MUSEU DO ESTADO

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
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Denominações: Museu do Estado (1891); Museu Paulista (1893); Museu do Ipiranga; Museu Paulista da Universidade de São Paulo

Resumo: O Museu do Estado foi criado em 7 de abril de 1891, na cidade de São Paulo, resultado da união dos acervos do Museu Provincial, pertencente à Sociedade Auxiliadora do Progresso da Província de São Paulo, e do Museu Sertório, de propriedade do comerciante Joaquim Sertório. Seu primeiro dirigente foi Alberto Löefgren e a partir de janeiro de 1893, quando passou a fazer parte da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, ficou sob a direção de Orville Albert Derby. Em agosto de 1893 desvinculou-se desta Comissão, e foi instalado no Monumento do Ipiranga, passando a ser denominado de Museu Paulista, nome que permaneceu até hoje. Tinha por objetivos o estudo da história natural do homem, do reino animal e de sua história zoológica, funcionando também como instituição de ensino e como instrumento científico para o estudo da natureza do Brasil, principalmente de São Paulo.

Histórico

O Museu do Estado foi criado em 7 de abril de 1891, por determinação do Presidente da Província de São Paulo, Américo Braziliense de Almeida Mello, mas suas origens são mais antigas. Considera-se que sua criação é herdeira do Museu Provincial, que havia sido inaugurado em 1877 por iniciativa da Sociedade Auxiliadora do Progresso da Província de São Paulo, e da coleção do Museu Sertório, de propriedade de Joaquim Sertório. Da união destas duas instituições, teria surgido, então, o Museu do Estado, que, em 1893, passou a denominar-se Museu Paulista.

A criação de um museu em São Paulo esteve, em princípio, associada à idéia de se erguer um monumento em homenagem à Independência do Brasil, ocorrida em 1822, às margens do rio Ipiranga, na então província de São Paulo. Em 1824, logo após às comemorações de sete de setembro, Lucas Antônio Monteiro Bastos, Presidente da Província, solicitou, com o aval de D. Pedro I, contribuições voluntárias para a construção de um monumento à Independência. Contudo, em decorrência da falta de recursos financeiros, o projeto não seguiu adiante. Em 1870 novos esforços foram feitos a fim de angariar fundos para a obra, na época das loterias do Ipiranga, que por sua vez, não foram utilizadas de acordo com o objetivo inicial, sendo então, destinadas, pela Assembléia Provincial, às necessidades sociais mais imediatas.

Na realidade, investir em cultura não constituía o principal objetivo da elite paulistana naquele momento. Até os anos de 1870, grande parte da vida científico-cultural ocorria fora da província de São Paulo, em torno de instituições como a Faculdade de Medicina da Bahia e a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. À medida que a riqueza material da província paulista aumentou, em decorrência do excedente econômico originado da produção do café, a preocupação com a cultura passou a ser um assunto do interesse da elite. Viagens, aquisição de obras de arte e o mecenato passaram a fazer parte da vida da classe abastada de São Paulo.

O impulso econômico em decorrência do sucesso do café transformou ainda, a maneira de pensar de sua classe dominante, que passou a procurar suportes que representassem a ascensão da província. Um museu por exemplo, seria um local de representação para as figuras que se destacaram na vida político-econômica. Já que desde a emancipação política em 1822, havia a proposta de construção de um símbolo de representação do sete de setembro, finalmente na década de oitenta, o governo decidiu pôr em prática este plano. Um outro fator decisivo foi a idéia de se aproveitar o monumento para também estabelecer ali uma instituição de ensino.

Em 1885, os trabalhos foram então iniciados e a autoria do projeto se deveu ao arquiteto italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi (1844-1915), que obteve a aprovação do Imperador Pedro II. Em 1890, embora as obras do edifício estivessem concluídas, o local permaneceu ainda desocupado. A perspectiva científica que deveria possuir ainda não havia sido preenchida, cumprindo o prédio apenas a função de monumento histórico. Somente em 1893, então como Museu Paulista, a instituição efetivamente ocupou aquele espaço.

O Museu do Estado nasceu da união dos acervos do Museu Provincial e do Museu Sertório. Enquanto o primeiro teve seus primeiros tempos muito bem documentados, pouco se sabe a respeito da formação do segundo. Talvez isto se explique pelo fato de o Museu Provincial ter possuído um caráter absolutamente público, contando com o apoio da imprensa, enquanto o Museu Sertório foi fruto de esforços estritamente particulares. As providências para a montagem do Museu Provincial datam de 2 de dezembro de 1876 e foram tomadas pela Sociedade Auxiliadora do Progresso da Província de São Paulo. Esta instituição era formada por cidadãos de posição e fortuna que tinham o objetivo de criar um museu que se voltasse para o campo das ciências. A inauguração do Museu Provincial se deu em 11 de junho de 1877, contando com a presença de pessoas ilustres, como o Conde d´Eu. O primeiro endereço do Museu Provincial foi uma sala no Palácio do Governo, localizado no Pátio do Colégio, e após a inauguração, caiu na obscuridade, e seu acervo foi agregado ao do Museu Sertório.

