi incorporado à Junta de Higiene Pública, criada em 1850.
Histórico
Criado pelo decreto n.º 464, de 17 de agosto de 1846, o Instituto Vacínico do Império, conhecido também pelo nome de Instituto Vacínico da Corte, era resultante do Regulamento que reformara a Junta Vacínica da Corte, ampliando seu raio de ação para todo o Império.
A introdução da vacina antivariólica no Brasil remonta ao início do século XIX. Segundo Lycurgo de Castro Santos Filho (1991), em 1804, os comerciantes da Bahia sob o patrocínio de Felisberto Caldeira Brant Pontes Oliveira e Horta, Marquês de Barbacena, custearam a viagem de sete escravos à Europa para, inoculados com o pus vacínico, trazerem a vacina jenneriana para o Brasil. Já no ano seguinte, os capitães-mores de algumas províncias tornavam a vacinação obrigatória. Após a chegada da Corte, a vacina antivariólica ganhou maior impulso pois D. João, sensível em relação à varíola por ter perdido dois irmãos e um filho acometidos pela doença, criou em 1811 a Junta da Instituição Vaccinica da Corte para implantar a vacinação no país. D. João subordinou a Junta da Instituição Vaccinica da Corte à Fisicatura, órgão de fiscalização do Reino, vinculando-a também à Intendência Geral de Polícia. Em 1831, a Junta da Instituição Vaccinica da Corte passou a chamar-se Junta Central de Vacinação.
Já na década de 1820, havia institutos vacínicos em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Ao aproximar-se a metade do século, contudo, muitas províncias ainda necessitavam da vacina antivariólica.
O Instituto Vacínico do Império estava inserido nesse contexto de preocupações e tinha como objetivos o estudo, a prática, o melhoramento e a propagação da vacina antivariólica para todo o Império do Brasil. Para isso, devia contar com comissários vacinadores nas províncias, municípios e em todas as povoações em que houvessem pessoas habilitadas e que se prestassem ao emprego. Reafirmava-se também a obrigatoriedade da vacinação para todas as pessoas residentes no Império, quaisquer que fossem sua idade, sexo ou condição.
A vacina jenneriana, também conhecida como “humanizada”, foi descoberta pelo médico inglês Edward Jenner no final do século XVIII, a partir de observações sobre a relação entre a varíola e a imunidade provocada no homem quando em contato com o “cow-pox”, ou pústula da vaca, doença similar à varíola desenvolvida pelos bovinos. O produto extraído do “cow-pox” foi denominado “vacina” e ao ser inoculado no homem causava erupções semelhantes às da varíola. A vacina jenneriana consistia na inoculação da “linfa” ou “pus variólico” produzido por estas erupções da pele humana provocadas pelo “cow-pox”. Por este motivo, também era chamada vacinação “braço a braço” devido ao método. Este tipo de vacina, porém, começou a ser questionado quando se percebeu que, além de perder o efeito após algum tempo, ele poderia estar associado à transmissão de outras doenças, em particular da sífilis. Em 1840, a partir de uma mudança na técnica de produção da vacina antivariólica de Jenner desenvolveu-se a “vacina animal”, diretamente retirada da pústula da vaca e inoculada no homem.
O Regulamento do Instituto Vacínico do Império, de 1846, previa o desenvolvimento da vacina animal contra a varíola. A importância dada à nova técnica aparecia nos art. 26o, 27o e 28o:
“Art. 26. Se em alguma Província do Império se descobrir a Vacina, ou varíola das vacas (cow-pox) ou dela houverem algumas informações bem fundadas, o Governo mandará um facultativo ao lugar para tomar conhecimento desta enfermidade, e remeter o vírus à Junta Vacínica da Corte, para fazer as devidas experiências, e observações. Além disto, dará o dito Facultativo conta dos seus trabalhos ao Inspetor Geral, em uma Memória descritiva, na qual mencionará todas as particularidades que devam ser notadas. Esta Memória será submetida ao exame da Junta Vacínica, e remetida depois à Secretaria de Estado dos Negócios do Império com as observações da mesma Junta.
