CHAGAS, CARLOS RIBEIRO JUSTINIANO

De Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
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Outros nomes e/ou títulos: Chagas, Carlos; Chagas, Carlos Ribeiro Justiniano das.

Resumo: Carlos Ribeiro Justiniano Chagas nasceu em 9 de julho de 1878, na Fazenda Bom Retiro, próxima à cidade de Oliveira, na então província de Minas Gerais. Era filho de José Justiniano das Chagas e de Mariana Candida Ribeiro de Castro Chagas. Em 1902 doutorou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, com a tese intitulada “Estudos hematologicos no impaludismo”. Foi descobridor, em 1909, da trypanosomiase americana (doença de Chagas), diretor da Diretoria Geral de Saúde Pública (1919), diretor do Instituto Oswaldo Cruz (1917-1934), e do Departamento Nacional de Saúde Pública (19201926). Faleceu no Rio de Janeiro, em 8 de novembro de 1934.

Dados pessoais

Carlos Ribeiro Justiniano Chagas nasceu em 9 de julho de 1878, na Fazenda Bom Retiro, localizada a vinte quilômetros da cidade de Oliveira, na então província de Minas Gerais. Francisco das Chagas de Andrade, seu bisavô, era de Açores (Portugal) e chegou na região de Minas Gerais em meados do século XVIII, onde casou-se com Mariana Josefa Lobato e teve vários filhos, entre os quais Romualda Chagas de Andrade. Esta casou-se com Serafim Justiniano de Figueiredo, tenente português, teve vários filhos, e entre estes José Justiniano Chagas. Carlos Ribeiro Justiniano Chagas era filho de José Justiniano Chagas, cafeicultor, e de Mariana Candida Ribeiro de Castro Chagas, filha de Joana Ferreira da Silva e Carlos Ribeiro da Silva Castro, proprietário de fazendas na região, como a Fazenda Bom Retiro. Carlos Chagas teve quatro irmãos, Maria Rita, José, Marieta e Serafim. Seu pai, José Justiniano Chagas, faleceu em 1883, cabendo, então, a sua mãe a administração das fazendas Bom Retiro e Bela Vista e a criação dos filhos. Nesta época, a família mudou-se para a Fazenda Bela Vista, nas proximidades da cidade de Juiz de Fora, na província de Minas Gerais (CHAGAS FILHO, 1993).

Carlos Chagas conheceu Iris Lobo, filha de Fernando Lobo Leite Pereira, senador mineiro e ministro do Interior e das Relações Exteriores entre 1891 e 1892, com quem viria a se casar, em um sarau na casa deste senador, a convite do médico Miguel de Oliveira Couto. Inicialmente os pais de Iris foram contrários ao relacionamento de sua filha com Carlos Chagas, mas após a jovem ter feito greve de fome contra a decisão de seus pais, estes acabaram cedendo e o casamento de Iris e Carlos Chagas realizou-se em 23 de julho de 1904 (CHAGAS FILHO, 1959).

Evandro Serafim Lobo Chagas, primeiro filho de Carlos Chagas, nasceu em 10 de agosto de 1905, e seguiu a profissão do pai dedicando-se às pesquisas sobre doenças tropicais. Seu segundo filho, Carlos Chagas Filho, nasceu em 12 de setembro de 1910, e também se formou em medicina, tendo, aos 27 anos se tornado catedrático de física biológica da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil. E seu terceiro filho, chamado Mauricio, nasceu em Juiz de Fora, mas faleceu com apenas um mês de vida.

Carlos Ribeiro Justiniano Chagas recebeu diversas condecorações, como o título de Cavaleiro da Ordine della Corona d'Italia (Itália, 1920), de Comendador dell' Ordine della Corona (Bélgica,1923), de Comendador da Orden Civil de Afonso XII (Espanha, 1925), de Comendador da Orden de Isabela la Católica (Espanha, 1926), de Cavaleiro da

Ordine della Corona di Romania (Romênia, 1929), de Cavaleiro da Ordre de la Légion d'honneur (França, 1923), e de Oficial da Ordem de Santiago da Espada (Portugal, 1924).

Faleceu no Rio de Janeiro, em 8 de novembro de 1934, devido a um infarto do miocárdio (CHAGAS FILHO, 1959). 

Trajetória profissional

Carlos Ribeiro Justiniano Chagas com oito anos de idade foi enviado para o Collegio São Luiz, fundado por religiosos jesuítas italianos em 1867 na cidade de Itú, na então província de São Paulo. Estudou neste colégio até maio de 1888, quando recebeu notícias “de que os escravos liberados estariam depredando fazendas”, o que o teria levado a temer por sua mãe (CHAGAS FILHO, 1993, p.23).

Depois de ter sido expulso do Collegio São Luiz, em decorrência de sua fuga, Carlos Chagas foi estudar no Collegio de São Francisco, em São João del Rey, na província de Minas Gerais. Neste novo colégio foi instruído pelo Padre João Batista do Sacramento, professor de latim e de história natural, que teve muita importância na sua formação, como destacou Carlos Chagas Filho na biografia sobre seu pai:

“Humanista, naturalista, poeta, dará ao seu jovem discípulo o gosto da observação da natureza e lhe fará desabrochar o prazer intelectual da leitura e da apreciação artística” (CHAGAS FILHO, 1959, p.14)

Mariana Candida Ribeiro de Castro Chagas, sua mãe, desejava que Carlos Chagas fosse engenheiro, e este, atendendo ao desejo de sua mãe, ingressou, em 1895, no curso anexo da Escola de Minas de Ouro Preto, na cidade de Ouro Preto (Minas Gerais), onde estudou física, química, matemática e história natural, mas não concluiu a formação. Em 1896, retornou para a cidade de Oliveira, com o diagnóstico de beribéri, o qual viria a ser confirmado por seu tio, Carlos Ribeiro de Castro, o “tio Calito”, médico e proprietário de uma casa de saúde na cidade de Oliveira (TRAJETÓRIA, 2019). Uma das grandes influências na escolha de Carlos Ribeiro Justiniano Chagas pela medicina foi o “tio Calito”. Com o apoio de seu tio e do avô materno, Carlos Chagas conseguiu vencer a resistência de sua mãe, e foi para São Paulo para prestar os exames preparatórios para ingresso no ensino superior, realizados no curso anexo à Faculdade de Direito de São Paulo. Após ter obtido o certificado de aprovação, Carlos Chagas mudou-se, em 1897, para a cidade do Rio de Janeiro, para ingressar na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (CHAGAS FILHO, 1993).

Matriculou-se em 19 de abril de 1897 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e durante o curso foi interno da primeira cadeira de clínica médica, do professor Nuno Ferreira de Andrade. No 5° período do curso de medicina dois de seus professores, Miguel de Oliveira Couto, professor de clínica propedêutica, e Francisco de Paula Fajardo Junior, assistente desta cadeira, o convidaram para participar de seus trabalhos. Junto a Miguel de Oliveira Couto, que lhe teria indicado a leitura de “Introduction à l´étude de la médecine expérimentale”, de Claude Bernard, Carlos Chagas participou de estudos experimentais, e dedicou-se ao diagnóstico e ao estudo clínico das doenças. Já com o professor Francisco de Paula Fajardo Junior, que se dedicava à medicina tropical, foi seu assistente dedicando-se a estudos sobre o parasita e vetor da malária (CHAGAS FILHO, 1993).

Carlos Ribeiro Justiniano Chagas completou o curso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 14 de maio de 1903. Sua tese de doutoramento intitulou-se “Estudos hematologicos no impaludismo”, foi defendida e aprovada com distinção neste ano, e seu diploma expedido em 26 de abril de 1904. Em sua tese apresentou as seguintes dedicatórias:

“A minha mãe. Na vida meu supremo bem. A memoria venerada de meu pae. A minha noiva querida. A meus estimadíssimos irmãos. A meus bondosos avós. A memoria de meus tios e esplendidos amigos José Maria Ribeiro de Castro e Dr. Carlos Ribeiro de Castro. Ao colega e caro amigo Dr. A. L. de Almeida Horta. Ao estimado amigo e colega Dr. Eurico de Azevedo Villela. Ao mestre e amigo Dr. Miguel Couto. Homenagem de gratidão e amizade. Ao mestre e amigo Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz. Homenagem de gratidão e amizade” (CHAGAS, 1903)

Para a realização de suas pesquisas para a tese de doutoramento, Carlos Chagas procurou o Instituto Soroterápico Federal, e assim, em 1902, foi recebido por Oswaldo Gonçalves Cruz, diretor técnico daquela instituição. A orientação de Oswaldo Gonçalves Cruz foi muito importante para Carlos Chagas, que afirmou em sua tese:

“Valeu-nos o auxilio do diretor do Instituto de Manguinhos – Dr. Gonçalves Cruz – de quem nos veiu toda a educação technica e scientifica de que precisámos, todos os ensinamentos necessários á conclusão destes estudos. No laboratiro de Manguinhos trabalhámos com liberdade ampla, dispusemos de todo o material technico. Mais ainda, fôram sempre amigas e valiosíssimas as lições do estimado mestre. Ser-lhe-emos sempre reconhecido”. (CHAGAS, 1903, p.4)

Entre aqueles que se doutoraram com Carlos Chagas, em 1903, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro estavam Ezequiel Caetano Dias, que posteriormente seria designado por Oswaldo Cruz, para dirigir a primeira filial do Instituto Oswaldo Cruz inaugurada em Belo Horizonte, em 3 de agosto de 1907;  Eduardo Rabello, chefe da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas do Departamento Nacional de Saúde Pública em 1920; Garfield Augusto Perry de Almeida, posteriormente diretor da Faculdade Hahnemanniana (1923); Agenor Guimarães Porto, catedrático de terapêutica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1934), e Antonio Luis de Almada Horta, que viria a dirigir a Escola de Farmácia e Odontologia de Juiz de Fora. O periódico Brazil-Medico noticiou, em 1º de janeiro de 1904, o recebimento de um exemplar da tese de Carlos Chagas:

“Nota bem merecida foi a distincção que a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro conferiu á these de doutoramento do Sr. Dr. Carlos Chagas, galardoando d´esse modo os esforços do jovem scientista para a confecção do seu trabalho, interessantíssimo e de real valor. (....). A introdução da these, destinada a demonstrar o valor dos estudos de hematologia pathologica, abrange, em traços rápidos, toda a historia da moderna sciencia experimental, desde a attenuação dos virus e a propriedade vaccinante dos microbios attenuados até os novíssimos estudos de hematologia tropical, que o auctor desejaria se extendessem também á lepra, á ankylostomiase, ao bócio, ao beribéri, etc.” (BIBLIOGRAPHIA, 1904, p.9)

Em 1902, Carlos Chagas, então presidente do Gremio dos Internos dos Hospitaes do Rio de Janeiro, que funcionava na Praia de Santa Luzia, Rio de Janeiro, fez a apresentação do primeiro número da revista daquela agremiação, a Revista do Gremio dos Internos dos Hospitaes. Neste número de lançamento foram publicados a aula inaugural de Miguel de Oliveira Couto, e os trabalhos dos médicos Aloysio de Castro, Juvenil da Rocha Vaz, Alberto Ribeiro de Oliveira Motta, Galdino do Valle, Cassio Barbosa de Rezende, e do farmacêutico Alvaro Sanches (REVISTA, 1902). Em junho de 1903, Carlos Ribeiro Justiniano Chagas teria sido convidado por Oswaldo Cruz para trabalhar no Instituto Soroterápico Federal, mas declinou do convite por entender que sua vocação estava na clínica.