O Museu Sertório, de propriedade de Joaquim Sertório, um rico comerciante, estava instalado na própria residência de seu proprietário, no Largo Municipal (posteriormente Praça João Mendes), na província de São Paulo. Não se sabe quando Sertório iniciou sua coleção, apenas que seu acervo possuía peças de valor mineralógico, zoológico, arqueológico, etnográfico e histórico, e que os três reinos da natureza estavam muito bem representados. Logo, o renome de sua coleção chegou à imprensa e ao conhecimento da sociedade paulistana.

Devido ao crescimento de sua coleção, Joaquim Sertório contratou, em 1883, o sueco Johan Albert Constantin Löfgren (Alberto Löefgren) (1854-1918) para se encarregar da organização das peças. Löfgren, que havia chegado ao Brasil em 1874 para explorar a botânica da região de São Paulo e Minas Gerais (FERRI, 1994), organizou o Serviço de Meteorologia do Estado de São Paulo, fundou o Jardim Botânico (atual Horto Florestal), na Cantareira em 1898, trabalhou no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, entre 1916 e 1918, e foi autor de “Contribuição para o conhecimento da flora paulista” (1890) entre outras obras. Há notícias de que, após a organização do museu, o Museu Sertório se transferiu para um prédio no Largo da Assembléia, sendo franqueado ao público. É certo que, em 1890, Joaquim Sertório vendeu sua “Coleção” ao Conselheiro Francisco de Paula Mayrink e este, no mesmo ano, doou essa “Coleção” ao Governo do Estado de São Paulo. Feita a doação, as peças do Museu Sertório foram anexadas às do Museu Provincial, formando uma grande coleção.

Este novo acervo ficou sob a responsabilidade da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, que havia sido criada em 1866. Neste órgão, trabalhava como botânico e meteorologista Johan Albert Constantin Löfgren, que havia sido encarregado da organização do acervo do Museu Sertório, e que foi quem pressionou o governo estadual para adquirir as coleções doadas. 

Em 7 de abril de 1891, o Presidente do Estado de São Paulo, Américo Braziliense de Almeida Mello, decidiu pela nomeação de Johan Albert Constantin Löfgren para diretor interino da “Coleção”, e pela concessão de recursos para a manutenção da mesma e para a contratação dos auxiliares Alexander Hummel (1844-1913) e Wilhelm Friedenreich (1823-   ). Desta forma, foi gestado o Museu do Estado, instalado em uma casa no Largo do Palácio, atualmente referido como Pátio do Colégio. O museu assim funcionou até o mês de janeiro de 1893, quando passou a fazer parte da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, ficando a coordenação do museu a cargo do presidente do órgão responsável, Orville Adelbert Derby. Em março do mesmo ano, o museu e a Comissão passaram a ocupar um prédio na Rua da Consolação. 

Nesta fase inicial da instituição, Löfgren convidou o professor de botânica dinamarquês Harald Alexander Hummel (1844-1913), que estava no Brasil desde 1867, para auxiliá-lo na organização. Participou, igualmente, da organização das coleções Wilhelm Friedenreich (1823-   ), alferes-cirurgião prussiano, que havia chegado ao Brasil, em 1850, integrando o grupo de colonos que fora para Blumenau, Santa Catarina. 

O governo estadual decidiu, em agosto de 1893, fazer do Museu do Estado um órgão independente, desvinculando-o da Comissão Geográfica e Geológica, e abrigando-o no Monumento do Ipiranga, cuja construção havia sido finalizada em 1890. Pela lei estadual n.º 192, de 26 de agosto de 1893, destinou-se o Monumento do Ipiranga para sede do Museu do Estado e Panteão. 

Logo em seguida, a lei estadual nº 200, de 29 de agosto de 1893, autorizou a reorganização do Museu do Estado, para ser um museu zoológico e antropológico, destinado à América do Sul em geral e ao Estado de São Paulo.  Alguns autores, como Adriana Persiani (2012) afirmam que foi a partir desta data que o Museu passou a denominar-se como Museu Paulista. Entretanto, anteriormente, no decreto nº 21, de 11 de fevereiro de 1892, que havia definidos valores das gratificações na instituição, o Museu já aparecia referido como Museu Paulista.