Art. 27. Todos os facultativos empregados na propagação da Vacina, auxiliados pelas autoridades locais, procurarão regenerá-la, inoculando-a convenientemente em animais para isso apropriados, a fim de se transmitir destes para crianças sãs, e robustas, das quais se extrairá para se propagar.
Art. 28. A pessoa, que conseguir regenerar o vírus vacínico, descobrindo a varíola das vacas (cow-pox) ou inoculando o fluido vacínico em animais, obterá um prêmio (de triplicado valor no primeiro caso) depois que se tiver reconhecido por todos os meios a verdade daquele descobrimento, ou inoculação” (BRAZIL, 1846).
A institucionalização desta técnica de produção da vacina antivariólica, contudo, seria viabilizada somente algumas décadas depois, com a criação do Instituto Vacínico Municipal por Pedro Affonso Franco (Barão de Pedro Affonso), em 1894.
Se a questão da produção da vacina animal não chegou a sair do papel na década de 1840, também o cumprimento da obrigatoriedade da vacinação, determinada por lei desde 1832 era um problema que iria preocupar as autoridades durante muito tempo. As soluções vislumbradas para a aplicação de tal lei sempre apontavam para a necessidade do uso da força.
Apesar de ser necessária a apresentação dos atestados de vacinação para várias atividades e profissões, a obrigatoriedade da vacina só chegou a ser realmente levada a sério pelas autoridades no século XX, provocando inclusive resistências da população quando as discussões acerca do assunto acabaram por desencadear o conflito conhecido como Revolta da Vacina.
O Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro, de 1849, apresentou o seguinte anúncio do Instituto Vacínico do Império:
“Junta Vaccinica da Côrte. Na Camara Municipal. Creada pelo Regulamento de 17 de agosto de 1846, que reformou e ora segue o Instituto Vaccinico do Imperio.
Inspector Geral do Instituto
Jacintho Rodrigues Pereira Reis, r. dos Ciganos, 1.
Vaccinadores effectivos da Junta
Dr. Antonio José Rodrigues Capistrano, r. da Imperatriz, 39.
Lourenço de Souza Coutinho, r. do Principe, 99.
Silvano Francisco Alves, r. do Cattete, 139.
Vaccinadores Supranumerarios
Dr. João José Vieira, r. nova do Conde, 200.
Dr, Manoel do Rego Macedo, r. da Lapa, 14.
Secretario
Dr. Herculano Augusto Lassance Cunha. R. d´Alfandega, 306.
Amanuense
Lazaro Moreira Landeiro Camisão, r. do Costa, 16.
Porteiro
Joaquim Ferreira Guimarães, r. Direita, 13.” (JUNTA, 1849, p.67)
Ao ser criado em 1846, o Instituto Vacínico do Império manteve o mesmo quadro de funcionários da Junta Central de Vacinação. Tinha como Inspetor Geral Jacintho Rodrigues Pereira Reis, um dos fundadores do Instituto Hahnemanniano do Brasil; como secretário, Herculano Augusto Lassance Cunha; e contava com os vacinadores Lourenço de Souza Godinho, Silvano Francisco Alves, João Francisco de Souza, Antônio José Rodrigues Capistrano e João José Vieira.
Foram inspetores gerais do Instituto: Jacintho Rodrigues Pereira Reis (1846-1872?); João Francisco de Sousa (1872-1873), José Pereira Rego, o Barão do Lavradio, (1873-1881); e Peregrino José Freire (1881-1886).
Estrutura e funcionamento
De acordo com o Regulamento estabelecido pelo decreto nº 464, de 17 de agosto de 1846, que criou o Instituto Vacínico do Império, este teria como objetivo o estudo prático, o melhoramento e a propagação da vacina. Seria constituído por um Inspetor Geral; uma Junta Vacínica na Capital do Império, presidida pelo Inspetor Geral e com quatro vacinadores efetivos, dois supranumerários e um secretário; um comissário vacinador provincial na capital de cada Província; um comissário vacinador municipal em cada município; comissários vacinadores paroquiais em todas as povoações, onde houvesse pessoas com as necessárias habilitações e que se prestassem a desempenhar este emprego.