Foi nomeado, em 16 de março de 1904, médico da Diretoria Geral de Saúde Pública, e começou a trabalhar em um dos hospitais dependentes desta diretoria, o Hospital Paula Candido, em Jurujuba (Niterói, Rio de Janeiro), então dirigido pelo médico Luiz Tavares de Macedo Junior. Atuou neste hospital até o ano de 1909 (CHAGAS FILHO, 1993).

Nesta época, Carlos Chagas abriu um consultório na Rua da Assembleia nº30, no centro do Rio de Janeiro, em um espaço pertencente ao médico Egydio Salles Guerra. Como não conseguia cobrar adequadamente de seus clientes, Carlos Chagas não foi bem-sucedido financeiramente com este consultório (CHAGAS FILHO, 1993, p.77).

Foi convidado, em 1905, por indicação de Oswaldo Cruz, diretor do Instituto Oswaldo Cruz e diretor geral de Saúde Pública, para coordenar o combate à malária nas obras da Companhia Docas de Santos para construção de uma hidrelétrica, em Itatinga (São Paulo), onde grande parte dos operários haviam sido acometidos pela enfermidade. Carlos Chagas procurou combater a malária, em Itatinga, impedindo a contaminação pelo mosquito transmissor, o culicídeo, e “em menos de três meses, conseguiu, praticamente, debelar o surto de maleita, utilizando um novo procedimento que nasceu da sua capacidade dedutiva e dos seus conhecimentos de parasitologia” (CAHAGS FILHO, 1993, p.78).

Integrou o serviço médico do Hospital de São Sebastião, fundado em 1889 na cidade do Rio de Janeiro, nos anos de 1905-1908, e de 1913-1915.

Em 19 de março de 1906, Carlos Chagas começou seu trabalho no então denominado Instituto Soroterápico Federal, e no ano seguinte eram seus colegas de instituição Henrique Figueiredo de Vasconcellos, Henrique da Rocha Lima, Ezequiel Caetano Dias e Antônio Cardoso Fontes (CHAGAS FILHO, 1993). Nesta época a instituição em Manguinhos realizava várias expedições científicas, em diversas regiões do país, com o objetivo de combater as epidemias e estudar as doenças tropicais.

Viajou, em 1906, para Juiz de Fora, em Minas Gerais, junto com Alcides Godoy, também pesquisador do Instituto Soroterápico Federal, para realizar os testes da vacina contra o "carbúnculo sintomático", vulgarmente conhecida como peste da manqueira, desenvolvida por Godoy.

Concomitante a estas expedições, Carlos Chagas começou a trabalhar, em 19 de março de 1906, como assistente no Instituto Soroterápico Federal, posteriormente denominado Instituto de Patologia Experimental, em 1907, e Instituto Oswaldo Cruz, em 1908. Carlos Chagas Filho, em livro sobre seu pai, relatou como fora importante para Carlos Chagas seu ingresso naquela instituição, pois o “Instituto de Manguinhos era assim, naturalmente, a grande atração daqueles que viam na ciência o caminho indispensável para o progresso na medicina” (CHAGAS FILHO, 1993, p. 79).

Em fevereiro de 1907 Carlos Chagas participou, juntamente com Arthur Neiva e José Gomes de Faria, também pesquisadores do instituto em Manguinhos, então denominado Instituto de Patologia Experimental, do combate à malária na região de Xerém, na Baixada Fluminense (Rio de Janeiro), que estava afetando os trabalhos de canalização da água para a Capital Federal.

Oswaldo Cruz, em junho de 1907, incumbiu Carlos Chagas para o controle da malária especialmente na área de construção do prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil, na região do Rio das Velhas, entre Corinto e Pirapora, no norte do Estado de Minas Gerais. Integrou, também, esta campanha, o médico Belisário Augusto de Oliveira Penna, do Serviço de Profilaxia Rural, que posteriormente, em 1910, juntamente como Arthur Neiva, participaria de uma das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz, para fazer o levantamento da situação epidemiológica e socioeconômicas de localidades nos estados da Bahia, Pernambuco, Piauí e Goiás (LIMA, 2009).

Nesta ocasião, Carlos Chagas utilizou um vagão de trem como residência e como laboratório, e instalou um ambulatório no alpendre de uma casa na localidade de São Gonçalo de Tabocas, posteriormente denominada Lassance. Durante seu período nesta região, além do combate à malária, e motivado por seu interesse na entomologia e na protozoologia, Carlos Chagas procurou também capturar e estudar os mosquitos locais e os animais domésticos e silvestres.

Desde a primeira campanha de combate à malária de que havia participado, Carlos Chagas havia percebido que os mosquitos, após picarem as pessoas no interior das casas, ganhavam “peso que os fazia permanecer ali por longo tempo, digerindo o sangue e maturando os ovos” (KROPF; LACERDA, 2009. p.68). Assim, entendia que não se deveria atacar o mosquito apenas na sua fase larval aquática, mas principalmente em sua fase adulta alada, aplicando inseticidas nos ambientes. Sua pesquisa sobre a malária foi reconhecida, posteriormente, no Primo Congresso Internazionale sulla Malaria, realizado em Roma, de 3 e 6 de outubro de 1925.

Em 1907 Carlos Chagas era adjunto na clínica de moléstias externas e vias urinárias da Policlínica Geral do Rio de Janeiro, fundada em 10 de dezembro de 1881 e instalada na Rua dos Ourives, no centro da cidade do Rio de Janeiro, e que era então dirigida pelo médico José Cardoso de Moura Brazil.

Carlos Ribeiro Justiniano Chagas foi nomeado, em 20 de março de 1908, pesquisador assistente do Instituto Oswaldo Cruz. Na instituição, nesta ocasião, eram assistentes Alcides Godoy, Antônio Cardoso Fontes, Arthur Neiva, Ezequiel Caetano Dias e Henrique Beaurepaire Rohan Aragão, e chefes de serviço Henrique Figueiredo de Vasconcellos e Henrique da Rocha Lima.

No ano de 1908, ainda na expedição de combate à malária na cidade mineira de Lassance, Carlos Chagas descobriu, enquanto analisava o sangue de um sagui em seu laboratório, uma nova espécie de tripanosoma que ele nomeou de Trypanosoma minasense. Nesta ocasião, Carlos Chagas e Belisário Penna capturaram, em um rancho, exemplares de um inseto sugador de sangue, popularmente referido como “barbeiro”, sobre o qual o chefe dos engenheiros da Estrada de Ferro Central do Brasil, Cornélio Homem de Cantarino Motta, havia comentado. Segundo Chagas haviam inúmeros “barbeiros” que atacavam as pessoas "nas habitações pobres, nas choupanas de paredes não rebocadas e cobertas de capim”, e que lá permaneciam “depois de apagadas as luzes, e ocultando-se, durante o dia, nas frestas das paredes, nas coberturas das casas, em todos os esconderijos” (KROPF (a), 2009, p. 97).

Carlos Chagas levou os exemplares para seu laboratório, e ao examiná-los encontrou um protozoário em forma de tripanossoma. Sem condições de realizar ali análises mais detalhadas, Carlos Chagas enviou os exemplares para Oswaldo Gonçalves Cruz, em Manguinhos, o qual após realizar alguns testes, e colocar os exemplares daqueles insetos em contato com macacos, criados no laboratório, constatou que alguns macacos haviam adoecido e apresentavam tripanossomas no sangue. Carlos Chagas, ao ser informado destes resultados, retornou a Manguinhos, e concluiu que o protozoário não era o minasense, mas uma nova espécie de tripanosoma, a qual ele nomeou de Trypanosoma cruzi, em homenagem a seu grande mestre, Oswaldo Cruz.

Carlos Ribeiro Justiniano Chagas começou então a pesquisar se essa doença afetava os seres humanos. Retornou à cidade de Lassance, onde realizou exames de sangue entre os moradores, e em 14 de abril de 1909 identificou a presença do parasita no sangue de uma criança febril. Publicou no periódico Brazil-Medico, em 22 de abril de 1909, a Nota Prévia “Nova espécie mórbida do homem, produzida por um trypanosoma (Trypanosoma cruzi)”, na qual anunciou sua descoberta, e o caso daquela menina de dois anos, chamada Berenice, foi considerado o primeiro caso identificado da nova doença humana denominada doença de Chagas ou tripanossomíase americana. Esta nova doença tropical passaria a ser, com apoio de seu diretor, o carro-chefe das pesquisas do Instituto Oswaldo Cruz, sendo estudada por Carlos Chagas e por outros pesquisadores, como Arthur Neiva, Gaspar de Oliveira Vianna, César Guerreiro, Astrogildo Machado, Carlos Bastos de Magarinos Torres, e Eurico de Azevedo Villela. A descoberta e os estudos sobre a nova enfermidade foram considerados uma contribuição inovadora ao campo da medicina tropical e Carlos Chagas, desde o início, enfatizou que este era um problema de grande relevância para a saúde pública brasileira (KROPF (a), 2009).

Oswaldo Cruz, então diretor geral de saúde pública e do Instituto Oswaldo Cruz, apresentou, em 22 de abril de 1909, numa sessão da Academia Nacional de Medicina, uma comunicação na qual apresentou a descoberta de Carlos Chagas (UMA, 1909).

Carlos Chagas foi nomeado, em 1º de junho de 1910, chefe de serviço no Instituto Oswaldo Cruz. E nesta época, também passou a lecionar no Curso de Aplicação da instituição, e em 1913, de acordo com o programa do referido curso, cabia a Carlos Chagas as seguintes disciplinas: Protozoários em geral; Amebas; Flagelados. Tripanosomidas. Leishmanias. Piroplasma; Moléstia de Carlos Chagas; Esporozoários em geral. Impaludismo; Ciliados parasitos; Espiroquetas; e Clamidozoários. Germes filtráveis. Varíola. Febre amarela (O ENSINO, 2019).

Em 26 de outubro de 1910, em sessão solene na Academia Nacional de Medicina, Carlos Chagas foi nomeado membro titular desta associação integrando a seção de ciências aplicadas à medicina. Na sessão foi recepcionado e saudado por Miguel da Silva Pereira, presidente daquela associação médica, que afirmou que aquela instituição não podia “ficar indiferente quanto sentio a medicina nacional dignificada e enaltecida por um descobrimento de que o mais sábio dos sábios que lidam com cousas da sciencia se ufanaria de ser o notável autor”. Na ocasião, Carlos Chagas proferiu uma conferência sobre a etiologia e as formas clínicas da schysotrypanose brasileira, e foi feita “a exposição de numerosas projecções luminosas fixas e uma longa fita cinematográfica, representando as regiões de Minas assoladas pela moléstia de Carlos Chagas e os doentes observados” (ACADEMIA, 1910, p.3). Na ocasião haviam, além de peças anatomopatológicas, 16 microscópios para que a assistência pudesse observar o novo parasito (KROPF (a), 2009, p.145).

