JARDIM BOTÂNICO DO GRÃO-PARÁ: mudanças entre as edições

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
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<span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;">Pesquisa - Alex Gonçalves Varela; Lucilia Maria Esteves Santiso Dieguez.<br/> Redação - Alex Gonçalves Varela; Lucilia Maria Esteves Santiso Dieguez; Maria Rachel Fróes da Fonseca.<br/> Revisão - Maria Rachel Fróes da Fonseca.<br/> Atualização - Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.</span></span>
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Edição atual tal como às 19h52min de 25 de agosto de 2023

Denominações: Jardim Botânico do Grão-Pará (1798); Jardim Botânico de Belém do Pará;

Resumo: Em 1796, a rainha D. Maria I, por meio de uma Carta Régia, ordenou ao então governador da Capitania do Pará, D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, a implantação de um jardim botânico, na cidade de Belém. Em 1798 foi então estabelecido o Jardim Botânico do Grão-Pará, que tinha finalidades agrícola, científica e econômica: a aclimatação de plantas úteis ao comércio de especiarias europeu, a conservação e a ampliação do conhecimento sobre vegetais amazônicos, tidos como exóticos. No final de 1809 recebeu espécies do jardim de aclimação da Guiana, o La Gabrielle. Em 1859, a situação em que o Jardim se encontrava era desastrosa, sendo apenas um lugar de recreação, e em 1879 estava praticamente destruído.

Histórico

Em 4 de novembro de 1796, a rainha D. Maria I, por meio de uma Carta Régia, determinou “o estabelecimento de viveiros e a educação das plantas”, no terreno do convento de São José,  que havia sido erguido, em 1706, pelos religiosos da Ordem da Conceição da Beira do Minho, onde seriam cultivadas especiarias plantas (Apud. PLANTAS, 2020).

A Carta régia fora dirigido ao então governador da Capitania do Pará, D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, que em 1798 executou a ordem real, para criação de um jardim botânico, em Belém do Pará, conforme a carta que encaminhou, em 30 de março de 1798, seu irmão, D. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos: 

“Ilustríssimo e excelentíssimo senhor. Junto ao edifício, que algum dia foi o convento com a invocação de S. José, mandei limpar, e preparar uma extensão de terreno de 50 braças ... para o estabelecimento de viveiros, e da educação de plantas, que sua majestade foi servida determinar pela carta régia de 4 de novembro de 1796. A direção deste trabalho incumbi ao francês Grenoullier ... por ter sido em Caiena encarregado d’outros semelhantes .... Poucos meses depois faleceu ele de um ataque de hidropezia, deixando porém já disposto o terreno, e algumas plantas das que anteriormente tinham vindo. ... quase todo trabalho correu pelo capitão do regimento da cidade Marcelino José Cordeiro, por quem vai assinada a inclusa relação das plantas já dispostas no sobredito terreno. Por esta relação verá V. Exª que eu me alarguei do que prescreviam as ordens de sua majestade ..., pois se sua majestade quer fazer despesas com a educação de plantas estranhas em viveiros para promover a cultura delas nos seus reais Domínios, por força de maior razão parece conforme às suas Reais Intenções, que a um mesmo tempo se promovam a das indígenas, que não se cultivam ainda, e cujos produtos se vão avulsamente procurar pelos matos. .... Deus guarde a V. Exª. Pará 30 de março de 1798. Ilmo. e Exmo. Snr. d. Rodrigo de Souza Coutinho. De Francisco de Souza Coutinho”. (Apud. PLANTAS, 2020).

Em resposta, um Officio de D. Rodrigo de Souza Coutinho, manifestou sua satisfação com os encaminhamentos adotados para o estabelecimento do Jardim Botânico:

“Sua Majestade manda louvar muito a V. S. o estabelecimento do Jardim Botânico de Plantações de que a mesma Senhora espera os maiores frutos a beneficio dos seus Povos. Não só foi muito agradável a sua Majestade a cultura das Plantas exóticas, mas igualmente a grande, e útil descoberta de se ter achado o meio de perpetuar as nossas madeiras de construção por meio da sementeira, que até aqui se desejava sem se ter conseguido. Sua Majestade (....) espera que V. S. faça que esse Jardim sirva de modelo a todos os outros, que se devem estabelecer nas outras Capitanias do Brasil, e que lhe dê uma tão extensão, que do mesmo possam ir para as outras Capitanias, as Plantas exóticas, e indígenas, que V. S. tem cultivado”. (Apud. SANJAD, 2001, p.79)