Em 1894 foram iniciados os trabalhos de transferência das coleções para o Museu Paulista, e em 7 de setembro de 1895, o Museu foi inaugurado. O acervo apresentado na exposição inaugural, demonstrou que a instituição era capaz de desenvolver estudos não apenas ligados às ciências naturais, mas inclusive poderia ligar a história de São Paulo à história nacional. Entre as 14 salas de exposição abertas ao público, poderiam ser encontrados pássaros de diversas espécies; peixes de água salgada e água doce; mamíferos do Brasil, da Europa e de outros continentes; crustáceos; insetos e amostras minerais e paleontológicas. 

Já em outra parte do museu, exatamente na parede fronteira à escada que ligava o andar térreo ao primeiro andar, havia uma lápide com a seguinte inscrição: “Este monumento comemora a Independência do Brasil, proclamada a sete de setembro de mil oitocentos e vinte e dois.” Na mesma parede, estava um busto de Prudente de Morais, então Presidente da República, e no corredor principal, havia uma fotografia de Bernardino de Campos e junto a ela, se encontrava uma inscrição com o texto da lei que autorizou o governo paulista a construir o Monumento do Ipiranga.

Dirigiu o Museu Paulista, entre 1894 e 1915, Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, zoológo alemão radicado no Brasil desde 1880, naturalista-viajante do Museu Imperial e Nacional, pesquisador da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, e autor, juntamente com seu filho Rodolpho Theodor Wilhelm Gaspar von Ihering, dos “Catálogos de Fauna Brazileira. As aves do Brazil” (São Paulo, 1907). Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, em seu discurso de posse, destacou a relevância do Museu para o incremento das ciências naturais no Brasil, especialmente pelo fato do país não possuir, naquela ocasião, universidades ou escolas que formassem professores de história natural nos padrões das instituições européias (Apud LOPES, 1997). O Museu deveria, na sua concepção, ter um duplo objetivo, o de instruir e o de contribuir para o progresso da ciência. 

Em sua gestão deu prioridade aos estudos de caráter zoológico, devido a sua própria formação, a zoologia, e também porque quando ocorrera a separação entre o Museu Paulista e a Comissão Geográfica e Geológica, toda a coleção zoológica pertencente à Comissão acompanhou o Museu.
Hermann Friedrich Albrecht von Ihering destacava, em seus relatórios, a visita de pesquisadores estrangeiros, como o etnólogo Franz Heger (1853-1931) do Museum für Völkerkunde Wien (Viena, Áustria), o paleontólogo Arthur Smith Woodward (1864-1944), do British Museum, John D. Hasemann (1882-1969), do Carnegie Museum of Natural History (Pittisburg, U.S.A.). 
Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, manteve intercâmbios com várias instituições como o Musée de Paris, British Museum e Smithsonian Institution, as adotando como referências. Defendia, a exemplo do paleontologista Francis Arthur Bather (1863-1934), do Bristish Museum, a distinção dos museus, os centrais, os provinciais e os especializados, e destacava a necessidade da especialização dos museus, seguindo a especialização crescente das ciências na época. Propunha, ainda, a adoção da separação entre as coleções expostas e as de estudo, sistema defendido pelo ictiólogo George Brown Goode (1851-1896), autor de “Principles of Museum Administration”, com quem manteve correspondência sistemática. 

Além disso, durante sua gestão, o Museu Paulista recebeu coleções de museus da Argentina (Museu de La Plata, Museu Nacional de Buenos Aires), do Uruguai e de Santiago do Chile, ampliando o acervo da instituição. Pesquisadores brasileiros também colaboraram com a classificação das coleções, entre eles Florêncio Gomes (Instituto Serumterápico do Estado de São Paulo), Adolph Hempel (do Instituto Agronômico de Campinas ), Gregório Bondar ( Escola Agrícola Agrícola Prática “Luiz de Queiroz”), e Walter  Adolpho Ducke (Museu Emílio Goeldi ). 

Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, em sua gestão, procurou seguir o exemplo de instituições européias, preocupando-se não apenas com a parte expositiva, mas inclusive, com o trabalho científico nas coleções. Para isso, contratou vários naturalistas para percorrerem o Brasil em busca de exemplares naturais para o Museu. Dentre os contratados, estavam Beniamino Bicego, o taxidermista alemão Helmuth Pinder (1874-1918), o naturalista estadunidense Adolph Hempel (1870-1949), o naturalista alemão, Sigismund Ernst Richard Krone (1861-1917), Francisco Leonardo de Lima, Spitz, o zoólogo alemão Hermann Lüederwaldt (1865-1934), o naturalista Ernest Garbe (1853-1925) e o colecionador e fotógrafo Walter Garbe. 