Os estudos e a descoberta de Carlos Chagas foram destaques no pavilhão brasileiro na Internationale Hygiene Ausstellung, organizada pelo empresário e farmacêutico Karl August Lingner (1861-1916), e realizada em Dresden (Alemanha) de maio a outubro de 1911. Foram nomeados como representantes do Brasil neste evento Oswaldo Gonçalves Cruz, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, Henrique Figueiredo de Vasconcellos, chefe de serviço no Instituto Oswaldo Cruz, Antônio Cardoso Fontes, assistente na mesma instituição, e Ataliba Florence, médico de moléstias de olhos na Polyclinica de São Paulo. No pavilhão brasileiro, projetado por Luiz Moraes Júnior e inaugurado em 15 de junho de 1911, foi instalada uma casa representando o sistema de isolamento na prevenção da febre amarela, e expostos os uniformes dos “mata-mosquitos” e o material de desinfecção das ruas e casas. Foram exibidas, também, coleções de insetos transmissores de doenças, como as de mosquitos da febre amarela e de “barbeiros” da doença de Chagas. Ainda em relação aos estudos e à descoberta de Carlos Chagas, havia reproduções de “papos”, considerados por Chagas, na época, como um sinal clínico da doença, e uma escultura em gesso representando uma paciente, que havia sido esculpida pelo escultor francês Antoine François Roume (MUSEU, 2019).

Ainda no âmbito desta exposição em Dresden, foi exibido um filme, “Chagas em Lassance”, com 9 minutos de duração, que apresentava imagens de doentes em Lassance (Minas Gerais) (MORAES, 2015, p.24). O filme, que já havia sido exibido antes, em 26 de outubro de 1910 na Academia Nacional de Medicina, também apresentava imagens do barbeiro nas paredes de uma casa.

A descoberta feita por Carlos Chagas ocupou, também, as páginas de periódicos do Rio de Janeiro, que noticiavam sua descoberta e seus estudos, como a entrevista publicada em A Imprensa, em 6 de agosto de 1911, realizada em sua residência, na Avenida Izabel de Pinho nº21, em Botafogo. Nesta entrevista apresentou as ideias gerais sobre a moléstia de Chagas, as regiões mais acometidas, suas pesquisas e sua descoberta (UM, 1911).

Sua segunda conferência, proferida na Academia Nacional de Medicina em 7 de agosto de 1911, na qual dissertou sobre as principais características clínicas da doença e as particularidades de sua descoberta, e defendeu a necessidade urgente da realização de uma campanha contra a doença, foi objeto de matéria publicada na edição de 12 de agosto de 1911 de O Malho. Nesta mesma edição também foi publicada uma sátira, intitulada “A Doença «Carlos Chagas»”, na qual referia-se aos “besouros políticos sociaes” e indagava:

“Até parece que estes bezouros são peiores que o terrível Barbeiro ...Poder-se-á dar um jeito a isso? Não haverá um Carlos «Chagas» que nos livre d´ellas?!....”  . (MOLESTIA, 1911)

Carlos Chagas liderou, entre outubro de 1912 e abril de 1913, a comissão do Instituto Oswaldo Cruz à bacia do rio Amazonas, integrada por Antônio Pacheco Leão, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e João Pedro de Albuquerque, da Diretoria Geral de Saúde Pública, para examinar as condições sanitárias e de vida nos principais centros de produção da borracha. Durante a expedição, que se realizou entre outubro de 1912 e abril de 1913, percorreram os rios Solimões, Juruá, Purus, Acre, Iaco, Negro e o baixo rio Branco, realizaram observações clínicas sobre as enfermidades mais presentes na região, como a malária, e recolheram amostras de plantas, insetos e peixes para análise de novos parasitas. No final de 1913 foi publicado seu relatório intitulado “Notas sobre a epidemiologia do Amazonas”, como parte do “Relatorio sobre as condições medico-sanitarias do valle do Amazonas” apresentado por Oswaldo Cruz a Pedro de Toledo, Ministro da Agricultura, Industria e Commercio, e reimpresso na edição de 8 de novembro de 1913 do periódico Brazil-Medico. Carlos Chagas, na terceira parte do relatório “Notas sobre a epidemiologia do Amazonas”, apresentou uma síntese sobre a epidemiologia na região, e destacou a inexistência de estudos sobre o tema no campo da medicina experimental. Acrescentou que os procedimentos profiláticos ainda não haviam sido adotados naquela região deficitária em termos sanitários, e que “o que colocava a Amazônia naquelas condições não eram fatores relacionados ao clima, mas às políticas públicas e às relações econômicas que se estabeleceram a partir da exploração da borracha” (SCHWEICKARDT; LIMA, 2007, p.36-37). Junto a este relatório, que foi encaminhado ao Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, havia uma caixa com 334 fotografias e mapas do roteiro da viagem (SCHWEICKARDT; LIMA, 2007).

Neste ano de 1913 foi indicado, por Manoel Augusto Pirajá da Silva, professor de parasitologia na Faculdade de Medicina da Bahia, ao Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, mas o vencedor foi Charles Robert Richet (1850-1935), médico fisiologista francês que havia descrito a anafilaxia. Carlos Chagas foi indicado para este prêmio Nobel em quatro ocasiões, tendo sido duas indicações oficiais, a de 1º de janeiro de 1913 e a de 21 de dezembro de 1920, e duas não-oficiais (COUTINHO; FREIRE JR.; DIAS, 1999). A primeira indicação, em 1913, teria sido feita pelo professor da Faculdade de Medicina da Bahia, Manuel Augusto Pirajá da Silva, mas não foi devidamente avaliada e recomendada. Em 1921, foi feita outra indicação, e desta feita por Hilário Soares de Gouvêa, professor de oftalmologia e otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que teria escrito “uma carta mostrando o talento, reputação, altruísmo e dedicação de Carlos Chagas à ciência, descrevendo resumidamente a seqüência de descobertas sobre o agente transmissor, o tripanossomo, o modo de transmissão e as repercussões clínicas e anátomo-patológicas graves da doença” (PITTELLA, 2009, p.70). Mas esta indicação também não recebeu a recomendação do Comitê Nobel. Importa registrar, que ao final, neste ano de 1921, não ocorreu efetivamente o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina (PITTELLA, 2009).  

Durante a realização da Exposição Nacional da Borracha, inaugurada no dia 12 de outubro de 1913 no Palácio Monroe, no centro da cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa de Pedro de Toledo, Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, Carlos Chagas proferiu, no dia 24 de outubro, uma conferência sobre as condições médico-sanitárias na Amazônia, reproduzida nas páginas de O Paiz, um periódico de grande circulação (A CONFERENCIA, 1913), na qual reafirmou a importância das políticas públicas de saúde para a região:

“Na Amazonia, seja como forem as dificuldades actuaes, a aplicação das medidas medico-sanitarias contra a malária, importa em exigências de alta monta e será a base segura de todas as providencias tendentes a salvar em grande parte a riqueza nacional, representada pela indústria da borracha.Far-se-á um dia, estamos certos, esta campanha bemfazeja, que será demonstrativa da nossa cultura, dos nossos sentimentos de humanidade e da bôa orientação dos nossos governantes” (Apud. CHAGAS FILHO, 1993, p.104).

Alguns anos após sua descoberta, surgiram diversas polêmicas em relação à doença de Chagas, apresentadas inicialmente, em 1915, nos estudos feitos sob a liderança de Rudolf Kraus (1868-1932), um microbiologista austríaco e então diretor do Instituto Bacteriológico Argentino, que questionavam as formulações de Chagas, principalmente a etiologia parasitária do bócio endêmico. Na sessão de 29 de julho de 1919, da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, o médico Henrique Beaurepaire Rohan Aragão, questionou alguns pontos da descoberta de Carlos Chagas, ao afirmar que sua hipótese sobre o bócio era insustentável, tendo em vista o número pequeno de casos comprovados parasitologicamente, e que o Trypanosoma cruzi poderia apresentar baixa patogenicidade para o organismo humano, fundamentando-se no estudo de Kraus. Aragão questionou, ainda, a autoria da descoberta do Trypanosoma cruzi, ao atribuí-la a Oswaldo Cruz (KROPF, 2009, p.224-226). As polêmicas prosseguiram, e tornaram-se mais intensas em 1922, por ocasião do discurso de Júlio Afrânio Peixoto, médico e professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, professado em 30 de novembro daquele ano na Academia Nacional de Medicina, ao recepcionar Henrique Figueiredo de Vasconcellos como membro honorário. Neste discurso ao referir-se aos serviços prestados pelo recepcionado, no então Instituto Oswaldo Cruz, acabou por questionar a existência e a importância da doença de Chagas. Carlos Chagas sentiu-se atingido por tais declarações e solicitou a Miguel de Oliveira Couto, então presidente da Academia Nacional de Medicina, que fosse constituída uma comissão para avaliar seus estudos. Durante o ano de 1923, os estudos de Carlos Chagas, e a ideia, por ele defendida, de que esta doença era um problema de saúde pública importante, foram objeto de intensos debates naquela associação médica (KROPF (b), 2009). Em 23 de novembro de 1923 foi apresentado o parecer da referida comissão, no qual Carlos Chagas foi confirmado como autor da descoberta do T. cruzi. Carlos Chagas, em 6 de dezembro daquele ano, proferiu uma conferência na Academia Nacional de Medicina, na qual  demonstrou sua mágoa com todo o ocorrido e afirmou que “não valera a todos a palavra de quem, para salvaguardar o patrimônio científico de uma escola, hoje se encontra na atitude de réu, autuado de improbidade e de demolidor das prerrogativas de robustez e resistência da nossa gente dos campos” (Apud. KROPF (a), 2009 p.247). Em 13 de dezembro de 1923, na Academia Nacional de Medicina, Carlos Chagas apresentou informações sobre a moléstia que levava seu nome, em “uma sessão que ficará registrada como uma das mais memoráveis nos annaes” daquela associação, como foi destacado em matéria publicada na edição de 15 de dezembro da Revista da Semana (UMA, 1923). Carlos Chagas realizou, em 1916, uma revisão em seus estudos sobre a doença, reforçando seus enunciados sobre a importância da forma crônica da doença (KROPF (a), 2009).  Neste mesmo ano, participou do 1º Congreso Medico Panamericano, realizado de 17 a 24 de setembro de 1916 na cidade de Buenos Aires, no qual apresentou o trabalho “Aspectos clínicos y anátomo patológicos de la tripanosomiasis americana”, que foi publicado no periódico La Prensa Médica Argentina, em 1916. Nesta ocasião, proferiu no dia 20 de setembro, uma conferência sobre a doença de Chagas, na Facultad de Medicina da Universidad de Buenos Aires, na qual “contestou, severamente, os argumentos de Kraus, que afirmava ter encontrado muitas regiões na Argentina onde existiam numerosos barbeiros infestados com tripanossomos, sem que a doença tivesse sido observada” (CHAGAS FILHO, 1993, p.105). De acordo com Carlos Chagas Filho, esta sua conferência foi bem recebida, e alguns anos depois, recebeu o reconhecimento dos médicos argentinos Salvador Mazza (1886-1947) e Cecilio Félix Romaña Berón de Astrada (1901-1997) para suas ideias, quando estes afirmaram, contestando Kraus, a existência de casos agudos da tripanossomíase americana na região do norte da Argentina (CHAGAS FILHO, 1993). Durante a estadia na Argentina, Chagas visitou o Instituto Bacteriológico Argentino, fundado em 10 de julho de 1916 na cidade de Buenos Aires, e então dirigido por Rudolf Kraus.Com o falecimento de Oswaldo Cruz, em 11 de fevereiro de 1917, havia a necessidade de substituí-lo, e segundo Henrique Beaurepaire Rohan Aragão, médico e que viria a ser diretor do Instituto Oswaldo Cruz, não havia dúvidas de que a sucessão caberia “a um dos discípulos mais antigos, da primeira hora para bem dizer, e assim, sucedeu, escolhendo o Governo a Carlos Chagas, discípulo dileto, que então ocupava o posto de Chefe do Serviço desde que Rocha Lima deixara o Instituto em 1910, para trabalhar em instituições científicas alemãs” (ARAGÃO, 1953, p.1).