Em 1798 foi instalado o Jardim Botânico do Grão-Pará, para funcionar como um dos entrepostos da rede lusitana e intercâmbio das espécies vegetais (SANJAD, 2001, p.3). A construção de um jardim botânico tinha objetivo agrícola, científico e econômico; sua finalidade era ter um local onde fossem aclimatadas plantas úteis ao comércio de especiarias europeu e ainda onde se conservasse e ampliasse o conhecimento sobre vegetais amazônicos, tidos como exóticos.

Todo este empenho da metrópole portuguesa em organizar um estabelecimento botânico no norte do Brasil era produto de um pensamento fisiocrata que assolava Portugal no século XVIII; um típico “mercantilismo ilustrado”, como afirmou Fernando Novaes (Apud SEGAWA,1996, p.111). No século XVIII ou “Século das Luzes”, enfatizava-se o racionalismo e defendia-se a idéia da ciência como explicação do mundo. A fisiocracia, inspirada nos preceitos iluministas, apresentava a terra como a única e verdadeira fonte de riqueza, estimulando o conhecimento e o incremento da botânica com vários fins.

Sebastião José de Carvalho Melo, o Marquês de Pombal, quando ministro, empreendeu, em 1772, uma série de reformas na Universidade de Coimbra, buscando especialmente a introdução de ideias de renovação científica. Logo, com as reformas pombalinas, o impulso dado às ciências naturais, particularmente à botânica, foi enorme e se traduziu nas expedições de reconhecimento patrocinadas pela Coroa Portuguesa e também em escritos acerca das potencialidades naturais das colônias – observações sobre vegetais, enfatizando botânica, agricultura e mineração.

Naquele contexto, a Coroa Portuguesa entendia que o conhecimento científico das riquezas naturais de uma região e sua conseqüente aplicação econômica caminhavam juntos, justificando com isso sua política de implementação de um espaço botânico com o fim de permuta de plantas de vários lugares, além da aclimatação de especiarias no Brasil Colônia.

A Capitania do Pará, especificamente, possuía particularidades que despertavam uma atenção maior de Portugal, pois a diversidade de sua fauna e flora renderia muitos frutos à economia portuguesa. Desde meados do século XVIII, a Amazônia era intensamente solicitada para incrementar parques e jardins da Europa, mas desde os tempos das atividades de reconhecimento das drogas do sertão já era objeto de exploração botânico/zoológica por parte da metrópole. 

Assim, a criação de um jardim botânico em Belém era conveniente a Portugal e ainda serviria de modelo para a implantação de recintos botânicos em outras partes do país, fato este que apareceu numa carta do Conde de Linhares a D. Francisco Inocêncio:

“(...) Sua Majestade não só aprova (...) mas espera, que V. S. faça que esse Jardim sirva de modelo a todos os outros, que se devem estabelecer nas outras Capitanias do Brasil e que lhe dê uma extensão, que do mesmo possam ir para as outras Capitanias, as Plantas exóticas, e indígenas, que V. S. tem cultivado ” (Códice 676, seção manuscritos da B.A. Paraense. Apud, REIS, 1946, p. 7).

A Carta Régia de 4 de novembro de 1796, dirigida a D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, Governador da Capitania do Pará, tinha, então, o objetivo de criar espaços botânicos onde se cultivasse plantas úteis à metrópole. O governador, homem de grande poder aquisitivo e de nível cultural bastante elevado, provinha de uma família ilustre que prestara inúmeros serviços ao Reino português e tinha como irmão D. Rodrigo de Sousa Coutinho (Conde de Linhares), uma figura importante na política portuguesa e que tinha idéias arrojadas para Portugal. 