Na realidade, Hermann Friedrich Albrecht von Ihering já havia sido convidado, em 1892, por Orville Adelbert Derby, para assumir o cargo de diretor do museu. Neste ano, Derby enviou uma carta ao zoólogo alemão, na qual explicitava seu plano:

“(...) estou pensando em propor ao governo do estado daqui a criação de uma seção zoológica da Comissão com responsabilidade sobre o Museu para ser oferecida a você. (...) Presumo que a coisa possa ser arranjada mas não estou certo. Isto o agradaria no caso de poder ser feito? Por favor, telegrafe-me sim ou não no recebimento desta.” (DERBY, 1892. Apud FIGUEIRÔA, 1995, p. 146)

Acredita-se que Hermann Friedrich Albrecht von Ihering tenha aceitado a proposta imediatamente, pois um mês depois Orville Adelbert Derby enviou-lhe uma outra correspondência, informando-lhe sobre a situação naquele momento, referindo-se às verbas adquiridas, e deixando claro que iria propor, à Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, sua contratação para a chefia da seção zoológica a ser criada. No entanto, as correspondências subseqüentes indicaram um certo descontentamento da parte de Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, o qual demonstrava que almejava a direção da instituição, ao invés de chefe da seção zoológica do museu. Orville Adelbert Derby enviou a Hermann Friedrich Albrecht von Ihering uma carta, em 23/01/1893, na qual, tentava explicar as circunstâncias de sua indicação e os motivos da criação do Museu Paulista:

“em primeiro lugar, o governo de São Paulo não está especialmente interessado nem em estudos zoológicos nem no museu, considerando este último mais bem como uma espécie de elefante branco (...) uma opinião com a qual intimamente concordo. Ele consiste de uma coleção privada feita por um ‘curioso’ e vendida por ele junto com a casa para um rico especulador durante o ‘boom’, o qual fez presente da coleção ao governo e ficou com a casa. O governo, não sabendo o que fazer com ela e não desejando incorrer em despesa, ‘encostou’ o museu na Comissão, e eu relutantemente aceitei o encargo a fim de preservar o que havia de valor nas coleções e para manter viva a idéia de um museu, que no fundo poderá se transformar em algo melhor. (...). Quando apelos me foram feitos para arranjar algo para o senhor aqui em São Paulo, tomei a idéia do museu e do trabalho zoológico na Comissão como os meios práticos para fazer o que me haviam pedido (...). O que propus foi tanto quanto pude, naquelas circunstâncias. (...). A autorização para nomear um zoologista (....) foi um sinal de consideração a mim, não um interesse no Museu ou em pesquisa zoológica(...).” (Apud FIGUEIRÔA, 1997, p.146-147)

Em 1901 o preparador Ernest Garbe (1853-1925) foi nomeado naturalista-viajante, e no ano seguinte, Rodolpho Theodor Wilhelm Gaspar von Ihering, filho de Hermann von Ihering, passou o ocupar o cargo de custos (vice-diretor). 

Hermann Friedrich Albrecht von Ihering foi destituído, no final de 1915, do cargo de diretor do Museu Paulista, por terem sido encontradas várias irregularidades pela comissão encarregada de inspecionar o estabelecimento. Em seu lugar, foi nomeado Armando Prado e em sua curta gestão (durou apenas um ano), o Museu Paulista deu bastante ênfase ao caráter histórico. 

O projeto, que fora encaminhado ao Congresso em 1893, defendia o caráter histórico do museu, que, na visão da elite paulistana, deveria destinar-se à celebração de figuras ilustres do Estado de São Paulo, utilizando os espaços que não fossem ocupados pelo acervo de ciências naturais, e preenchendo-os com fotos, bustos, pinturas e outros suportes que representassem os personagens de relevo em São Paulo e que, tivessem prestado algum “bem” à Pátria:

“Se esta idéia for levada a efeito – e não cremos que encontre tropeços – ficará a São Paulo a glória de se ter lembrado, primeiro dentre todos os Estados da nação, de comemorar os grandes homens que por seus feitos e por suas obras bem mereceram de seu país.” (Projeto encaminhado ao Congresso em 1893. Apud ELIAS, 1997, p. 118)

Esta dimensão do museu seria levada adiante na curta gestão de Armando Prado, entre 1916 e 1917, quando o Museu Paulista deu bastante ênfase ao caráter histórico. Afonso d’Escragnolle Taunay, que assumiu a direção em 1917, seguiu nesta direção, tendo conferido ênfase à seção de História do Brasil. Com a nova administração, foi feito o inventário dos objetos e das coleções, além de ter sido iniciado o serviço de catalogação da biblioteca. Notou-se, também, um aumento no número de visitantes ao Museu Paulista, principalmente no dia sete de setembro.