Eram atribuições do Inspetor Geral, entre outras coisas: presidir às sessões da Junta Vacínica da Corte; dirigir o expediente da repartição; remeter o fluido vacínico aos comissários vacinadores provinciais; assinar as certidões de vacinação; participar à Câmara Municipal as infrações de posturas relativas à vacinação de que tiver notícia e propor à mesma Câmara todas as medidas que forem convenientes para a boa execução do Regulamento; propor ao governo, depois de ouvir a Junta, todas as providências que julgasse necessárias para a propagação da vacina e para a revacinação; tomar conhecimento do estado da vacinação em todas as províncias do Império, mantendo para este fim correspondência ativa com os comissários vacinadores; informar o governo dos casos de varíola que aparecessem na Corte ou em qualquer outro ponto do Império; corresponder-se com sociedades estrangeiras; e apresentar ao governo mapas e relatórios referentes á vacinação.
No âmbito do Município da Corte, a Junta Vacínica da Corte, que integrava o Instituto Vacínico do Império, tinha por competências: responder às consultas do governo acerca das questões relativas à vacinação; recolher informações e discutir questões ligadas ao tema; reunir-se pelo menos duas vezes por semana.
Os vacinadores deveriam assistir às sessões da Junta Vacínica e fazer propostas referentes ao aperfeiçoamento dos conhecimentos sobre a vacinação; colher o fluido vacínico e empregá-lo em todas as pessoas que se apresentassem ao Instituto; ir às diversas freguesias da cidade para vacinar; e assinar certidões de vacinação e organizar os mapas das pessoas que se vacinassem para apresentar ao Inspetor Geral.
Nas províncias, os comissários deviam vacinar pelo menos duas vezes por semana e expedir certificados de vacinação para os que tivessem aproveitado a vacina. Deveriam também requisitar, ao Inspetor Geral do Instituto Vacínico, o fluido necessário e cuidar de sua conservação e distribuição para os comissários municipais e paroquiais; inspecionar os estabelecimentos de vacinação que houvesse na Província; informar as epidemias de varíola ao Inspetor Geral; e enviar semestralmente mapas das pessoas vacinadas ao Presidente da Província e ao Inspetor Geral.
Aos comissários municipais e paroquiais competiam as mesmas atribuições dos comissários provinciais, reduzidas ao âmbito municipal ou paroquial.
O referido regulamento, de 1846, dispôs ainda que se em alguma província fosse descoberta a vacina ou varíola das vacas (cow-pox), o Governo Imperial enviaria um facultativo ao local para tomar conhecimento desta enfermidade, e encaminharia o vírus à Junta Vacínica da Corte, para serem realizadas experiências e observações. Estabelecia, igualmente que todas as pessoas residentes no Império seriam obrigadas a vacinar-se, não importasse sua idade, sexo, estado ou condição, exceptuando-se somente aqueles que mostrassem ter tido vacina regular ou bexigas verdadeiras (BRASIL, 1846).
De acordo com Plácido Barbosa (1909), em 1847 o Regulamento do Instituto Vacínico já estava sendo executado em boa parte do Império. Já haviam sido nomeados comissários provinciais em todas as províncias, com exceção do Espírito Santo e contava-se com 239 comissários municipais e paroquiais distribuídos entre a Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Rio Grande do Norte e Alagoas.
Entretanto, a extensão do país e as dificuldades de comunicação representavam obstáculos significativos à realização dos objetivos do Instituto, além das dificuldades criadas pela resistência popular à vacinação e revacinação conforme destacou Sidney Chalhoub (1996).
José da Costa Carvalho (Visconde de Monte Alegre), então Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, afirmou, em 1849, que era urgente a elaboração de “regulamentos sanitários que auxiliassem, desenvolvessem e completassem o pensamento que presidira a fundação do Instituto Vacínico, dando às disposições por que se regia, o vigor de que necessitavam para que o povo se não subtraísse à vacinação e se removessem outras causas de contágio por meio de medidas coercitivas e providências apropriadas que deviam ser consignadas naqueles regulamentos” (BARBOSA, 1909, p. 425).