Considera-se que o bom funcionamento do Jardim Botânico do Grão-Pará nos primeiros anos de existência ajudou a servir como exemplo na edificação de outros locais de manutenção de espécies. Uma correspondência entre D. Maria I e o governador da capitania retratou o objetivo da Coroa:

“(...) Ordena Sua Alteza Real, que V. S. deixe disposto o modo porque se hão de ir sempre aumentando particularmente as espécies preciosas, quais Árvores de Pão, Caneleiras, Pimenteiras, Cravo da Índia, Árvores de Café, Árvores de construção: e como desses viveiros se hão de ir distribuindo para as outras Capitanias, V. S. deve oferecê-las aos seus respectivos Governadores logo que as tenha em maior abundância.”(Códice 676, seção manuscritos da B.A. Paraense. Apud, REIS, 1946, p.10)

Através das correspondências trocadas entre Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho e Rodrigo de Sousa Coutinho (Conde de Linhares), foram obtidas informações acerca da aquisição de plantas, assim como do desenvolvimento destas ao longo dos tempos. Duas dessas cartas trataram do assunto:

“Horto Botânico se não tem aumentado em extensão tem ganho em intenção pelas muitas mais Plantas que contêm, além das que vem vindo. Do Cravo da Índia tem morrido alguns pés, e quase todos os que dei a Particulares mas os que prometem vigorar. As Caneleiras e as Árvores de Pão tem vingado que parece não o foram mais vigorosamente onde são naturais. (.......................................). As plantas de Cravo da Índia são mais vagarosas, tem morrido muitas, mas temos ainda bastantes, vigorosas que prometem vingar. As do cravo da terra, e de Oucheri são também importantes, e melindrosas, mas as de casca preciosa, e de salsa parrilha vingam sem maior trabalho. (........) ” (Códice 676, seção manuscritos da B.A. Paraense Apud, REIS, 1946, p.9.)

Com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, a ideia de se criar outros hortos botânicos em outras regiões do país ganhou força, principalmente, com o êxito que havia sido obtido no Pará. O sucesso de Belém representava a continuidade de uma política econômica que visava o cultivo de vegetais exóticos para fins lucrativos na Europa. 
No início do século XIX já havia sido criado o Real Horto e o Horto D´El Rey em Olinda (Pernambuco). Ambos foram estruturados de acordo com o modelo traçado em Belém, tendo recebido de lá, inclusive, várias plantas para cultivo e aclimação. 

Entre 1803 e 1806, a Capitania do Pará era dirigida por D. Marcos de Noronha e Brito, oitavo Conde dos Arcos, que realizou uma reforma urbanística na capital. Consta que o governador teria criado, na estrada que conduzia ao Jardim Botânico, um passeio público que tinha a estrutura de um largo circular (chamou-se Largo do Redondo) e se destinava à venda de hortaliças para o consumo público. O Passeio estava localizado ao leste de Belém, num trecho de terreno devoluto, drenado por meio de covas e onde existiam belas árvores, dentre elas mangueiras, sumaumeiras, árvores-do-pão e mombins que propiciavam uma sombra aprazível e onde, inclusive, haviam sido instaladas algumas chácaras. O plantio realizado pelo Conde dos Arcos fez com que Belém lucrasse em salubridade e afastasse, assim, surtos endêmicos. 

Uma outra reforma urbanística fora feita na região do Piri, que também era conhecida como Alagadiço de Juçara; nela foram traçadas estradas de passeio arborizadas, onde se encontrava um horto, no qual eram cultivadas espécies trazidas de Caiena, dentre elas as caneleiras. O local foi então denominado Jardim das Caneleiras. Portanto, o conjunto urbanístico da cidade abrangia o Jardim Botânico, o Passeio Público e o Jardim das Caneleiras.

Em 1879, o então Presidente da Província do Pará, José Coelho da Gama e Abreu, admitiu o fim do Jardim Botânico da cidade. Segundo seu relatório, o estabelecimento estava completamente destruído e tudo havia se transformado num imenso matagal. Entretanto, não propôs sua restauração, argumentando que a província possuía outros assuntos mais importantes para resolver (FALLA, 1879, p. 15).

Foi estabelecido, em 1895, um Horto Botânico, anexo ao Museu Paraense de História Natural e Etnografia, atual Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém.

Acredita-se que o Jardim Botânico de Belém do Pará tenha sido desativado ao longo do final do século XIX e início do século XX. Em 1902, não havia mais nenhum sinal de existência do Jardim Botânico do Pará, e em seu local havia uma avenida, a Avenida 16 de Novembro, anteriormente denominada estrada de São José, por conduzir ao convento e ao presídio São José. 