O Museu Paulista, na década de 1920 foi desdobrado, passando sua seção de botânica para o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal, e em 1939 a seção de Zoologia (com parte da biblioteca, acervo e técnicos) tornou-se o Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura. Segundo Paulo Emílio Vanzolini (2002), esta medida foi inteiramente de caráter político, sem qualquer consideração científica. O Museu permaneceu com uma pequena equipe, e dedicou-se exclusivamente à história nacional, segundo o modelo proposto anteriormente, concentrando-se em suas funções museológicas tradicionais. 

Nesta época o Museu foi transferido para um prédio na avenida Nazaré, onde até hoje se encontra. Em 1969, o Museu, então dirigido por Paulo Emílio Vanzolini, foi integrado à Universidade de São Paulo. 

Diretores: Johan Albert Constantin Löfgren (Alberto Löefgren) (1891-1893); Orville Adelbert Derby (1893-1894); Hermann Friedrich Albrecht von Ihering (1894-1915); Armando Prado (1916-1917); Afonso d’ Escragnolle Taunay (1917- 1947).
 

Estrutura e funcionamento

Em 7 de setembro de 1895 o museu abriu as portas ao público, como anunciava a nota publicada na edição do dia anterior de O Estado de São Paulo:

“O Museu Paulista inaugurar-se há 7 de setembro. Rogo aos convidados comparecerem às 11 3,4 na rua 25 de março ao lado do Mercado, donde partirá às 12 horas em ponto o bonde especial. Ninguém terá ingresso ao monumento sem que exiba o convite que servirá de bilhete de passagem no bonde especial. De 8 de setembro em diante, o «Museu» poderá ser visitado somente aos domingos, das 12 às 14 horas da tarde; quando o governo determinar o Museu Paulista será franqueado mais duas vezes por semana. A entrada é franca, menos às pessoas maltrapilhas e ébrias. As crianças menores de cinco anos é vedado o ingresso, sendo responsáveis pelo comportamento os parentes das de maior idade. Enquanto não forme publicado o regulamento interno do «Museu» roga-se ao público o obséquio de conformar-se com as indicações do guarda. Não é permitido fumar no monumento”. (O Estado de São Paulo, 6 de setembro de 1895. Apud. STEPANENKO, 2016, p.60)

O regulamento da instituição, aprovado pelo decreto estadual nº 249, de 26 de julho de 1894, definia em seu art.2º, o Museu Paulista como um:

“O Musêu Paulista tem por fim estudar a historia natural America do Sul e em particular do Brazil, cujas producções naturaes erá colligir, classificando-as pelos methodos mais acceitos nos musêus scientificos modernos e conservando-as, acompanhadas de indicações, quando possivel, explicativas, ao alcance dos entendidos e do publico”.« (ESTADO DE SÃO PAULO, Decreto, 1894)

Em decorrência desses objetivos, o Museu deveria recolher produtos naturais em diversas regiões para estudos comparativos em termos sul-americanos.  

Segundo Maria Margaret Lopes (1997) o regulamento do Museu, seguindo a orientação presente em instituições congêneres, propunha a realização de conferências científicas, a publicação de uma revista e a definição de concursos para o ingresso na instituição. Ainda segundo o regulamento, as viagens realizadas pelos naturalistas-viajantes deveriam ser registradas em diários e as coleções especificadas em um livro de registro. A instituição era aberta ao público somente em dias previamente determinados pela direção da instituição, havendo a exceção de visitas para alunos de escolas públicas, acompanhados de seus professores.

Por este regulamento, a estrutura administrativa do Museu seria a seguinte: um diretor; um zelador ou “custos”, que também era vice-diretor; um preparador; um amanuense; um servente; e um porteiro.       

Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, ao assumir a direção da instituição (1894-1915), destinou uma equipe de zoólogos para a organização e a pesquisa do acervo zoológico, tão heterogêneo e reunido de maneira pouco científica. A organização e a catalogação do acervo despertaram o interesse do Estado, que destinou uma verba de cem contos de réis anuais para custeio do trabalho e ainda, e cedeu um grande edifício para instalar as coleções, que viria a ser o Monumento do Ipiranga. 