Carlos Chagas foi nomeado, por decreto do Presidente da República, Wenceslau Braz, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, em 14 de fevereiro de 1917, posto este no qual permaneceu até o final de sua vida, em 8 de novembro de 1934.

Logo após assumir a direção da instituição procurou atrair para a Manguinhos novos e experientes pesquisadores como o professor e clínico Eurico de Azevedo Villela, o químico e engenheiro de minas, metalurgia e civil José Carneiro Felippe, o fisiologista Miguel Ozorio de Almeida, e Leocádio Chaves, que havia participado das campanhas sanitárias com Oswaldo Cruz.

Na gestão de Carlos Chagas á frente do Instituto Oswaldo Cruz, “o número de pesquisadores triplicou, havendo seis chefes de serviço, doze assistentes e nove adjuntos de assistente” (FONSECA FILHO, 1974, p.130). Ingressaram na instituição, até 1933, novos quadros de pesquisadores como Antônio Luiz de Barros Barreto, Olympio Oliveira Ribeiro da Fonseca, Oscar D´Utra e Silva, Carlos Burle de Figueiredo, Cássio Miranda, Antonio Eugênio de Arêa-Leão, Heraclides Cesar de Souza Araújo, Genésio Pacheco, César Pinto, Armínio Fraga, Hebster Pereira, Aroeira Neves, José Guilherme Lacorte, João Carlos Nogueira Penido, Thales  Martins, Bento Oswaldo Cruz, Gilberto Guimarães Villela, Emanuel Dias, Evandro Serafim Lobo Chagas, Archanjo Soares Penna de Azevedo, Walter Oswaldo Cruz e Oswaldo Cruz Filho, Carlos Chagas Filho e Gustavo de Oliveira Castro (ARAGÃO, 1953). Outros nomes importantes regressaram à instituição, como Miguel Ozorio de Almeida, contratado como assistente para a recém criada seção de fisiologia.

Carlos Chagas, logo que assumiu a direção de Manguinhos, destacou a importância da medicina científica naquela instituição:

“Nem será de outro modo, senão nos laboratórios e os institutos de pesquizas experimentaes. no manejo do methodo biológico e da technica physico-chimica moderna, que mais se esclareça a pathologia humana e melhor se iluminem os largos domínios da medicina scientifica”. (CHAGAS, Carlos. Apud. CHAGAS FILHO, 1993, p.115)

Neste sentido promoveu ampliação das coleções científicas e das diversas áreas de conhecimento no Instituto Oswaldo Cruz. Neste sentido, assumiram outro patamar as áreas de bacteriologia e imunologia, com os estudos de José da Costa Cruz, Genesio Pacheco, José Guilherme Lacorte e José de Castro Teixeira. Igualmente outras áreas cresceram, como a de zoologia médica, sob a liderança de Lauro Pereira Travassos, a de micologia, com Olympio Oliveira Ribeiro da Fonseca e Antonio Eugenio de Arêa-Leão, a de entomologia, com Adolpho Lutz, Ângelo Moreira da Costa Lima, César Pinto e Arthur Neiva, e a de protozoologia, com os estudos de Aristides Marques da Cunha. As pesquisas no campo da hanseníase também se destacaram com a liderança de Heráclides César de Souza-Araújo. No ano seguinte a sua nomeação, em 1918, Carlos Chagas organizou o Serviço de Medicamentos Oficiais, criado por decreto federal n.13.000, de 1º de maio de 1918, com o objetivo de produzir e fornecer, gratuitamente ou a preços subsidiados, a quinina e outros medicamentos. De acordo com este decreto, a manipulação da quinina seria feita pelo Instituto Oswaldo Cruz, “incumbido disso mediante retribuição das despesas, e devendo ser transformada em comprimidos e soluções, para uso interno ou injecções hypodermicas” (BRASIL, 1918, p.1).

Neste mesmo ano inaugurou o Hospital Oswaldo Cruz, que começara a ser construído, no campus de Manguinhos, na gestão do antigo diretor, e que se destinava à internação de pacientes com doenças infectocontagiosas, como a moléstia de Chagas e a leishmaniose visceral. Sua construção foi viabilizada com o credito especial 300:000$ que havia sido estabelecido pelo decreto nº 9.346, de 24 de janeiro de 1912, para a construção de um hospital apropriado ao tratamento da moléstia de Carlos Chagas. Posteriormente, em 1940, este hospital passou a ser denominado Hospital Evandro Chagas, em homenagem ao filho de Carlos Chagas que havia falecido, e atualmente é o Instituto Nacional de Infectologia da Fundação Oswaldo Cruz.

Foram, ainda, ampliadas outras instalações do Instituto Oswaldo Cruz, na gestão de Carlos Chagas, como a construção de novas cavalariças e pavilhões destinados a oficinas, o Pavilhão de Química, no qual se encontravam os laboratórios de química e de micologia, e o Serviço de Medicamentos Oficiais (FONSECA FILHO, 1974).  

Carlos Chagas promoveu importantes mudanças no Instituto Oswaldo Cruz, como as alterações, feitas em 1919, ao regulamento de 1908, que possibilitaram a incorporação definitiva de inúmeros técnicos à instituição, passando o quadro funcional a constituir-se por um diretor, seis chefes de serviço, nove assistentes, sete sub assistentes, um secretário, e 64 servidores administrativos e auxiliares (ARAGÃO, 1953). Ainda durante sua gestão, em 1920, o controle de qualidade dos imunobiológicos fabricados e importados pelos laboratórios do país passou a ser atribuição do Instituto Oswaldo Cruz.

Na área do ensino, Carlos Chagas promoveu mudanças importantes na estrutura dos denominados Cursos de Aplicação no Instituto Oswaldo Cruz, criados em 1908 e voltados para a formação de pesquisadores em microbiologia e zoologia médica.  Com o regulamento de 1926, o programa do Curso de Aplicação foi ampliado e passou a contemplar as seguintes partes: 1) bacteriologia e imunidade; 2) micologia, protozoologia, helmintologia, entomologia e zoologia médica; 3) anatomia patológica. O curso seria prático e teria dez meses. Foi definido, igualmente, que os alunos teriam a possibilidade de se inscrever no curso completo, pelo qual receberiam um diploma, “no curso especial de higiene e saúde pública, ou em apenas uma de suas partes, obtendo, nesse caso, um certificado de frequência” (BENCHIMOL, 1990, p.64).  

Entre os anos de 1918 e 1930, Carlos Ribeiro Justiniano Chagas integrou, como membro, o Conselho Administrativo dos Patrimônios dos Estabelecimentos a cargo do Ministério da Justiça e Negócios Interiores (CONSELHO, 1918). Em reunião deste Conselho, realizada em 18 de setembro de 1918, na qual Carlos Chagas participou como membro, foi autorizada a construção de um pavilhão destinado aos alienados leprosos no Hospital Nacional de Alienados (CONSELHO ADMNISTRATIVO, 1918).

Foi importante a atuação do Instituto Oswaldo Cruz, então sob a direção de Carlos Chagas, especialmente em dois momentos graves para saúde pública do Rio de Janeiro, a epidemia de gripe espanhola, em 1918, e posteriormente a de febre amarela, em 1928. Na época da gripe espanhola, o então presidente da República, Wenceslau Braz, que havia demitido Carlos Pinto Seidl, diretor Geral de Saúde Pública, convidou Carlos Chagas para assumir seu cargo, pedido este que inicialmente foi recusado por Chagas, que não desejava prejudicar sua relação com Seidl. O presidente da República não desistiu da contribuição de Chagas, e lhe solicitou que organizasse a criação de hospitais de emergência para cuidar da população carioca. A atuação de Carlos Chagas foi bastante evidenciada na imprensa carioca, como em matéria no periódico O Paiz, que se referiu especialmente aos hospitais instalados por sua iniciativa:

“O Dr. Carlos Chagas, a quem até agora se deve o mais relevante serviço, qual o da creação de hospitais provisórios, cuja instalação veiu em muito desafogar a população enferma, (......). Foram hontem instalados os hospitais provisórios, creados pelo Dr. Carlos Chagas, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, na Escola Deodoro, no Centro Escolar da praça Onze de Junho, no Engenho de Dentro e em Ramos”. (A INFLUENZA, 1918, p.3).

Carlos Chagas solicitou, por meio de matéria na imprensa, a seus colegas, técnicos e médicos, e a estudantes de medicina, para que prestassem serviços nos 27 postos de consulta e nos 15 postos escolares, que estavam sendo instalados em toda a cidade (APPELLO, 1918). Foi criada, em 11 de fevereiro de 1918, a Liga Pró-Saneamento do Brasil, por iniciativa de Belisário Penna, que congregava cientistas, intelectuais e políticos que buscavam lutar em prol do saneamento em todo o país, combater as endemias rurais, entre as quais a doença de Chagas. Na sessão de instalação da Liga, realizada na sede da Sociedade Nacional de Agricultura, Carlos Chagas foi escolhido como seu presidente (LIGA, 1918). Neste ano de 1918 foram realizados, conjuntamente, na cidade do Rio de Janeiro, a 2ª Conferencia Sul-americana de Hygiene, Microbiologia e Pathologia, o 2º Congresso Sul-americano de Dermatologia e Syphilographia, o 8º Congresso Brasileiro de Medicina e o 1º Congresso de Trachoma. Os eventos, que foram iniciados no dia 13 de outubro, tiveram suas sessões ordinárias realizadas no novo edifício da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, recém-inaugurado na Praia Vermelha, e o encerramento dos trabalhos no Instituto Oswaldo Cruz, após a inauguração do Hospital Oswaldo Cruz em suas dependências. Carlos Chagas apresentou nesse evento, no dia 19 de outubro, o trabalho intitulado “As fórmas nervosa e cardíaca da doença de Chagas” (CONGRESSO, 1918).

Carlos Chagas tornou-se, em 1918, sócio honorário do Centro Republicano Progresso D. Clara, associação que havia sido fundada em 17 de março de 1915, na Rua Dr. Frontin n.26, junto à Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil D. Clara (atualmente bairro de Madureira), no Rio de Janeiro, com o objetivo de promover o progresso região. Esta instituição, então presidida pelo negociante José Ferreira Simões, foi visitada por Carlos Chagas em novembro de 1918, e na mesma época inaugurou um posto de socorros em suas dependências (EM D. Clara, 1918).