Estrutura e funcionamento

Em 1798 foi instalado o Jardim Botânico do Grão-Pará, em terreno ao lado do antigo Hospício dos Capuchos de Nossa Senhora da Piedade, o convento de São José, que, após a saída dos religiosos, tinha sido transformado em quartel do Corpo de Artilharia (SANJAD, 2001, p.71).
Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho resolveu executar a ordem real, definida na referida Carta Régia, escolhendo local e os funcionários que se responsabilizassem pelos trabalhos de organização do jardim botânico. Naquela época, o governante voltava suas atenções para a defesa do território paraense, em virtude da proximidade com Caiena (atual Guiana Francesa) e do temor de que as idéias revolucionárias penetrassem na capitania. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho precisava executar uma severa vigilância na fronteira e assim estipulou um elaborado plano de espionagem em Caiena, capital do território inimigo, sendo sempre informado sobre tudo o que ocorria na colônia francesa. Através dessa estratégia, o governador da capitania mandava seus espiões observarem e trazerem amostras de vegetais locais que pudessem ser aclimatados na Amazônia, e que pudessem representar lucros para a economia portuguesa. 

O clima conturbado em Caiena fez com que inúmeros proprietários migrassem de lá para vários lugares, tendo alguns deles pedido permissão para atravessar a fronteira. Dentre os que avançaram além da fronteira, estavam Michel du Grenouillier (1759-1798), e Jacques Sahut (? -1799), ambos proprietários de terras e que seriam importantes para a política portuguesa de manutenção e cultivo de espécies vegetais. 

Logo depois, D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho contratou os serviços de Grenouillier, que havia morado no Oiapoque e se encontrava exilado no Pará desde 1795, confiando-lhe a organização do Jardim Botânico em Belém, e tendo como assistente o Capitão de Regimento da cidade, Marcelino José Cordeiro. De acordo com Nelson Sanjad, por intermédio de Grenouiller teria chegado as primeiras espécies exóticas no jardim, como sementes de cravo, pimenta, fruta-pão, manga e abricó de S. Domingos (SANJAD, 2001, p.90).

Como assumiu o cargo adoentado, Grenouillier logo veio a falecer. Em seu lugar, assumiu seu conterrâneo Jacques Sahut, que acumulou esta função com a de administrar um estabelecimento agrícola, a Fazenda de Val-de-Caens, com plantações de milho, arroz e mandioca. Sahut também veio a falecer no ano seguinte à fundação do horto, em 1799, e dessa forma Marcelino José Cordeiro tornou-se o único responsável pela delineação e organização do local. Mais tarde, o próprio Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho admitiu que toda a estruturação do jardim fora obra daquele Capitão de Regimento, mesmo nos tempos de Grenouillier. 

Nos “Mappas de todas as Plantas que existem no Jardim Botânico em São José”, de 30 de abril e 20 de junho de 1800, apareceram relacionadas as espécies nativas e exóticas do Jardim Botânico do Grão-Pará, em Belém. No Mapa de 30 de abril, constava a existência de 82 espécies, com o total de 2.354 pés: 546 bananeiras, 300 pés de “cana de açúcar da terra”, 300 pés de “cana de açúcar da Índia”,  125 de caneleiras, 50 pés de “anil manso”, 5 pés de abricós, 9 pés de fruta-pão, 1 pé de abacateiro. 49 pés de cravos da Índia, 10 pés de jacas, 2 pés de jasmins, 24 pés de maracujá, 1 pé de “quina de Suriname”, 4 pés de “jasmins do Cabo da Boa Esperança”, 4 pés de “jasmins da Itália”,5 pés de “goiabeiras do Mato Grosso”, 1 pé de “jaca da Bahia”, 17 pés de baunilha, 8 pés de cacau, 22 pés de casca preciosa, 9 pés de copaibeira, 43 de “cravo da terra”, e 5 pés de seringueira (Apud. SANJAD, 2001, p.92).  