De acordo com o regulamento aprovado pelo decreto nº249, de 26 de julho de 1894, o Museu abrigaria, além das coleções de ciências naturais (zoologia, botânica, mineralogia, etc,), uma seção destinada à História Nacional e especialmente dedicada a colecionar e arquivar documentos relativos ao período da independência política do país.

Em termos do espaço físico o Museu encontrava-se organizado da seguinte forma: térreo - coleções de estudo, laboratórios, oficinas, biblioteca, administração do Museu; 1º andar - 16 salas para exposição das coleções: pássaros (sala 1), ninhos e ovos de pássaros (sala 2), aves (sala 3), cobras (sala 4), anfíbios, répteis  e peixes de água doce (sala 5), peixes do mar (sala 6), insetos (sala 7), objetos históricos (sala 8), objetos históricos e armamentos (sala 9), animais inferiores (sala 10), coleção mineralógica e paleontológica (sala 11), coleção etnográfica e arqueológica dos índios do Brasil (sala 12), coleção numismática (sala 13), mamíferos (salas 14, 15 e 16), e o quadro de Pedro Américo “Brado da Independência”, e outras telas históricas (sala de honra).     

O referido regulamento também dispunha sobre a criação de uma revista, a Revista do Museu Paulista, na qual seriam publicadas as pesquisas realizadas sobre as especialidades da instituição (ESTADO DE SÃO PAULO, Decreto, 1894). 

Com a ampliação das coleções, as instalações do Museu foram ficando acanhadas, adotando-se, muitas vezes, como solução a substituição de espécimes velhas por outras novas. Segundo M. Margaret Lopes (1997) grande parte destes acréscimos nas coleções foram oriundos do trabalho do naturalista-viajante Ernest Garbe, que viajou por várias regiões do país. Destacaram-se, também, as coleções de peças arqueológicas, de índios brasileiros, consideradas raridades e oriundas da coleção de Balbino de Freitas, do Rio Grande do Sul. A coleção Limur, igualmente adquirida, era constituída de importantes materiais mineralógicos, paleontológicos e arqueológicos, que haviam sido coletados pelo francês Jacques Boucher de Crèvecœur de Perthes (1788-1868)

Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, em 1909, fundou a Estação Biológica do Cajuru, no Alto da Serra, considerada a primeira na América do Sul, que era um laboratório natural destinado às investigações biológicas do Museu, como estudos sobre o comportamento animal e sobre o desenvolvimento de plantas em seus ambientes. Foram realizadas várias excursões para estudos antropológicos e para coleta de materiais arqueológicos e etnográficos, como a que explorou, em 1909, as grutas calcárias de Iporanga e Xiririca (Vale da Ribeira) com a participação do próprio Hermann Friedrich Albrecht von Ihering e do preparador Francisco Leonardo de Lima.  

De acordo com a Mensagem de Altino Arantes, Presidente do Estado de São Paulo, apresentada em 1917, o Museu Paulista necessitava, naquela ocasião, de uma nova organização, a fim de que no local pudessem ser realizadas as festividades em comemoração ao centenário da Independência do Brasil. Falou-se, inclusive, na necessidade de uma remodelação nos processos administrativos do museu, para que possa desempenhar com louvor sua missão histórica e educativa. 

Em 1918, foram inauguradas duas novas salas, sendo uma destinada às coleções botânicas e outras, relacionadas à tradição e aos fatos históricos de São Paulo. O número de visitantes ao museu crescia, principalmente no dia 7 de setembro, como de costume. Ainda neste ano, voltou-se a falar da necessidade imediata de uma reorganização do Museu Paulista, a fim de que pudesse desempenhar o seu verdadeiro papel.

Finalmente, após tantas reivindicações por melhorias na instituição, ficou esta fechada durante dois meses para que uma remodelação fosse feita.

Após a sua reabertura, o Museu Paulista teve um aumento significativo no seu número de visitantes, recebendo cinco vezes mais pessoas do que nos anos anteriores. Prosseguiram também, os trabalhos de catalogação da biblioteca, que já em 1918, contava com cerca de 27.000 volumes e tendo recebido neste mesmo ano, 1.400 livros. Foi dada continuidade ao serviço de limpeza e reparação das antigas salas de exposição, aumentando o número de objetos em exposição. Foi aberta ainda, uma nova sala, destinada à história da capital paulista; nela, se encontravam não apenas quadros representando o São Paulo antigo, mas também documentos do Arquivo da Cidade, que haviam sido emprestados pela Câmara Municipal. Tal qual na época de Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, na gestão de Afonso d’Escragnolle Taunay também foi dada ênfase às expedições científicas, a fim de coletar material para as coleções do museu. Nesta época, estiveram na instituição os professores Allypio de Miranda Ribeiro e Edgard Roquete-Pinto, encarregados do serviço de revisão e de determinação das coleções ictiológicas e também, de remodelação das exposições antropológicas. O horto botânico, que funcionava como anexo do Museu Paulista, desenvolveu-se muito neste ano, tendo sido consultado bastante, sobretudo por estudos de caráter etimológico e botânico.