Assim como havia feito seu mestre Oswaldo Cruz, Carlos Chagas acumulou a função de diretor do Instituto Oswaldo Cruz, com a de diretor da Diretoria Geral de Saúde Pública, para o qual foi nomeado em 1° de outubro de 1919.  Sua posse no cargo, em 4 de outubro de 1919, foi amplamente noticiada na imprensa, como a matéria publicada em O Paiz (A POSSE, 1919).  

Em 2 de janeiro de 1920, pelo decreto 3.987, que reorganizou os serviços da saúde pública, foi criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), que substituiu e ampliou as atribuições da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), que fora criada em 1896. Entre as atribuições do DNSP estava a sua organização em três diretorias, a de Serviços Sanitários Terrestres na Capital Federal, a de Defesa Sanitária Marítima e Fluvial e a de Saneamento e Profilaxia Rural, assim como a elaboração de um código sanitário.

Desde o contexto da epidemia de gripe espanhola no Rio de Janeiro, a assistência hospitalar havia se tornado uma questão importante para a gestão de Carlos Chagas no Departamento Nacional de Saúde Pública. Foram, então, criados vários hospitais como o Hospital Pedro II, em 1920, o Hospital Gaffrée Guinle em 1924, e o Hospital Arthur Bernardes, em 1924. O Hospital Arthur Bernardes, criado por iniciativa do pediatra e chefe da Inspetoria de Higiene Infantil, Antonio Fernandes Figueira, era destinado ao atendimento de crianças e foi instalado nas dependências do Hotel Sete de Setembro, no Morro da Viúva (atual Av. Rui Barbosa), na cidade do Rio de Janeiro. Em 26 de abril de 1926 o estabelecimento passou a denominar-se Abrigo-Hospital Arthur Bernardes, e após várias transformações institucionais, transformou-se, em 1946, no atual Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz.

O diretor de Manguinhos, Carlos Chagas, destacou, no Relatório de Atividades do Instituto Oswaldo Cruz de 1921, a relevância da criação da seção de química aplicada, por tratar-se de um “ramo de conhecimento que assumiu importância preponderante e de que não pode mais prescindir uma instituição nos moldes da nossa” (Apud. BENCHIMOL, 1990, p.57). Esta seção, na qual eram técnicos José Carneiro Felippe, Gilberto Guimarães Vilela e Nicanor Botafogo-Gonçalves, tinha entre suas atribuições, desde 1920, a análise da qualidade e dos padrões dos soros, vacinas e outros produtos biológicos fabricados em laboratórios do país (BENCHIMOL, 1990).    

Em 1921, Carlos Chagas viajou para os E.U.A., a convite do professor de medicina tropical da Harvard Scholl of Public Health, Richard Pearson Strong (1872-1948), para proferir um curso nessa instituição. Nesta ocasião, proferiu conferências na Harvard University, e recebeu, em 23 de junho de 1921, o título de Artium Magistrum, Honoris Causa, Honoris Causa, concedido por essa instituição.

Ainda na década de 20, no contexto da gestão de Carlos Chagas no Departamento Nacional de Saúde Pública, foram criados um serviço de enfermeiras de saúde pública, o Hospital Geral de Assistência, atual Hospital Escola São Francisco de Assis da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que se tornou um hospital padrão, apresentando serviços de qualidade com excelente corpo médico e estrutura, e a Escola de Enfermeiras. Estes órgãos de enfermagem eram subordinados à Superintendência do Serviço de Enfermeiras, vinculada diretamente ao Diretor-Geral do Departamento Nacional de Saúde Pública. A Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) foi instalada, em 1922, em terreno anexo ao Hospital Geral de Assistência do DNSP, na rua Afonso Cavalcanti, no centro do Rio de Janeiro. O serviço de enfermagem devia ficar a cargo das alunas da Escola, prevendo a substituição das enfermeiras práticas (sem formação) por alunas e enfermeiras diplomadas pela mesma instituição, à medida que seu número fosse aumentando. Foi inaugurado, em junho de 1925, um busto em homenagem a Carlos Chagas no hall de entrada do pavilhão de aulas da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública. Posteriormente, em 1937, a instituição passou a denominar-se Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade do Brasil.

Carlos Chagas foi nomeado membro da Comissão de Higiene da Société des Nations (Liga das Nações), entre 1922 e 1934, tendo sido eleito, em 1926, para ocupar a vice-presidência desta entidade.

Durante o período de Carlos Chagas na direção do Departamento Nacional de Saúde Pública, foi aprovado, pelo decreto nº16.300, de 31 de dezembro de 1923, um extenso regulamento que estabeleceu as competências do DNSP, normatizou o exercício profissional, o licenciamento de farmácias, a fiscalização de produtos farmacêuticos e biológicos, a inspeção de estabelecimentos e logradouros, e a defesa sanitária marítima e fluvial. Ainda sob sua gestão, foi criado o concurso para inspetor sanitário, concurso esse que desencadeou a nomeação de novos sanitaristas para o país.

Chefiou, em maio de 1923, a delegação brasileira que participou do Congrès International de Propagande d´Hygiene Sociale et d´Éducation Prophylactique Sanitaire et Morale (Sorbonne, Paris, 24-27/05/1923), e da Exposition Internationale du Centenaire de Pasteur. Hygiène Scientifique et Appliquée (Strasburgo, França, 1º/06-15/10/1923), eventos comemorativos do centenário de Pasteur. Integraram, também, a delegação, Gustavo Kohler Riedel, diretor da Colônia de Psychopatas, em Engenho de Dentro, Eduardo Rabello, inspetor da Prophylaxia da Syphilis, Eduardo Borges Ribeiro da Costa, diretor da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, Eurico de Azevedo Villela, do Instituto Oswaldo Cruz, e Gastão Cruls (NOTAS, 1923).

No ato de inauguração do pavilhão brasileiro na Exposição Internacional Scientifica e Industrial de Hygiene, em 10 de junho de 1923 em Estrasburgo, Carlos Chagas proferiu um discurso no qual destacou a importância da obra de Pasteur para as ciências médicas e o bem-estar da humanidade (A SCIENCIA medica brasileira. Correio Paulistano, São Paulo, n.21.524, p.2, 11 de junho de 1923). Nesta ocasião, referiu-se à Comissão de Higiene da Société des Nations, que integrava desde o ano de 1922, como “uma organização de defesa sanitária, de incontestável utilidade, e que está destinada a prestar os maiores serviços à medicina social de todos os países”. E ressaltou que a Comissão deveria intensificar suas ações de defesa sanitária, e estreitar, neste campo, os laços entre a Europa e a América. Destacou, ainda, a importância do intercâmbio universitário, lembrando que muitos médicos brasileiros haviam realizado seus estudos em instituições francesas, e que a classe médica brasileira se inspirava nos métodos e obras francesas. Concluiu seu discurso que, seguindo a obra de Oswaldo Cruz, procurava organizar, no Brasil, a higiene preventiva e garantir a defesa sanitária marítima (EXPOSIÇÂO, 1923). 

Ainda na França, proferiu na Université de Strasbourg, em junho de 1923, uma conferência sobre a moléstia de Chagas, utilizando projeções luminosas (FRANÇA,1923).

Carlos Chagas foi nomeado, por decreto presidencial, catedrático da cadeira de medicina tropical, criada na ocasião especialmente para ele e posteriormente denominada clínica de doenças tropicais e infectuosas, da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, tendo tomado posse em 23 de maio de 1925 em sessão da Congregação da referida instituição. Na sessão de posse foi recepcionado pelos professores Miguel de Oliveira Couto, Oswaldo Coelho de Oliveira e Aloysio de Castro, e teve seu termo de posse assinado por Juvenil da Rocha Vaz, então diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro (A POSSE, 1927).  À época sua nomeação foi questionada no contexto das críticas à reforma educacional recém implementada, pelo fato do decreto que a havia instituído ter sido sancionado diretamente pelo presidente da República, sem ter sido submetido anteriormente ao Congresso Nacional (AZEVEDO; FERREIRA, 2012, p.585).

Em 8 de maio de 1925, Carlos Chagas, ainda à frente do Instituto Oswaldo Cruz, recepcionou, juntamente com Leocádio Chaves, o físico Albert Einstein (1879-1955), de viagem pela América Latina, em sua visita à instituição, quando lhe foram apresentados vários preparados, como o Trypanosoma cruzi, da moléstia de Chagas (EINSTEIN, 1925). Nesta oportunidade, Einstein assinou um exemplar da revista Annalen der Physik, (4. Folge, Bd. 17, p.891-921. Leipzig: Johann Ambrosius Barth, 1905), na qual fora publicado seu artigo intitulado “Zur Elektrodynamik bewegter Körper”, descrevendo pela primeira vez a teoria da relatividade (VISITA, 2019).

A partir de uma reforma regimental, a direção de Carlos Chagas estabeleceu, em 1926, seis seções científicas no Instituto Oswaldo Cruz, a de bacteriologia e Imunidade, a de zoologia médica, a de micologia e fitopatologia, a de anatomia patológica, a de hospitais, e a de química aplicada.

Na aula inaugural da cadeira de medicina tropical, em 14 de setembro de 1926, Carlos Chagas ressaltou a relevância daquela disciplina para o estudo dos problemas de saúde pública do país, especialmente as endemias rurais:

“Nos estudos que hoje iniciamos temos de lidar com os methodos da propedêutica physica, mas nelles haveremos de nos valer também de subsídios indispensáveis, lucrados principalmente da bacteriologia, da protozoologia, da helmintologia e da entomologia medica. Assim deve ser para que a aprendizagem das especiais nozologicas, peculiares a nosso paiz, se amplie e se complete em noções biológicas e epidemiológicas essenciaes e proveitosas ao medico e ao higienista”. (CHAGAS, 1926, p.19-20)

Foi responsável pela organização do Curso Especial de Higiene e Saúde Pública anexo à cadeira de higiene da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, cuja criação foi efetivamente estabelecida no decreto nº19.852, de 11 de abril de 1931, que definiu a organização do ensino médico na Universidade do Rio de Janeiro (SANTOS; FARIA, 2006, p.301). A responsabilidade administrativa, técnica e didática pelo curso era do Instituto Oswaldo Cruz. O curso, cujas aulas se iniciaram em 26 de abril de 1926, era dividido em dois anos letivos, sendo o primeiro, realizado em Manguinhos, denominado “curso fundamental”, que constava os estudos de bacteriologia, imunologia, parasitologia e entomologia médica. O segundo ano era realizado nas dependências da faculdade, e compreendia o curso de saúde pública propriamente dito, obras de saneamento e profilaxia. Para Carlos Chagas a criação desta especialização decorria da complexidade dos problemas de higiene pública, o que exigia uma educação técnica ampla e profunda, que não era contemplada pelo curso médico. Entendia que tal curso traria resultados profícuos para a saúde pública no Brasil (O CURSO, 1926). O curso, que contava com o apoio de especialistas norte-americanos encaminhados e custeados pela Fundação Rockefeller, como o epidemiologista Allen W. Freeman (1881-1954) e o professor J. A. Doull, para lecionarem especialidades, era ministrado por docentes indicados por Carlos Chagas, e vinculados ao DNSP, ao Instituto Oswaldo Cruz ou à Escola Politécnica. Entre estes docentes estavam Tobias Moscoso, João de Barros Barreto, Antonio Fernandes Figueira, Eduardo Rabello, José Plácido Barbosa da Silva, e José Paranhos Fontenelle (SANTOS, 2006).Em 1926 foi criada a Assistência Hospitalar, órgão autônomo em relação ao DNSP, que tinha como atribuição a gestão dos hospitais São Francisco de Assis e Pedro II, e a fiscalização de outras instituições hospitalares no Rio de Janeiro (SANGLARD,2008). Este órgão tinha um Conselho Hospitalar, integrado por Carlos Chagas, Ataulpho Napoles de Paiva, Miguel de Carvalho, Guilherme Guinle, José Antonio de Abreu Fialho e Clementino Rocha Fraga.