O ano de 1809 foi bastante próspero para o Jardim Botânico de Belém do Pará. Com a tomada de Caiena pelas tropas joaninas, Portugal ganhou a posse do jardim de aclimação da Guiana, chamado La Gabrielle. Isso facilitou bastante o desenvolvimento do horto botânico do Pará, pois se podia adquirir plantas exóticas a qualquer instante, sem mais precisar agir na clandestinidade. De lá os portugueses trouxeram a cana-caiana, a noz-moscada, o cravo, a fruta-pão, e talvez a carambola e a fruta-do-conde.

O primeiro envio de espécies para Belém teria sido realizado no final de 1809. Em dezembro de 1809, Joseph Martin (1788-1819), botânico e coletor do Jardin du Roi, em Paris, e administrador do jardim de aclimatação de espécies La Gabrielle, em Caiena (atual Guiana Francesa), desde 1791, enviou para Belém plantas e as instruções para o plantio, no total de 82 espécies, entre estas fruta-pão, carambola, moscadeira, pimenteira e uma variedade de cana (KURY, 2013, p.244).

Com a criação do Real Horto, em 1808, no Rio de Janeiro, e a instalação, em 1811, do Horto em Olinda, consolidou-se a rota de remessas de plantas que eram enviadas de Caiena para o Pará, e daí para os demais hortos da América Portuguesa. Essas espécies de plantas eram bens econômicos valiosos, tendo em vista sua cotação no mercado.

João Severiano Maciel da Costa, Intendente Geral de Caiena, teve um papel extremamente importante na supervisão da administração de La Gabrielle, adotando medidas que tinham por objetivo proteger o cultivo e o comércio das especiarias. Junto com D. Rodrigo de Souza Coutinho, ele organizou a transferência de mudas para Belém, Olinda e Rio de Janeiro.

Foi assinado, em novembro de 1817, um acordo entre Portugal e França, pelo qual era restituída a Guiana para sua antiga metrópole. A partir deste momento, o Jardim Botânico em Belém desvinculou-se de La Gabrielle.

Em 1818, o médico e naturalista Antônio Corrêa de Lacerda, nomeado pelo último Capitão General no Grão-Pará, Conde de Villa Flor, assumiu a direção do Jardim Botânico do Grão-Pará. Dentre todos os inspetores do jardim paraense, foi ele quem deu maior organização à instituição, uma vez que contava com o trabalho de um assistente, de escravos e dos degredados mantidos no quartel ao lado do jardim. Corrêa de Lacerda realizou experimentos agrícolas, renovou a plantação de caneleiras e a produção de canela e iniciou a catalogação e a classificação botânica das espécies cultivadas. Esse trabalho deu origem à sua obra mais importante, a “Flora Paraensis”. 

Os naturalistas Johann Baptist von Spix (1781-1827) e Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) visitaram o Jardim, em 1819, quando este era administrado por Antônio Corrêa de Lacerda, e registraram suas impressões e observações sobre as atividades ali desenvolvidas em sua obra “Viagem pelo Brasil (1817-1820)”, publicado em 1823: 

“Este jardim, atualmente administrado por um militar, cultiva com especialidade as citadas especiarias das Índias Orientais, cujo número de pés se aumentava consideravelmente quando os portugueses se apoderaram de Caiena em 1809, e o conhecido botânico Martin, diretor da plantações em Gabrielle, foi encarregado, pelo comandante Manuel Marques, deremeter árbores novas para o Pará. Aqui vimos o estoraque, a verdadeira pimenteira da Índia, o cravo-da-ìndia, a noz de Bem, a moscadeira, (espécie menor), a nogueira de Bankul, o bilimbi, a caramboleira, a bananeira de folha vermelha do Oceano Pacífico e a verdadeira árvore da fruta-pão. A canelereira foi mudada daqui para uma plantação própria perto de Olaria, nas proximidades do rio, onde vimos alguns milhares de mudas prosperando viçosas. (....). Mostrou-nos o diretor, D. Lacerda, entre outras, a árvore que dá o cravo-do-maranhão”. (SPIX, 2017, p.43-44)  

Com o fim da administração de Lacerda, em 1821, e com a independência do Brasil, iniciou-se um período no qual o governo deixou de apoiar e fazer investimentos naquele Jardim Botânico, o qual foi praticamente abandonado no período do Primeiro Reinado. A Cabanagem, revolta ocorrida no final da década de 1830, acabou por destruir o espaço urbano de Belém e as obras do Complexo São José foram arruinadas. O relato de Paulo José da Silva Gama, Presidente da Província em 1830, retratou a situação do complexo urbanístico paraense, mostrando que era uma ficção a existência de estabelecimentos denominados como Horto Botânico e Jardim das Caneleiras, em virtude do abandono e desleixo nos quais encontravam-se esses espaços (Códice 676, seção manuscritos da B.A. Paraense. Apud REIS, 1946, p.12). 