Nos primeiros meses de 1922, o Museu Paulista permaneceu fechado novamente para obras de reparo, em virtude das comemorações do centenário da Independência do Brasil. Neste período, foram organizadas novas salas de exposição e para preenchê-las, foram adquiridos quadros, estátuas e outros objetos. O acervo da Biblioteca do Museu aumentou, tendo recebido 183 obras e 24 mapas do Brasil.

Ao reabrir no dia sete de setembro, data da comemoração do centenário da Independência do Brasil, o Museu inaugurou suas novas instalações após as reformas: 26 salas de exposições, destinadas à história nacional e paulista; uma sala de exposição de entomologia; e decoração da escadaria nobre e do salão de honra do edifício do Museu, com muitas estátuas de mármore e bronze, grandes quadros e painéis históricos, referentes à Independência e à epopéia do bandeirantismo paulista. O número de visitantes na reabertura da instituição foi bastante significativo.

Em 1923, o Museu Paulista inaugurou duas novas seções, a de História Nacional, e especialmente, a de São Paulo e Etnografia. A biblioteca aumentou o número de volumes e nesta época, seu acervo chegava a 35.000 livros. A lei estadual nº 1.911, de 29 de dezembro de 1922, criou no Museu Paulista a seção de História Nacional, especialmente de São Paulo e Etnografia e transferiu para o Museu Paulista a seção de Botânica, que antes era anexada ao Instituto Soroterápico de Butantan (MENSAGEM, 1923, p.162). Com esta transferência, ficaram anexados ao Museu Paulista, o Horto Oswaldo Cruz e a Estação Biológica do Cajuru, no Alto da Serra. 

Ainda em 1923, pelo decreto estadual n.º 3.579, de 15 de fevereiro, foi criado um museu, no prédio onde havia se realizado a Convenção Republicana de Itú. Tal estabelecimento, que recebeu o nome de Museu Republicano Convenção de Itú, foi inaugurado em 18 de abriu de 1923 e funcionou como anexo da seção de história do Museu Paulista. 

Com relação às excursões para coleta de material científico, foi realizada apenas uma em 1923, da qual participaram naturalistas como Afrânio do Amaral, Allypio de Miranda Ribeiro, Júlio Melzer e J. Holt. Em 1926, duas outras excursões foram realizadas, uma de botânica e a outra de zoologia, nos estados de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais e Rio de Janeiro. 

No mesmo ano, a biblioteca do Museu Paulista fez importantes aquisições, e seu acervo alcançou o número de 37.000 volumes. Recebeu obras de outras instituições, como o Automóvel Clube de São Paulo, e o Clube Comercial de São Paulo. 

Em 15 de novembro de 1928 foi aberto ao público, um pavilhão anexo, onde ficou exposto o hidroavião “Jaú”. Em 1929, duas excursões de caráter zoológico foram realizadas nos Estados de São Paulo, Mato Grosso e Paraná.

Em 1930, foi aberta ao público uma nova sala, onde estavam três painéis do pintor paulista Almeida Júnior, denominados “A Partida da Monção”, “São Paulo no caminho de Damasco” e o retrato do Presidente Prudente de Moraes. Esta nova seção do Museu Paulista recebeu o nome de “Sala das Monções Almeida Júnior”. Além disso, foram realizadas duas excursões científicas, uma bem extensa, no sul do Mato Grosso e outra mais curta, às cabeceiras da Ribeira do Iguape.