Neste ano ocorreu uma epidemia de varíola, a qual, segundo Evandro Serafim Lobo Chagas, filho de Carlos Chagas, teria sido controlada pelas medidas profiláticas que haviam sido adotadas pela gestão de Chagas no DNSP, que se encerrou em novembro deste ano, quando o médico Clementino Rocha Fraga assumiu a direção do DNSP (CHAGAS, Evandro, 1935).

Carlos Chagas, em 1927, integrou a diretoria da Liga Brasileira contra a Tuberculose, que havia sido fundada pelo advogado Ataulpho Napoles de Paiva e um grupo de médicos, em 4 de agosto de 1900.

Foi o professor responsável pelas aulas da disciplina de clínica médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, realizadas, em julho de 1927, no Hospital São Francisco de Assis, que havia sido inaugurado em 7 de novembro de 1922 na Rua Visconde de Itaúna nº 361, na cidade do Rio de Janeiro, e era então dirigido pelo médico José Thompson Motta (ACADEMIAS, 1927).

Em 1928, quando a cidade do Rio de Janeiro enfrentou mais um surto de febre amarela, Carlos Chagas, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, atuou de forma importante na produção de vacinas que foram distribuídas em larga escala. Além disso, pesquisadores e técnicos da instituição se debruçaram para investigar vários problemas científicos relativos à febre amarela, incluindo aspectos clínicos, patogênicos, anátomo e histopatológicos, químicos, imunológicos e terapêuticos. Esses estudos apresentaram importantes resultados e evidências como a presença do vírus em células hepáticas, a transmissão da moléstia para macacos brasileiros e estrangeiros, a presença do vírus no hemolinfa e nas vezes dos mosquitos, a infecção dos carrapatos com o vírus amarílico, o diagnóstico pela prova de proteção e outras descobertas (ARAGÃO, 1953, p. 8).

A gestão de Carlos Chagas em Manguinhos ainda foi marcada por uma reforma, implantada durante o governo de Getúlio Vargas, em maio de 1931, que propunha que aquela instituição se tornasse Departamento de Medicina Experimental, subordinado ao recém-criado Ministério da Educação e Saúde. Porém, dois anos depois, o Governo Federal decidiu pelo cancelamento desta proposta, e o Instituto Oswaldo Cruz voltou a ser novamente uma repartição diretamente subordinada ao Ministério da Educação e Saúde. Ainda no contexto desta reforma de 1931, foi criada mais uma seção científica no Instituto Oswaldo Cruz, a seção de fisiologia, sob a direção de Miguel Ozorio de Almeida, e foram ampliadas as atribuições da filial de Belo Horizonte, então dirigida por Octávio Coelho de Magalhães (ARAGÃO, 1953).

Carlos Chagas presidiu, em 26 de setembro de 1933, a sessão da Conferência para a Uniformização da Campanha contra a Lepra, organizada pela Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros, e realizada entre 24 de setembro e 2 de outubro de 1933 no prédio do Syllogeu Brasileiro, na Rua Augusto Severo nº4, no centro do Rio de Janeiro, onde funcionava a Academia Nacional de Medicina. Nesta Conferência, que reuniu técnicos para estabelecerem um plano de ação unificado para o combate à lepra, Carlos Chagas apresentou o projeto de criação do instituto de leprologia como centro de estudos e educação da lepra.

Na VII Conferência Internacional Americana, promovida pelo Conselho Diretor da União Panamericana, realizada na cidade de Montevidéu entre 3 e 26 de dezembro de 1933, Carlos Chagas, delegado neste evento, apresentou a exposição “Cooperação técnica internacional na luta contra a lepra”, que recomendava a criação de um Centro Internacional de Leprologia, no Rio de Janeiro (CHAGAS, 1933). Entre as resoluções da VII Conferência Internacional Americana estava a de que o Centro Internacional de Leprologia, instalado na cidade do Rio de janeiro, deveria ser aproveitado para a cooperação entre os países do continente americano no combate à lepra. Nesse mesmo evento Carlos Chagas propôs, em 12 de dezembro de 1933, na subcomissão da Commissão de Cooperação Intelectual, um projeto para ampliar a cooperação intelectual dos países da América, e intensificar o aproveitamento dos aperfeiçoamentos técnicos e científicos realizados no continente americano, mediante a criação de um instituto regional para esse fim.

Durante sua direção em Manguinhos, as seções de química, de fisiologia e de leprologia alcançaram importante desenvolvimento, e foi criado o Centro Internacional de Estudos sobre a Lepra, com o apoio da Liga das Nações e o auxílio financeiro do governo brasileiro e de Guilherme Guinle. O Centro Internacional de Estudos sobre a Lepra foi inaugurado em 20 de abril de 1934, em sessão solene no salão nobre da Biblioteca do Itamaraty. Presidido por Carlos Chagas, o Centro tinha sua sede no Instituto Oswaldo Cruz. O Centro Internacional de Leprologia tinha entre suas atribuições atividades de pesquisas de laboratório e de preparo de produtos anti-lepróticos. Para Carlos Chagas eram várias as razões para a iniciativa, como a “convicção absoluta de que é mister ampliar os elementos de acção da hygiene moderna na campanha contra esta doença, que levaram o Brasil  a organizar o Centro Internacional de Leprologia”, que “constituirá não só um centro de investigações scientificas quanto ainda um órgão de propaganda e orientação superior neste vasto domínio da medicina preventiva” (O CENTRO, 1934, p.3).

Carlos Chagas também ampliou outras áreas no Instituto Oswaldo Cruz, como os serviços de anatomia patológica, dirigido então por Carlos Bastos Magarinos Torres e no qual havia trabalhado o anátomo patologista norte-americano Bowman Crowell (1879-1951), o de protozoologia, o de entomologia, e o de bacteriologia (ARAGÃO, 1953).

Em 1931 foi eleito membro do Conselho Técnico-Científico da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, da qual era professor da clínica de doenças tropicais e infectuosas. No ano seguinte, em 1932, foi escolhido para ser paraninfo da turma de medicina.

Proferiu o Curso de Aperfeiçoamento sobre doença de Chagas e malária no Hospital São Francisco de Assis, que se iniciou em 8 de agosto de 1932, tendo tido aulas ao longo dos meses subsequentes, até o final desse ano.

Carlos Chagas foi sócio e/ou membro de inúmeras sociedades médicas brasileiras, como da Academia Nacional de Medicina (1910), da qual tornou-se o patrono da Cadeira nº 86, da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (1909), da Sociedade de Medicina da Bahia (10/06/1909), da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (24/11/1910), da Sociedade Brasileira de Sciencias (25/08/1916), da Sociedade Brasileira de Higiene (1923), da Sociedade Brasileira de Biologia (1923), Associação Médico-Cirúrgica de Minas Gerais (1924), e da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psychiatria e Medicina Legal, na qual integrou a Comissão de Assistência Prophylatica e Curativa das Neuro-Psychopatias (1926).

Foi o primeiro presidente da Sociedade Brasileira de Biologia, cuja reunião preparatória para sua fundação foi realizada, em 25 de junho de 1923, na sala de leitura da biblioteca do Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro. Nesta reunião preparatória, que contou com a presença de Adolpho Lutz, Aristides Marques da Cunha, Leocádio Chaves, Carlos Bastos Magarinos Torres, Olympio Oliveira Ribeiro da Fonseca, entre outros, foi definido que provisoriamente a sede da sociedade seria no Instituto Oswaldo Cruz, foram aprovados seus estatutos, e eleita a diretoria (SOCIEDADE, 1923). Esta associação era filiada à Société de Biologie (Paris, França).

Carlos Chagas foi, igualmente, o primeiro presidente da Sociedade Brasileira de Hygiene, que foi fundada em 28 de setembro de 1922, em reunião instalada na sede da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, no centro do Rio de Janeiro. A diretoria da associação tomou posse em 12 de outubro de 1922.

Em 1934 era membro da Liga Brasileira de Hygiene Mental, que havia sido fundada em novembro de 1922 pelo médico Gustavo Kohler Riedel, e que tinha entre seus membros Juliano Moreira, Aloysio de Castro, Henrique de Brito Belfort Roxo, Fernando Augusto Ribeiro de Magalhães e Miguel de Oliveira Couto. Integrou também a Liga Brasileira contra a Tuberculose, entidade filantrópica particular que foi fundada em 4 de agosto de 1900 e que teve como primeiro presidente o médico João Baptista dos Santos.

Integrou, com Miguel de Oliveira Couto, Antônio Austregesilo Rodrigues Lima, Juvenil da Rocha Vaz, Clementino Rocha Fraga e Oswaldo Coelho de Oliveira, o Conselho Científico da revista Movimento Medico, dirigida pelo médico Irineu Malagueta de Pontes, cujo primeiro número foi lançado em setembro de 1930.

É patrono da cadeira nº 46 da Academia de Medicina de São Paulo, sucessora da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.

No cenário internacional Carlos Ribeiro Justiniano Chagas integrou diversas sociedades médicas, como a Sociedad Médica Argentina (26/09/1916), Société de Pathologie Exotique (10/12/1919), American Society of Tropical Medicine (1919), Physicans Club of Chicago (EUA,1921), Société Royale des Sciences Médicales y Naturalles de Bruxelles (3/07/1922), Academia Nacional de Medicina (Perú, 1922), Académie Royale de Médecine de Belgique  (1923), Sociedade de Medicina Montevideana (1923), Accademia Medica de Roma (1924), Artes Medicas in India Orientali Neerlandica (1924), Real Academia Nacional de Medicina (Espanha, 1925), New York Academy of Medicine  (18/11/1926), Kaiserlich Deutsche Akademie de Naturforscher zur Halle (Halle, 18/11/1926), Sociedad Médico-Quirúrgica del Guayas (Quayaquil, 30/04/1926),  Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene (Londres, 30/05/1928), Académie Nationale de Médecine (Paris, 1930), Associação Médica Panamericana (Havana, 2/06/1932), Real Academia Nacional de Medicina de España, Sociedad Argentina de Biología.