Em 1859, a Fala do Presidente de Província, Manoel de Frias e Vasconcellos, ressaltou a situação desastrosa em que se encontrava o Jardim Botânico do Pará, mas citou que estavam sendo feitos trabalhos de jardinagem no local, tendo o estabelecimento não só recebido algumas plantas exóticas, como também aumentado o número de algumas espécies. Além disso, um jardineiro e quatro auxiliares foram admitidos para prosseguir as obras. Um dos outros projetos da época era a transferência do jardim para a praça lateral do Palácio, acreditando existir lá um solo mais frutífero e menos ingrato para a perpetuação das plantas (FALLA, 1859, p.12 e 13.).
    
Nos anos que se seguiram, o jardim transformou-se num lugar de recreação, em decorrência da falta de condições que o reconheceriam como um Jardim Botânico. Sua decadência foi constantemente atribuída à impropriedade do terreno em que estava situado. 

Em 1864, foi autorizada a remoção do jardim público para o terreno aterrado no cruzamento das estradas do Arsenal e São José; no antigo local começariam as obras para iluminação a gás. No entanto, a mudança não significou nenhuma melhora no aspecto físico do horto, sendo a insuficiência de verba pública apontada como uma das principais razões.

No ano de 1866, foi proposta a recuperação do caráter botânico do jardim, já há muito abandonado, quer seja pelo descaso dos governos anteriores, quer seja pelo despreparo dos trabalhadores que ali atuavam. Comentava-se novamente sobre a utilidade que o jardim poderia proporcionar às ciências naturais, desde que cultivado com método. Sugeriu-se a desapropriação, o aterramento e a arborização de um terreno fronteiro e alagadiço. Aliado ao aspecto botânico do jardim, pretendia-se conferir-lhe também um caráter de passeio público, servindo de local de entretenimento à população belenense.

O novo jardim público conseguiu benefícios, em 1868, com o evento referente à abertura do rio Amazonas à navegação internacional, que alcançou grande repercussão no norte do Brasil. A principal obra realizada para tal evento, o Pavilhão Comemorativo, foi desmontado após o evento e transferido, com todos os seus ornatos e confortos, para o jardim público.

Nos anos posteriores, as obras para as melhorias do jardim prosseguiram, entretanto, sem atingir seus verdadeiros fins: o botânico e o público. A necessidade de desapropriação do terreno próximo à rua do Atalaia continuava, pois só desse modo seria possível a ampliação do jardim público.

Em 1873, o Jardim Botânico foi arrendado a Manuel da Costa Araripe, um ex-mestre de jardineiro, que tinha somente a função de abri-lo ao público aos domingos e dias santos, assim como fornecer flores para o Palácio do Governo em datas festivas. 

Nesta época, retornou-se à questão da impropriedade do terreno no qual o jardim estava localizado, com inundações em dias de chuva. Uma nova mudança foi sugerida, sendo desta vez para o largo do Palácio ou para a Praça de Pedro II. Nesse período, o governo ressaltou a necessidade de um melhoramento do jardim público, sempre associado à questão da saúde pública. Nessa perspectiva defendia-se a idéia de que a manutenção do Jardim em bom estado proporcionaria melhores condições de salubridade para a cidade de Belém, assim como também significaria um espaço de recreação para seus habitantes.

No ano de 1879, segundo o relatório do Presidente da Província do Pará, José Coelho da Gama e Abreu, o Jardim Botânico encontrava-se destruído (FALLA, 1879).