Publicações oficiais

Em janeiro de 1896 foi lançado o primeiro número da Revista do Museu Paulista, cuja criação havia sido definida no regulamento do Museu, aprovado pelo decreto nº249, de 26 de julho de 1894: 

“O «Museu Paulista» publicará, sob a redacção do director, uma «Revista» na qual serão publicadas as investigações realizadas sobre as especialidades da repartição, contribuições para o conhecimento do Brazil e  (....). 
1.° Na mesma «Revista» se publicarão os relatorios de viagens e es feitos pelos empregados que o director julgar util divulgar.
2.° Tambem serão feitas nesta «Revista» as publicações de sabios listas que houverem effectuado estudos com o material do Museu.
3.° Estas publicações poderão ser feitas em francez, inglez ou allemão mas sempre acompanhadas de um extracto em lingua portugueza ou repectiva tradução”. (ESTADO DE SÃO PAULO, Decreto, 1894)

A revista expressava bastante o caráter do diretor do museu, Hermann Friedrich Albrecht von Ihering. Logo na capa, constava além de um breve currículo seu, o caráter de circulação internacional que a revista deveria possuir:

“Dr. Médico et. Ph., Diretor do Museu Paulista, sócio honorário da Sociedade Antropológica italiana, da Academia de Ciências de Córdoba, da Sociedade Geográfica de Bremen, da Sociedade Antropológica de Berlim, da Academia de Filadélfia, da Sociedade dos Naturalistas de Moscou, da Sociedade Etnológica de Berlim, do Museu Etnológico de Leipzig e da Sociedade Científica do Chile” (SCHWARCZ, 1993, p. 79-80).

No primeiro número da Revista do Museu Paulista, os dois primeiros artigos dedicaram-se à história do museu, exaltando-o como um monumento à glória paulista; já um outro artigo, escrito por Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, discorreu sobre o novo perfil da instituição, dizendo que a intenção era a de se fazer classificações científicas, além de mostrar o quão interessante era a natureza da América do Sul e do Brasil, assim como o homem sul americano possuía bastante relevância.

Com um caráter moldado segundo os grandes centros europeus, o Museu Paulista reafirmou esta posição na elaboração da Revista. A presença estrangeira era bem significativa, sendo a maioria dos artigos de autoria de especialistas, como o naturalista argentino Florentino Ameghino (1854-1911), o botânico italiano Walter Adolpho Ducke (1876-1959), Sigismund Ernst Richard Krone, apresentado apenas um pequeno percentual de autores nacionais. É importante lembrar inclusive que, boa parte dos artigos eram transcritos no idioma original, predominando o inglês, o francês e o alemão e ainda que, durante sua gestão, Hermann Friedrich Albrecht von Ihering foi responsável por 40 dos artigos da revista. Nota-se então, o caráter excessivamente personalista do diretor do Museu Paulista.

A Revista trouxe ainda na abertura de seu primeiro volume, um ofício de Orville Adelbert Derby datado de 29 de agosto de 1895, falando das origens do Museu Paulista. Nele, Derby relatava que assim que recebeu a indicação do zoólogo alemão Hermann Friedrich Albrecht von Ihering, tratou de propor ao governo a criação de uma seção zoológica na Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo. 

Um outro ponto a se destacar na publicação da Revista do Museu Paulista, diz respeito ao predomínio absoluto das ciências naturais. A maior parte dos artigos (55%) catalogados tinham como tema central a zoologia e paleozoologia, área de atuação de Hermann Friedrich Albrecht von Ihering. Na revista, as outras áreas ocupavam um espaço bem menor: etnografia e arqueologia (11%), informações sobre a instituição (8,6%), intercâmbios bibliográficos e bibliografias sobre ciências naturais (12,5%), biografias e necrológios (5,5%), botânica (3,1%), geografia (1,5%), viagens (1,5%), geologia (0,7%) e história (0,7%) (LOPES, 1997). 

A Revista do Museu Paulista publicou 23 volumes, entre 1895 e 1914, sendo todos editados por Hermann Friedrich Albrecht von Ihering. Após a interrupção em decorrência da I Guerra Mundial, a publicação foi retomada em 1918, e deste ano até 1938 foi editada por Afonso d’ Escragnolle Taunay. Nesta segunda fase, direcionada para a história natural, destacou-se a presença de pesquisadores nacionais, contando, entre outros, com a colaboração de Arthur Neiva e Allypio de Miranda Ribeiro (Museu Nacional). De 1947 a 1988 circulou uma nova etapa da publicação, a Revista do Museu Paulista – nova série, voltada especialmente para a área de antropologia. 

Em 1922, o Museu Paulista distribuiu a “Collectanea de Documentos da Antiga Cartographia Paulista” e começou a publicar osAnnaes do Museu Paulista, os quais a partir de 1993 intitularam-se Anais do Museu Paulista. História e Cultura Material

Fontes

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Ficha técnica

Pesquisa- Gil Baião Neto; Lucilia Maria Esteves Santiso Dieguez; Maria Rachel Fróes da Fonseca.
Redação- Lucilia Maria Esteves Santiso Dieguez
Revisão- Francisco José Chagas Madureira.
Atualização – Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.

Forma de citação

MUSEU DO ESTADO. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 15 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario


Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)