Foi professor honorário da Faculdade de Medicina da Bahia (1918), lente honorário da Universidade de São Paulo (1912), e membro honorário da Facultad de Ciencias/Universidad Nacional del G.P. San Agustin de Arequipa (11/11/1929), e da Universidad Nacional de Buenos Aires. Recebeu os títulos de Artium Magistrum, Honoris Causa pela Harvard University (1921), de Doutor em Sciencias Agrarias de Buenos Aires (31/08/1922), Doutor Honoris Causa pela Université de Paris (6/11/1926), Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lima (outubro 1929), e Doutor Honoris Causa pela Faculté de Médecine/Université Libre de Bruxelles (19/11/1934). Recebeu também honrarias da Medizinische Fakultät (Universität Hamburg, 1925), e da Deutsches Rotes Kreuz (1932). Recebeu o diploma da Deutschen Roten Kreuzes (Berlim, 15/10/1932)

Integrou, juntamente com Miguel de Oliveira Couto, Juliano Moreira, Aloysio de Castro, Henrique de Brito Belfort Roxo, Clementino Rocha Fraga, Faustino Monteiro Esposel e Antônio Austregesilo Rodrigues Lima, a comissão brasileira no First International Neurological Congress, realizado em Berna (Suíça), entre 31 de agosto e 4 de setembro de 1931.

Carlos Chagas chefiou a comissão brasileira na Conferência Comemorativa sobre o Centenário de Louis Pasteur, quando recebeu o Prêmio Hors-Concours (Estrasburgo, França, 1923). No ano de 1912 recebeu, o prêmio Schaudinn Medaille, concedido pelo Institut für Schiffs-und Tropenkrankheiten, (Alemanha), a partir do parecer de uma comissão constituída por cientistas como o zoólogo Richard Wilhelm Karl Theodor Ritter von Hertwig (1850-1937),o médico Patrick Manson (1844-1922), o entomologista Raphaël Anatole Émile Blanchard (1857-1919), o médico Charles Louis Alphonse Laveran (1845-1922), o microbiologista Élie Metchnikoff (1845-1916),  o bacteriologista Pierre Paul Émile Roux (1853-1933), o patologista Camilo Golgi (1843-1926), o zoólogo Giovanni Battista Grassi (1854-1925), o bacteriologista Shibasaburo Kitasato (1852-1931), o médico militar Ayres Kopke (1866-1944), o protozoologista Wladimir Timofeevich  Shewiakoff (1859-1930), e o bacteriologista Frederick George Novy (1864-1957) (CHAGAS FILHO, 1993, p.98). Oswaldo Cruz, em ofício encaminhado em 27 de junho de 1912 ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Rivadavia da Cunha Corrêa, no qual comunicava a concessão da Schaudinn Medaile a Carlos Chagas, destacou a origem e a relevância daquela premiação. Relatou que após o falecimento de Fritz Richard Schaudinn (1871-1906), fundador da moderna protozoologia, seus colegas no Institut für Schiffs-und Tropenkrankheiten (Instituto de Molestias Tropicais, Hamburgo, Alemanha) haviam decidido pela criação de uma medalha com seu nome, a ser conferida àqueles que “mais valiosas descobertas tivesse feito no departamento das sciencias em que se exercitava o malogrado professor de que a medalha tirou o nome” (Apud INSTITUTO, 1913, p.28). Em 1925 recebeu a medalha de ouro do Prêmio Kummel, da Universität Hamburg (Alemanha).

Em 7 de julho de 1933 foi fundada a Escola de Enfermagem Carlos Chagas, na cidade de Belo Horizonte, originada de um acordo firmado entre a Diretoria de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais e a Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, a qual chegou a ser visitada pelo próprio Carlos Chagas, em 1934.

Carlos Chagas proferiu, em 10 de outubro de 1934, a conferência “Novas diretrizes na defesa sanitária rural”, por ocasião da inauguração da Policlínica de Niterói, da Faculdade Fluminense de Medicina, que havia sido fundada em 25 de junho de 1925 e era então dirigida por Antônio de Barros Terra.

Com o falecimento de Carlos Chagas, por infarto do miocárdio, em 8 de novembro de 1934, Antônio Cardoso Fontes assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz.

Por ocasião do falecimento de Carlos Ribeiro Justiniano Chagas foram publicadas inúmeras e extensas matérias, em diversos jornais de grande circulação, como na Gazeta de Noticias, em sua primeira página da edição de 9 de novembro, que ressaltou que “a sciencia medica brasileira perde uma das suas maiores glorias. Falleceu o Prof. Carlos Chagas, o scientista de renome mundial” (A SCIENCIA, p.1). E no mesmo tom, o Correio da Manhã destacou que “com ele desaparece uma das figuras mais ilustres da medicina brasileira” (A SCIENCIA MEDICA, 1934, p.1), O Jornal do Brasil, em sua edição de 9 de novembro de 1934 afirmou que “O Brasil perdeu ontem esse grande sábio, uma das glorias legitimas da medicina nacional” (A MORTE, 1934, p.11).

O médico Eurico de Azevedo Vilella, que fora assistente de Carlos Chagas na direção do Departamento Nacional de Saúde, em um texto em sua homenagem publicado, logo após seu falecimento, nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, destacou sua trajetória e sua contribuição à ciência brasileira:

“Cabe-lhe o mérito de um descobrimento notável e impar nos domínios da medicina: o da Trypanosomiase Americana (Doença de Carlos Chagas); entidade mórbida de existência inteiramente desconhecida, e não suspeitada, antes que ele a revelasse ao mundo scientifico. (.....). Não desvendou apenas, ou isolou uma entidade clinica reunindo elementos esparsos, já conhecidos. Mas creou um capítulo inteiro da nosologia: etiologia, pathogenia, anatomia pathologica, symptomatologia com as respectivas fórmas clinicas, determinação do insecto transmissor, dos depositários do virus, do modo de disseminação e consequente prophylaxia. (....) O estudo que fez do agente causal da doença, o Trypanozoma cruzi (Chagas, 1909), é magistral. Tão completo e tão perfeito que mereceu o premio Schaudinn, como o melhor trabalho apparecido na época sobre microbiologia. (.....). Protozoologista, além de dois novos trypanozomas que descobriu (Tryp. Minasensis, Chagas, 1908; Tryp. Cruzi, Chagas, 1909), são para citar os seus estudos sobre flagelados, hemogregarinas, amebas, coccidios e sobre o cariozoma de ciliados parasitos. (....). Entomologista, enriqueceu de algumas especies novas os anophelineos, trazendo com isto esclarecimento á epidemiologia do impaludismo. Entre outras descreveu a nova espécie Celia brasiliensis, cujos hábitos diurnos foram pela primeira vez notados em um anophelineo. A clinica lhe deve além da descripção da Trypanosomiase americana, a orientação em diversos pontos obscuros de pathologia tropical, taes como o chamado acesso pernicioso do impaludismo, a descripção de uma fórma oedematosa da febre quartã, a identificação das ulceras do valle do Amazonas á leishmaniose, a identificação do sodoku e outros de menor monta.”  (VILELLA, 1934, p.III-XI)

Miguel Ozorio de Almeida, chefe de divisão de fisiologia do Instituto Oswaldo Cruz, ressaltou, em matéria publicada em 1948 no Suplemento Ciencia para todos do periódico A Manhã, o papel de Carlos Ribeiro Justiniano Chagas na promoção da saúde pública do país:

“A dívida da Saúde Pública no Brasil para com Chagas é, pois, incalculável. Foi um homem de ação e de combate. Seus estudos científicos mantiveram sempre estreito contato com a realidade, que êle nunca perdia de vista. (.....). Carlos Chagas dedicou o melhor de seus esforços à saúde e higiene do interior. Muito jovem foi dirigir campanhas anti-maláricas em vários pontos do país. Fixou-se, por fim, em dada região do interior de Minas Gerais, onde diariamente estudava o estado sanitário e observava as doenças existentes. Foi aí que se produziu o acontecimento decisivo de sua vida: a descoberta de nova entidade mórbida, até então de todo desconhecida e que mais tarde recebeu o nome de doença de Chagas. (....). Pouco mais tarde partia êle para a Amazônia a fim de observar o clima, a vida e a patologia da região. De lá trouxe aquisições interessantes e preciosas sobre o paludismo e as diferentes endemias. Em seus discursos e conferências, até o fim, bateu-se Chagas pela grande causa. (....). A outra causa pela qual sempre se esforçou Chagas foi o desenvolvimento dos estudos de Medicina Experimental no Brasil. Nisso foi êle verdadeiro e digno continuador de Oswaldo Cruz. Como diretor do Instituto de Manguinhos teve êle as possibilidades de agir nesse sentido. Para Chagas, porém, tanto não bastava. Seria necessário que as outras instituições seguissem a mesma orientação e as novas gerações fossem instruídas das normas comprovadas e seguras. Por isso em suas alocuções o tema vem constantemente à baila. Ensina, insiste, repete, cita casos, multiplica os exemplos, nada esquece do que possa concorrer para impor a convicção e incrustar nos espíritos os princípios salutares.” (ALMEIDA, 1948, p.9)

A classe médica, seus colegas no Instituto Oswaldo Cruz e na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro renderam a Carlos Ribeiro Justiniano Chagas diversas homenagens póstumas, tendo sido inaugurado, um busto seu, de autoria do escultor Annibal Monteiro, em 15 de abril de 1937, em Manguinhos (INAUGUROU-SE, 1937).

Produção intelectual

- “Estudos hematológicos no impaludismo”. These apresentada á Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 26 de março de 1903. Rio de Janeiro: Typographia da Papelaria União, 1903.

- “Prophylaxia do impaludismo”. Rio de Janeiro: Typ. Besnard Frères, 1906.

- “Prophylaxia do impaludismo”. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XX, n.31, p. 315-317, 1906.

- “Prophylaxia do impaludismo”. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XX, n.33, p.337-340, 1906.

- “Prophylaxia do impaludismo”. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XX, n.41, p. 419-422, 1906.

- “Profilaxia do impaludismo”. (Trabalho do Instituto de Manguinhos). Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXI, n.16, p.151-154, 22 de abril de 1907.

- “Novas especies de culicideos brazileiros”. (Trabalhos do Instituto de Manguinhos). Rio de Janeiro: Besnard Frères,1907.

- “O novo gênero Myzorhynchella de Theobald. Duas novas anophelinas brazileiras pertencentes a este gênero”. (Trabalho do Instituto de Manguinhos). Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXI, n.30, p.291-293, 8 de agosto de 1907.

- “O novo gênero Myzorhynchella de Theobald. Duas novas anophelinas brazileiras pertencentes a este gênero”. (Trabalho do Instituto de Manguinhos). Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXI, n.31, p.303-305, 15 de agosto de 1907.

- “Uma nova espécie de gênero Taeniorhynchus”. (Trabalho do Instituto de Manguinhos). Brazil-Medico, Rio de Janeiro, 1907, ano XXI, n. 214, p.313-314, 22 de agosto de 1907.

- “Tripanozoma Minasense”. (Trabalho do Instituto de Manguinhos). Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXII, n.48, p. 471, 22 de dezembro de 1908.

- “Beitrag zur MalariaProphylaxis”. Zeitschrift fuer Hygiene und Infektionskrankheiten, v.60, p. 321-334, 1908.