Em 1851, o Instituto Vacínico do Império e a Inspeção de Saúde do Porto foram incorporados à Junta de Higiene Pública, tendo sido a última criada pelo decreto n.º 598 de 14 de setembro de 1850. A partir do Regulamento da Junta de Higiene Pública, aprovado pelo decreto n° 828 de 29 de setembro de 1851, foram introduzidas algumas modificações no modo de funcionamento do Instituto Vacínico.
O Inspetor Geral do Instituto tornava-se agora subordinado ao Presidente da Junta Central, assim como os comissários vacinadores provinciais passavam a fazer parte das Comissões de Higiene Pública que seriam constituídas no Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul. Nas outras províncias os comissários vacinadores tornavam-se subordinados aos Provedores de Saúde.
Em 1873, o governo nomeou para o cargo de Inspetor Geral do Instituto Vacínico o então presidente da Junta de Higiene Pública, José Pereira Rego (Barão do Lavradio), que passou a ocupar os dois cargos. Em 1875, com a permanência das dificuldades em difundir a vacinação e revacinação, o Barão do Lavradio apresentou uma proposta para elaboração de uma nova lei que as tornasse obrigatórias. Em suas próprias palavras, a vacinação deveria ser “obrigatória em todo o Império, exceto para os que tiverem sofrido de varíola”. Já a revacinação, deveria ser obrigatória nas seguintes condições:
“a) para provimento em qualquer emprego público geral, provincial ou municipal;
b) para admissão à matrícula nos cursos de instrução secundária e superior, em estabelecimentos públicos e particulares, desde que o indivíduo tiver completado a idade em que deve ser ela praticada;
c) para assentamento de praça no Exército e Armada, ou corpos arregimentados, assim como para o engajamento do serviço em arsenais, oficinas, repartições e quaisquer outros estabelecimentos custeados pelo Estado;
d) para transmissão de propriedade de escravos, quer em praça quer por escritura pública.
- Prática da vacinação dentro de quatro meses a contar do dia do nascimento para os moradores das cidades e vilas mais próximas da sede do governo e dentro de um ano para os do interior; e da revacinação no período de 12 a 15 anos de idade.
- No caso, porém, de reinar a varíola epidêmica, geral ou parcialmente, o governo ordenaria que se procedesse à vacinação geral em todos os estabelecimentos sob sua direção, inclusive as prisões e hospitais, no Exército e Armada, assim como em todos os hospitais públicos e particulares; e as autoridades encarregadas do serviço vacínico envidariam de sua parte todos os esforços para alcançarem o maior número possível de vacinações em seus distritos, levando-se este serviço em conta de relevante.
- Criação de institutos vacínicos para melhor execução do serviço nas capitais de todas as províncias, à imitação do que existia na Corte, com o pessoal preciso, tendo em vista o grau de sua população, assim como a de comissários vacinadores municipais e paroquiais, que se incumbissem do serviço nos respectivos distritos.
- Regulamentos adequados à útil execução da lei, nos quais se estabelecessem preceitos que garantissem sua prática rigorosa, se impusessem multas aqueles que a infringissem e se conferissem recompensas aos que a esse respeito fizessem serviços relevantes” (BARBOSA, 1909, p. 427)
Em 1886 o Instituto Vacínico do Império foi extinto, e novamente a produção da vacina e a vacinação foi descentralizada. No início do período republicano a produção e a prática da vacinação passaram a ser controladas pelo Instituto Vacínico Municipal, criado em 1894 pelo Barão de Pedro Affonso, e já comprometido com a nova técnica da produção de vacina animal.
Fontes
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- SANTOS FILHO, Lycurgo de Castro. História Geral da Medicina Brasileira. v.1 e 2. São Paulo: HUCITEC/EDUSP, 1991. (BCCBB)
Ficha técnica
Pesquisa – Alex Varela; Atiele de Azevedo de Lima Lopes; Patricia Santos Hansen.
Redação - Patricia Santos Hansen.
Revisão - Francisco José Chagas Madureira.
Atualização – Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.
Forma de citação
INSTITUTO VACÍNICO DO IMPÉRIO. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 21 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario
Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)