Fontes

- DEAN, Warren. A botânica e a política imperial: a introdução e a domesticação de plantas no Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p.216-228, 1991.          (BPUC)
- DOURADO, Guilherme Mazza. Belle époque dos jardins: da França ao Brasil do século XIX e início do XX. São Carlos, 2008. Tese (Doutorado em teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo), Escola de Engenharia de São Carlos, USP, 2008. Capturado em 28 jul. 2020. Online. Disponível na Internet:
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18142/tde-07042009-154158/publico/doutorado.pdf
- FALLA dirigida à Assembléa Legislativa da província do Pará na segunda sessão da XI legislatura pelo exm.o sr. tenente coronel Manoel de Frias e Vasconcellos, presidente da mesma provincia, em 1 de outubro de 1859. Pará, 1859. Mensagens dos Presidentes das Províncias (1830-1930). Obtido via base de dados Brazilian Government Documents do Center for Research Librairies-Global Resources Network. Capturado em 12 jul. 2020. Online. Disponível na Internet: 
http://ddsnext.crl.edu/titles/172#?c=0&m=43&s=0&cv=1&r=0&xywh=-1290%2C0%2C4546%2C3206 
- FALLA com que o excellentissimo senhor doutor José Coelho da Gama e Abreu, presidente da província, abriu a 2ª sessão da 21ª legislatura da Assembléa Legislativa da província do Gram-Pará, em 16 de junho de 1879. Pará, 1879. Mensagens dos Presidentes de Província (1830-1930). Obtido via base de dados Brazilian Government Documents do Center for Research Librairies-Global Resources Network. Capturado em 12 jul. 2020. Online. Disponível na Internet:
http://ddsnext.crl.edu/titles/172#?c=0&m=84&s=0&cv=1&r=0&xywh=-1370%2C-1%2C4658%2C3286 
- JARDIM Botânico de São José Missionários (1659). Notas pelo Doutor Manuel Barata.  Coleção Manuel Barata Lata 294 – Pasta 17.        (IHGB
- JARDIM Botânico do Pará. In: ARQUIVO NACIONAL. Glossário de História Luso-Brasileira. Capturado em 28 jul. 2020. Online. Disponível na Internet:
http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5357&catid=2055&Itemid=266
- KURY, Lorelai. Plantas sem fronteiras: jardins, livros e viagens, séculos XVIII-XIX. In: KURY, Lorelai (ed.). Usos e circulação das plantas no Brasil. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Estúdio, 2013. pp.228-291.     
- PLANTAS Nativas. In: ARQUIVO NACIONAL. O Arquivo Nacional e a História Luso-Brasileira. Capturado em25 set. 2020. Online. Disponível na Internet:  
http://historialuso.an.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3086:plantas-nativas&catid=2040&Itemid=215
- REIS, Arthur Cezar Ferreira. O Jardim Botânico de Belém. Rio de Janeiro, Boletim do Museu Nacional, n. 7, p.1-14, setembro de 1946.           (MN)
- SANJAD, Nelson Rodrigues. Nos jardins de São José: uma história do Jardim Botânico do Grão Pará, 1796-1873. Campinas, 2001. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Geociências Aplicadas ao Ensino, Instituto de Geociências, UNICAMP, 2001.  In: UNICAMP. Repositório da Produção Científica e Intelectual da UNICAMP. Capturado em 28 jul. 2020. Online. Disponível na Internet: http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/287055  
- SEGAWA, Hugo. Jardins Botânicos e Passeios Públicos. In:Ao amor do público: jardins no Brasil. São Paulo: FAPESP; Studio Nobel, 1996.  pp.109-149. In: FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA. Capturado em 28 jul. 2020. Online. Disponível na Internet: http://www.casaruibarbosa.gov.br/glaziou/pdf/Hugo_Segawa_Ao-Amor-do-Publico-Jardins-no-Brasil.pdf
- SPIX, J. B. von; MARTIUS, K. F. von.Viagem pelo Brasil (1817-1820). Terceiro volume. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2017. In: SENADO FEDERAL. Institucional. Biblioteca Digital. Capturado em 25 set. 2020. Online. Disponível na Internet: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/573991

Ficha técnica

Pesquisa - Alex Gonçalves Varela; Lucilia Maria Esteves Santiso Dieguez.
Redação - Alex Gonçalves Varela; Lucilia Maria Esteves Santiso Dieguez; Maria Rachel Fróes da Fonseca.
Revisão - Maria Rachel Fróes da Fonseca.
Atualização - Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.

Forma de citação

JARDIM BOTÂNICO DO GRÃO-PARÁ. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 21 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario


Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)