- “Prophylaxia do impaludismo: nota prévia sobre uma causa de erro nos exames de sangue para a pesquiza do hematozoario de Laveran”. Revista Médica de São Paulo: jornal prático de medicina, cirurgia e higiene, São Paulo, v.11, n.19, p.391-399, 1908. 

- “Neue Trypanosomen”. Archiv für Schiffs-und Tropen-Hygiene, Leipzig, v.13, n.4, p.120, 1909.

- “Nova espécie mórbida do homem, produzida por um trypanosoma (Trypanosoma cruzi)”. Nota prévia. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, anno XXIII, n.16, p.161, 22 de abril de 1909.  

- “Nouvelle espèce de trypanosomiase humaine”. Bulletin de la Société de pathologie exotique, Paris, tome 2, n.6, p.304-307, 1909.

- “Bemerkung zu der Arbeit von R. Gonder und H. V. Berenberg-Gossler: malariaplasmodien der Affen”. Malaria, Leipzig, v.1, n.2, p.138, 1909.

- “Nova trypanozomiase humana: estudos sobre a morfolojia e o ciclo evolutivo do Schizotrypanum cruzi n. gen., n. sp., ajente etiolojico de nova entidade morbida do homem”. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p.159-218, ago. 1909.

- “Nova trypanosomiase humana”. Imprensa Medica, Rio de Janeiro, v.17, n.10, p.154-155, 1909.

- “Nova trypanosomiase humana (Nota apresentada à Academia Nacional de Medicina)”.Gazeta Medica da Bahia, Salvador,v.XL, n.10, p.433-434, abr. 1909.

- [sobre Trypanosoma cruzi].Revista Syniatrica; medicina, farmácia, ciências naturais. Rio de Janeiro, v.2, 1909.

- “Trabalho do Instituto de Manguinhos sobre uma nova trypanosomiase humana, pelo dr. Carlos Chagas, assistente do Instituto”. Annaes da Academia de Medicina, Rio de Janeiro, v.75, p.188-190, jan.-dez. 1909.

- “Uber eine neue trypanosomiasis des menschen”. Archiv fur Schiffs-und Tropen-Hygiene, Leipzig,v.13, p.351-353, 1909.

- “Relatorio aprezentado pelo chefe da comissão medica ao sub-diretor da 6ª divizão da E. F. Central do Brazil”. In: REIS, Aarão. Relatorio da Estrada de Ferro Central do Brazil referente ao ano de 1907 aprezentado ao Exmo. Sr. Dr. Miguel Calmon du Pin e Almeida, Ministro e Secretario d´Estado dos Negocios da Industria, Viação e Obras Publicas. Rio de Janeiro: Imp. Nacional, 1909. pp.168-174.

- “Sobre a etiologia do bócio endêmico no Estado de Minas Gerais”. Nota preliminar. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXIV, n.17, p. 263, 1º de maio de 1910.

- “Estudos sobre flagelados (Flagelatten-Studien)”. (com Max Hartmann). Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v.2, n.1, p. 64-125, 1910.

- “Nova entidade morbida do homem. Conferência realizada pelo Dr. Carlos Chagas na Academia Nacional de Medicina a 26 de outubro de 1910”. Annaes da Academia de Medicina, Rio de Janeiro, v.76, p.45-84, jan.-dez.1913.

- “Aspecto clinico geral da nova entidade morbida produzida pelo Schizotrypanum cruzi: nota prévia”. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, v. XXIV, n.27, p.263-265, jul.1910.

- “Nova entidade morbida do homem, Histórias e etiologia”. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXIV, n.43 p. 423, 15 de novembro de 1910.

- “Vorläufige mitteilung über untersuchungen an schlangenhämogregarinen: nebst bemerkungen zu der vorstehenden arbeit von E. Reichenow über Haemogregarina stepanowi”. (com Max Hartmann). Archiv für Protislenkunde, Jena (Alemanha), v..20, n.3, p.351-360, 1910.

- “Sobre a divisão nuclear da Amoeba Hyalina Dang”. (com Max Hartmann). Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 2, n.2, p.159-167, 1910.

- “Estudos de citolojia em nova especie de coccidio, “Adelea hartmanni”, do intestino de Dysdercus ruficollis L.”. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 2, n.2, p.168-185, 1910.

- “Le cycle de “Schizotrypanum cruzi” chez l’homme et les animaux de laboratoire”. Bulletin de la Société de pathologie exotique, Paris, tome 4, n.7, p. 467-471, 1911.

- “Molestia de Carlos Chagas. (Assumptos de Actualidade). Conferencia realizada em 7 de agosto na Academia Nacional de Medicina”. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXV, n.34 p. 340-343, 8 de setembro de 1911.

- “Molestia de Carlos Chagas. (Assumptos de Actualidade). Conferencia realizada em 7 de agosto na Academia Nacional de Medicina. (Continuação)”. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXV, n.35 p. 353-355, 15 de setembro de 1911.

- “Molestia de Carlos Chagas. (Assumptos de Actualidade). Conferencia realizada em 7 de agosto na Academia Nacional de Medicina. (Continuação)”. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXV, n.36 p. 361-364, 22 de setembro de 1911.

- “Molestia de Carlos Chagas. (Assumptos de Actualidade). Conferencia realizada em 7 de agosto na Academia Nacional de Medicina. (Conclusão)”. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXV, n.37 p. 373-375, 1º de outubro de 1911.

- “Molestia de “Carlos Chagas” ou thyreoidite parasitaria. Conferência realizada perante a Associação Medico Cirúrgica de Minas Gerais na sessão solene de 30 de julho de 1911”. Revista Médica de São Paulo: jornal prático de medicina, cirurgia e higiene, São Paulo,ano 14, n.18, p. 337-356, 1911.

- “Sobre as variações cíclicas do cariozoma em duas especies de ciliados parasitos: contribuição para o estudo do nucleo nos infuzorios”.Memórias do Instituto Oswaldo Cruz,Rio de Janeiro, v. 3, n.1, p. 136-144, 1911.

- “Nova entidade morbida do homem: rezumo geral dos estudos etiologicos e clínicos”.Memórias do Instituto Oswaldo Cruz,Rio de Janeiro, v.3, n.2, p. 219-275, 1911.

- “Molestia de Carlos Chagas ou thyreoidite parasitaria: nova doença humana transmitida pelo barbeiro (Conorhinus megistus). Conferência realizada na Sociedade de Medicina e Cirurgia de Minas Gerais na sessão solene de 30 de julho de 1911”.Revista Médica de São Paulo: jornal prático de medicina, cirurgia e higiene, São Paulo, ano 14, n.18, p.337-356, 1911.

 - “O mal de Chagas; conferência realizada em São Paulo, a convite da Sociedade de Medicina e Cirurgia, sobre a tripanozomiase brasileira e de sua descoberta”.Archivos da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, São Paulo, v.3, ns.9/10, p.34-66, 1912.

- “A propósito de um caso de desynteria amoébica observado em Juiz de Fora”. Revista Médica de Minas, Belo Horizonte, ano 4, n.3, p.79-85, mar. 1912.

- “A trypanosome of the armadillo, Tatusia novemcincta, its transmission by triatoma geniculata and the role tatusia as an out-of-door host of trypanosoma cruzi”. Rio de Janeiro: [Manguinhos], 1912.

- “Discurso pronunciado pelo Dr. Carlos Chagas na sessão solemne inaugural do VII Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, realizado em Bello Horizonte em 21 de abril de 1912”. Belo Horizonte: Imprensa Official,1912.

- “Conferencia realizada na sessão inaugural do VII Congresso Brasileiro de Medicina e Cirurgia, reunido em Bello Horizonte - 21 de abril de 1912”. In: CHAGAS, Carlos. Discursos e conferencias. Rio de Janeiro: A Noite, 1935. pp.81-103.

- “Sobre um trypanosomo do tatú,Tatusia novemcincta,transmitido pelo Triatoma geniculata Latr. 1811; possibilidade de ser o tatú um depositario do Trypanosoma cruzino mundo exterior. (Nota prévia)”. Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXVI, n.30, p. 305-306, 8 de agosto de 1912.

- “Thireoidite parasitaria: conferencia realizada em São Paulo pelo dr. Carlos Chagas, a convite da Sociedade de Medicina e Cirurgia, sobre a tripanozomíase brazileira, e de sua descoberta”.Revista Médica de São Paulo: jornal prático de medicina, cirurgia e higiene, São Paulo, ano 15, n.17, p.337-350, set. 1912.

- “Les formes nerveuses d’une nouvelle Trypanosomiase (Trypanosoma Cruziinoculé par Triatoma magista) (Maladie de Chagas)”. Nouvelle Iconographie de La Salpêtrière, Paris, tome XXVI, p.1-9, 1913.

- “Nova entidade mórbida no homem”. Annaes da Academia de Medicina, Rio de Janeiro, tomo 76, p.45-84, 1913.

- “Revisão do cyclo evolutivo do Trypanozoma Cruzi”. (Trabalhos do Instituto Oswaldo Cruz). Brazil-Medico,Rio de Janeiro, ano XXVII, n.23, p. 225-227, 15 de junho de 1913.

- “Notas sobre a epidemiologia do Amazonas pelo Dr. Carlos Chagas (Chefe de serviço no Instituto Oswaldo Cruz”. (Reimpresso do Brazil Medico n. 42 de 8 de Novembro de 1913. (Trabalho do Instituto Oswaldo Cruz). Rio de Janeiro, Manguinhos, 1913. In: CRUZ, Oswaldo. Relatorio sobre as condições medico-sanitarias do valle do Amazonas apresentado a S. Exª. o Snr. Dr. Pedro de Toledo, Ministro da Agricultura, Industria e Commercio. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1913. pp.39-53.

- “Notas sobre a epidemiologia do Amazonas”.Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXVII, n.42, p. 450-456, 8 de novembro de 1913.

- “Conferência realizada em 17 de outubro de 1913, sobre as condições medico-sanitarias do Rio Amazonas”. In: CHAGAS, Carlos. Discursos e conferencias. Rio de Janeiro: A Noite, 1935. pp.105-136.

- “Verificação no Rio de Janeiro da moléstia Sokodú (Rattembisskrankheit) devida a mordedura de rato. (Trabalhos do Instituto Oswaldo Cruz)”.Brazil-Medico,Rio de Janeiro, ano XXIX, n.28, p. 217-220, 22 de julho de 1915.

- “Fecundação n´um flagellado de vida livre “Prowazekia cruzi” (Hartmann & Chagas). (Nota prévia)”. (com Magarinos Torres). Brazil-Medico, Rio de Janeiro, ano XXX, n.29, p. 225, 15 de julho de 1916.

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Ficha técnica

Pesquisa - Bruna Cristina de Pinho da Silva, Maria Rachel Fróes da Fonseca.

Redação - Maria Rachel Fróes da Fonseca, Bruna Cristina de Pinho da Silva.

Revisão - Maria Rachel Fróes da Fonseca.

Atualização – Maria Rachel Fróes da Fonseca, Ana Carolina de Azevedo Guedes.

Consultoria - Simone Petraglia Kropf.

Colaboradores - Simone Petraglia Kropf.

Forma de citação

CHAGAS, CARLOS RIBEIRO JUSTINIANO. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970). Capturado em 23 nov.. 2024. Online. Disponível na internet https://dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/dicionario


Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1970)
Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)